No segundo aniversário de ter sido eleito Papa, Francisco disse numa entrevista que tinha a sensação de que o seu pontificado seria curto. "Quatro ou cinco anos." Mas em março entrou no oitavo ano como chefe da Igreja Católica, havendo quem especule que não vai retirar-se enquanto o papa emérito Bento XVI for vivo. Podem as notícias da deterioração do estado de saúde de Joseph Ratzinger pôr em marcha a contagem decrescente para a renúncia de Francisco?.Bento XVI, de 93 anos, sofre de erisipela no rosto, um vírus que causa uma erupção facial e dor intensa, segundo disse o seu biógrafo Peter Seewald ao jornal alemão Passauer Neue Presse. "Segundo Seewald, a saúde do Papa emérito agora é extremamente frágil. O seu pensamento e a sua memória são rápidos, mas a voz é dificilmente audível no momento", lê-se no jornal, tendo o autor alemão estado com o Papa emérito em Roma no sábado, para lhe apresentar a biografia.."A ideia de que o Papa Francisco estava à espera que Bento XVI morresse para resignar foi uma especulação que saiu nos EUA", lembra ao DN Aura Miguel, jornalista da Rádio Renascença que desde 1986 segue de perto a vida dos papas - primeiro João Paulo II, depois Bento XVI e agora Francisco, que cumprirá 84 anos em dezembro.."Pessoalmente não acredito que seja esse o critério. Com uma reforma da Igreja por diante... ele traçou um objetivo e enquanto tiver forças vai tentar fazer essa reforma", acrescentou a especialista. Uma reforma que está consciente de ser muito difícil - uma vez disse aos cardeais que "reformar a Cúria era como limpar a Esfinge do Egito com uma escova de dentes"..Também o padre Anselmo Borges, teólogo e colunista do DN, não acredita nessa especulação. "Uma coisa não tem nada que ver com a outra", disse ao DN, mostrando-se contudo convencido de que o Papa Francisco irá resignar "quando sentir que já não tem mais possibilidades, no sentido da saúde.".O tema já não é tabu, depois de Bento XVI ter tomado essa decisão em 2013 - o primeiro a fazê-lo em 600 anos. Mas, ao contrário do que fez o alemão, o teólogo não acredita que o argentino se irá designar como "Papa emérito" - "a expressão não se justifica, não tem base teológica. Do ponto de vista teológico, aquilo que se deve dizer é que o Papa, depois de renunciar, é bispo emérito de Roma". Foi como bispo de Roma que Francisco se apresentou à multidão após ser eleito a 13 de março de 2013, sendo que o bispo de Roma é, por inerência, Papa..Contudo, numa conferência de imprensa durante o voo de regresso da Coreia do Sul logo em 2014, falando da sua relação com Bento XVI, Francisco dizia acreditar que este tinha acabado por "institucionalizar" o cargo de Papa emérito. "Acho que um Papa emérito não deve ser a exceção", indicou, dizendo que foi um gesto "humilde e corajoso" do alemão de tomar a decisão e que um dia, se não se sentir preparado para continuar, fará o mesmo. "Bento XVI abriu uma porta que é institucional, não excecional", indicou..Aura Miguel lembrou que a situação de renúncia é imprevisível. "Também se me dissessem que Bento XVI ia resignar eu não acreditava, achava que estavam a inventar. Afinal resignou... A visão que eu tenho é que não é por ser incómodo haver dois papas eméritos se renunciasse agora, que Francisco vai resignar assim que Bento XVI morrer", explicou.."Não me parece que esteja à espera de resignar neste instante. Ele está ativo, continua a pegar no telefone e a ligar para pessoas, no outro dia ligou para a senhora cujo filho morreu atropelado, escreveu um prefácio de um livro do cardeal Walter Kasper [Comunhão e Esperança], vai haver nomeações em breve. Acho que não é homem de desistir", referiu, indicando contudo que Francisco tem andado "murcho" por falta do afeto humano por causa da pandemia de coronavírus, que obrigou ao isolamento..Em relação ao futuro após uma eventual resignação, Anselmo Borges acredita que Francisco tudo fará para sair do Vaticano. "Eu penso que será desejo intenso do Papa Francisco não ficar no Vaticano. É que esta permanência de Bento XVI no Vaticano acabou por trazer alguns problemas ao Papa Francisco e até ao próprio Bento XVI e à Igreja, porque havia um conjunto de cardeais que tentavam servir-se de Bento XVI para manifestar a sua oposição a Francisco", lembrou, indicando que o alemão acabava por ser manipulado mesmo sem querer..Ambos concordam que as mudanças empreendidas por Francisco estão para ficar. "Não é possível voltar atrás, porque o modo como Francisco se apresentou, o modo como ele quer que a Igreja avance, isso caiu bem na Igreja em geral, caiu bem na opinião pública, não haverá possibilidade de voltar atrás", disse o padre Anselmo Borges.."Não é possível voltar atrás da ideia da Igreja sinodal, todos a caminhar juntos e com Cristo. Não é possível voltar atrás em relação, mais tarde ou mais cedo, a terminar a lei do celibato obrigatório. Não é possível voltar atrás àquela pequena abertura do Papa Francisco ao designar, pelo menos, uma comissão para estudar a possibilidade do diaconato feminino. Não é possível voltar atrás em relação à presença das mulheres na Igreja, em igualdade com os homens", acrescentou.