Belenenses: como funciona o clube lisboeta em tempos de pandemia
Já não se ouve o chiar do calçado no chão encerado, o bater das bolas, os aplausos e gritos das bancadas, as braçadas na água. O pavilhão, o estádio e as piscinas estão fechadas. Desde 1 de abril são apenas seis os funcionários que permanecem no ativo, responsáveis pela segurança e manutenção das instalações. O cenário deve-se à covid-19, que obrigou o clube a suspender a atividade desportiva e a adotar um regime de lay-off praticamente total.
A incerteza já faz parte do dia-a-dia do Belenenses. "Não sabemos se a competição regressa ainda esta época ou se não vai haver pura e simplesmente, só voltando na próxima", confessa Patrick Morais de Carvalho, presidente do clube. "Há modalidades com que temos mais cuidados porque temos as equipas na 1.ª divisão nacional e objetivos [mais ambiciosos]". Mas todos os atletas têm indicações e planos "para se manterem ativos a partir de casa", garante.
Às sete da manhã já Carolina Silva está a correr na mata do Jamor. Em tempos de recolhimento domiciliário, é das poucas formas que tem de se aproximar das antigas rotinas de corrida. Embora a sorte de ter acesso a um espaço exterior onde treinar não seja partilhada por muitos, os planos de treino personalizados abrangem todos os atletas, atendendo ao espaço e aos equipamentos de treino disponíveis em casa, bem como às aptidões e limitações físicas de cada um. Alguns seguem à risca as direções dos fisiologistas e preparadores físicos, enquanto outros contam principalmente com o apoio de personal trainers.
"Tentamos replicar os dias de treino para manter a rotina", conta João Mirra, treinador de râguebi. Esta estratégia é seguida pela maioria, mas há exceções. Carolina, que integra a equipa sénior de atletismo, está a treinar mais três vezes que o habitual e Zé Maria Torres, jogador de basquetebol, não passa dos três treinos por semana, já que fora do pavilhão é difícil motivar-se ao ponto de fazer exercício diariamente.
A realidade é que a prática do desporto em isolamento raramente equivale à que se pode obter em campo. "Voleibol é difícil de jogar em casa, no máximo damos uns toques sozinhas com as bolas que temos", lamenta Ariana Oliveira, sénior da modalidade. Carolina, por sua vez, antecipa uma quebra na performance: "as condições não têm nada a ver, a motivação é outra". "É impossível treinar tão intensamente como no clube", acrescenta Zé Maria Torres.
O jogador de futebol Bernardo Ribolhos refere que em casa o foco é quase sempre o mesmo: "os exercícios são à base de cardio para não se perder a capacidade respiratória, se bem que continuam a existir exercícios de força para manter os níveis de musculatura necessários para quando recomeçar a competição".
"Estamos a treinar sem garantia que o campeonato irá continuar", revela o treinador de râguebi João Mirra. Ninguém espera competir em breve, mas todos desejam o fim dos campeonatos, mesmo que estes ocorram fora de época. "Não queremos ser campeões a partir da bancada", declara o treinador de 39 anos, que se preparava para levar a equipa a consolidar o primeiro lugar na 1.ª divisão do campeonato de râguebi.
Já o basquetebolista Zé Maria Torres salienta a justiça de se acabar a temporada. "Os campeonatos têm que acabar, nem que demore mais tempo. É importante é que isto seja feito de forma justa", afirma.
O contacto entre treinadores e atletas tem sido estabelecido principalmente através de telefonemas e das redes sociais, em chats de grupo. Assim se avalia os atletas e se cuida da sua saúde mental e física. No que toca ao cumprimento dos planos e frequências dos treinos, Bernardo, que também é treinador dos sub-13 de futebol, está dependente do feedback dos seus atletas e dos vídeos de treinos que vão enviando. "Temos de confiar [neles]", diz. Contudo, acredita que "a nível sénior há um controlo maior já que a exigência também o é".
E mesmo aí há diferenças. O basquetebolista Zé Maria Torres garante que não tem sido avaliado, mas que o apoio existe, se necessário. João Mirra avalia a assiduidade, "pois mais que isso não é possível", e até criou um grupo para falar com quem não tem cumprido tão rigorosamente os planos. "Tenho-lhes dado nas orelhas", admite. Os testemunhos variam, assim, entre uma organização mais autónoma, em regime de autogestão, e uma mais acompanhada pelos treinadores ou preparadores físicos.
Num panorama em que isolamento pode ser sinónimo de solidão, as redes sociais são aliadas. Este podia ser o mote atual do Belenenses, que tem usado centenas de publicações, desafios e grupos para se manter ativo. Se, por um lado, qualquer distração é uma rutura na rotina, por outro, devolve algum conforto aos adeptos cujo quotidiano se fazia de visitas ao estádio. Tunha, jogador de futsal, assegura que este "é um amor que se vai passando de geração em geração" e que se espelha nas caixas de comentários.
São aplicações como o WhatsApp, Instagram e Facebook que também têm permitido que os atletas mantenham o contacto e se incentivem mutuamente. "Partilhamos os treinos entre nós para motivar a malta", reconhece Diogo Domingos, capitão de andebol e apresentador do "15 minutos à Belém", um programa de entrevistas em direto no Instagram. No entanto, manter o espírito de equipa nestas condições pode ser complicado. Diogo garante que é como se estivessem "no clube a treinar todos os dias", mas Bernardo considera que os benefícios das redes não equivalem àqueles permitidos pelo contacto direto.
Apesar de tudo, todos os Belenenses concordam que a pandemia atual veio reforçar a união e a comunicação entre membros do clube, desde dirigentes a adeptos. Perante a necessidade de criar alternativas, a solidariedade também não tardou a chegar: o clube já disponibilizou espaços para eventual apoio a hospitais e o plantel de futebol doou parte do salário para aquisição de material médico.
Cada vez mais, os atletas sentem saudades das palhaçadas de balneário, das corridas na rua à hora de ponta, dos treinos em que o suor pinga o chão, das provas onde cada um dá o seu melhor. Mas as equipas do Belenenses sentem-se presas. "Nunca nenhum de nós pensou ver a sua liberdade interrompida por uns pequenos metros quadrados", admite Zé Maria Torres. No fundo, estes atletas anseiam por aquilo que nos foi retirado a todos: uma vida segura em liberdade.