A 17 de julho de 2000, pouco mais de um mês depois da morte do pai Hafez, que era presidente desde 1971, e dias após ser aprovada a nova Constituição que baixava a idade mínima legal para ser chefe do Estado dos 40 para os 34 anos, Bashar al-Assad assumiu o poder na Síria. Vinte anos depois, mantém esse poder, apesar de quase uma década de guerra civil, num país em crise por causa do conflito -- que já matou mais de meio milhão de pessoas e obrigou muitas mais a fugir -- e das sanções económicas internacionais..No seu discurso inaugural, o oftalmologista tornado herdeiro político pela morte do irmão mais velho falou da necessidade de um "pensamento criativo", de "transparência" e "democracia". Contudo, lembrou a Human Rigths Watch há uma década, "o período de tolerância que se seguiu à sua ascensão ao poder foi de curta duração e as prisões sírias voltaram a encher-se rapidamente com prisioneiros políticos, jornalistas e ativistas dos direitos humanos"..Isto ainda antes de, em 2011, no rescaldo da Primavera Árabe, os protestos terem irrompido na cidade de Deraa contra a detenção e tortura de uns jovens que tinham pintado slogans revolucionários. A repressão violenta que se seguiu, com a morte de vários manifestantes, tornou os protestos nacionais, resultado em ainda mais repressão que descambou em guerra civil..O regime chegou a controlar apenas 25% do país, mas o apoio dos aliados -- nomeadamente da aviação russa, mas também do Irão -- permitiram começar a dar a volta à situação a partir de setembro de 2015. Outros atores internacionais também têm interesse na Síria, com a Turquia a aproveitar o facto de os EUA terem deixado sozinhos os aliados curdos (que tinham ajudado na luta contra o Estado Islâmico) para uma incursão contra o que consideram uma organização terrorista. Na prática, o país tornou-se palco de guerras por procuração..Os rebeldes controlam uma parte do noroeste do país, assim como uma região a sul, mas é dentro do regime que a crise económica -- com a inflação a subir e a moeda a cair no mercado negro -- deixa antever fraturas, com problemas dentro da própria família Assad. Em causa o seu primo, Rami Makhlouf, o homem mais rico do país, que denunciou publicamente o presidente e cujos bens foram apreendidos pelo regime no mês passado..O oftalmologista que se tornou herdeiro.Hafez al-Assad, nomeado comandante da Força Aérea Síria após o golpe de 1963 que marcou o início do regime baathista e ministro da Defesa após o de 1966, chegou ao poder noutro golpe, em 1971. Governou durante três décadas, num regime centrado na sua figura, sendo considerado o arquiteto da Síria moderna..O primeiro possível sucessor era o seu irmão, Rifaat, mas este acabaria expulso do país por alegadamente ter tentado aproveitar quando Hafez esteve em coma para usurpar o poder. Exilado desde então, foi condenado recentemente a quatro anos de prisão em França por lavagem de dinheiro..Na linha de sucessão, aparecia então o filho mais velho do presidente: Bassel. Mas este morreu num acidente de carro em 1994, colocando Bashar debaixo dos holofotes..A estudar oftalmologia em Londres (onde conheceu a futura mulher, Asma) e sem parecer ter qualquer interesse político, Bashar tornou-se no herdeiro do pai, regressando à Síria e entrando na academia militar de Homs..Hafez morreu a 10 de junho de 2000, vítima de ataque cardíaco aos 69 anos. Bashar tinha então apenas 34 anos, tendo sido preciso uma emenda à Constituição para que pudesse ser presidente (a idade mínima era até então os 40 anos)..Com uma aura de "modernidade, juventude e abertura", muitos pensaram que poderia ser um reformador que iria permitir a liberalização da economia e uma abertura ao Ocidente. O ativismo e o debate político voltaram a aparecer no país..Em setembro de 2000, uma centena de intelectuais apelaram a uma reforma que permitisse levantar o estado de emergência, devolvesse o pluralismo político e outras liberdades, mas rapidamente ficou claro que Assad não era o modernizador que estavam à espera e no verão de 2001 os opositores já estavam a ser perseguidos. A abertura económica também foi uma ilusão, com a riqueza a ficar nas mãos dos próximos do regime..A situação só piorou após a Primavera Árabe de 2011 e a guerra civil..Votar num país em guerra.Quase uma década de guerra não impediu a Síria de ir a votos em 2012 e 2016 e voltar agora às urnas. Isto apesar de as Nações Unidas não reconhecerem os resultados, defendendo a implementação da resolução 2554 do Conselho de Segurança, aprovada em 2015, que apela a uma reforma constitucional que possa abrir caminho a eleições parlamentares, mas também presidenciais, com a supervisão da ONU..As eleições parlamentares vão eleger os membros da Assembleia Popular Síria, havendo mais de 1600 candidatos para os 250 lugares -- incluindo empresários que são alvo de sanções internacionais. Além do partido Baath, de Assad, outros pequenos partidos concorrem às eleições, mas todos dentro da Frente Nacional Progressista criada pelo seu pai Hafez em 1972 e controlada pelos baathistas..Inicialmente previstas para abril, as eleições foram primeiro adiadas para maio e finalmente para este domingo, 19 de julho, por causa da pandemia de coronavírus -- oficialmente há menos de 500 casos e 22 mortos..Mais de sete mil centros de votação estarão abertos, com as eleições a decorrer nas áreas controladas pelo regime (cerca de 70% do país), mas também em áreas onde existe algum controlo governamental, como Idlib ou Raqqa..No mês passado, em plena crise económica, Assad demitiu o primeiro-ministro Imad Khamis, que estava no cargo desde 2016, sem dar razões para tal. Para o lugar de chefe do governo interino, até às eleições, o presidente nomeou o então ministro dos Recursos Hidrológicos, Hussein Arnous..O favorito para assumir o cargo depois do escutínio é, segundo os media sírios, o ex-governador de Homs, Talal Barazi, que em maio foi nomeado ministro do Comércio Local e da Proteção dos Consumidores..O desafio será fazer frente à crise económica, intensificada pelas sanções internacionais contra o regime. 80% dos sírios vivem abaixo do limite da pobreza e, em junho, voltaram a sair à rua para protestar contra o governo. Outros saíram à rua em defesa do presidente, criticando as sanções internacionais.