Bárbara Zorrilla é psicóloga especialista em psicologia clínica. Conta com uma longa experiência no atendimento de mulheres que sofrem as consequências da violência de género em todas as suas formas. Recentemente recebeu o Prémio da Comunicação 2019 da Ordem dos Psicólogos de Madrid pelo seu trabalho e pela sua colaboração com os media..Desde o mediático caso da violação de uma rapariga por um grupo de jovens durante as festas de San Fermín, em Pamplona, Navarra, em 2016, que ficou conhecido como o caso da Manada, são muitas as violações em grupo que têm vindo a ser denunciadas. Desde esse ano de 2016 houve vários casos, o último mais mediático em Bilbau, País Basco, quando na noite de 1 de agosto seis homens violaram uma jovem de 18 anos. Segundo os dados recolhidos pelo projeto Geoviolencia Sexual, impulsionado pelo Feminicidio.net, houve em Espanha 18 agressões sexuais coletivas em 2016, 14 em 2017, 59 em 2018 e em 2019 o número já vai em 37..As estatísticas destes casos falam da participação total de 440 agressores, 112 deles menores de idade, um em cada quatro. Em quase 40% deste tipo de violações em grupo a vítima era menor de idade. Estamos perante uma nova moda? O que está a acontecer em Espanha? A psicóloga Bárbara Zorrilla explica ao DN o comportamento dos jovens que realizam estas agressões sexuais. Para eles, refere, é tudo considerado normal..O que está a acontecer com as violações em grupo em Espanha. É uma moda? Estão a acontecer duas coisas. Por um lado, há um aumento de casos, ainda que não existam estatísticas oficiais. Mas, sobretudo, denunciam-se mais e os casos são mais visíveis. Porque acontece isto? Por outro, o facto de ser um tema mediático e estar na mesa de debate dos políticos por ser um problema estrutural, juntamente com os movimentos feministas que saem à rua para apoiar as vítimas, faz que as mulheres possam dar um passo no sentido de romper o silêncio. Podem denunciar ou não, mas pelo menos comparecem nalgum dos serviços de apoio..Quais são os motivos para não pedir ajuda e denunciar a violação? Tenho muitos anos de experiência a receber vítimas de violência sexual e há várias razões pelas quais as mulheres não denunciam isto. O que vivem é um trauma que desestrutura, é muito difícil de contar. Mas vivemos numa sociedade em que se responsabiliza as mulheres por despertarem os instintos sexuais dos homens. Todas as campanhas para evitar violações falam de nos protegermos, de não andarmos sozinhas, quando deveriam estar dirigidas aos homens para que não violem. As mulheres, depois de sofrerem uma agressão, sentem vergonha e até pensam ser responsáveis pelo que não são. Ficam, por isso, caladas. Quando ouvem os profissionais, que dizem que ninguém tem por que pô-las em causa, que são vítimas de um delito, isso faz que queiram denunciá-lo..A violação é também uma forma de violência de género? Na lei integral de Espanha 1/2004 não, porque só se considera violência de género a exercida pelo companheiro ou ex-companheiro. Mas à luz da Convenção de Istambul, a que Espanha aderiu em 2014, sim, é considerado como tal..Espanha tem estatísticas elevadas de violência de género. Está tudo relacionado? A raiz é a mesma, a desigualdade e a educação diferenciada que se dá aos rapazes e às raparigas. Às miúdas ensinam-nas a ser meigas, ser atraentes e a eles a ser valentes, fortes, competitivos. Isto constrói identidade e a forma de viver o afeto. E depois a única educação sexual que existe é para evitar a gravidez não desejada, do ponto de vista fisiológico, mas não há nada sobre os afetos, sobre o sexo como intimidade, como forma de comunicação. Na ausência disto, como aprendem os miúdos? Através da pornografia na internet. E é uma pornografia violenta, machista e é a referência que muitos jovens têm sobre o que é uma relação normal. Podem ver nestes vídeos que as mulheres são dominadas à força, que assim sentem prazer e que primeiro dizem que não mas, sim, querem fazê-lo. E acabam por fazer isso na vida real..É muito diferente o perfil dos violadores em grupo dos violadores solitários? A maioria das violações não se produzem por desconhecidos. 70% dos violadores são do ambiente da vítima. Pode ser qualquer pessoa. E normalmente o que vemos nas violações coletivas é que são adolescentes ou jovens. Nestas idades há uns rasgos distintos como são a efusividade, a necessidade de aprovação por parte do grupo, a necessidade de ser aceite, pouca consciência do risco, sensação de invulnerabilidade. E tudo isso são ingredientes que aumentam a perigosidade da conduta. Um rapaz é inseguro, está a criar a sua identidade, os seus valores, a aprender o que está mal ou bem. E aprende não só da família mas também do seu grupo de iguais. Precisa de se sentir aceite..Estas ações são, normalmente, planeadas? Se calhar não são, no momento exato, mas é algo que está na sua fantasia coletiva, é algo do qual já falam entre eles. O primeiro passo para fazer uma coisa é desejá-la..Há muita reincidência? Como muitas vítimas não denunciam, a possibilidade de reincidência multiplica-se..O que falta para que exista uma boa educação sexual? Educação sexual mas também educação em igualdade. Que não existam as mensagens diferenciadoras, que cada pessoa possa construir o seu modelo de homem ou mulher sem ter de ser o modelo hegemónico. E também falta educação em inteligência emocional. Aprender a identificar as emoções e geri-las. Que esta educação seja transversal. Eu estou muito com os jovens, no liceu, mas uma conversa isolada com alguém que não conhecem acaba por não servir. Se fossem os seus professores e as famílias a educar, no dia-a-dia, isso ficaria neles..Que papel estão a ter também aqui as redes sociais? A pornografia sempre existiu, o problema está agora no seu fácil aceso por rapazes que estão a aprender e não sabem diferenciar o bom do mau. Os jovens comunicam e interagem através das redes sociais e é um meio através do qual exibem a violência. Ter a aprovação do outro é fundamental. Vivemos numa sociedade em que a autoestima das pessoas depende do número de likes. Isto é muito grave..Porque é que os atacantes, além de violar, difundem o que fazem? Pela sensação de controlo, de domínio, a aceitação do seu grupo. É poder. A violência sexual, assim como a violência contra o companheiro, é uma forma de poder. Por isso é muito importante chamar as coisas pelo nome. Eu não falo da Manada mas sim de grupos de violadores, porque a linguagem é fundamental na terapia para fazer uma correta atribuição de responsabilidade..Isto será cada vez pior se não se tomar medidas? Sim. Estão a acontecer violações e depois, muitas vezes, as sanções não são proporcionais. Isto cria nos agressores uma sensação de impunidade. Não é preciso endurecer as penas, não é a solução, é preciso sim que os juízes adotem uma perspetiva de género. Encontro mulheres ridicularizadas, uma e outra vez, durante o processo judicial, a ser postas em causa. Os juízes devem ter formação. Pelo pacto de Estado isto vai começar a ser assim. Não podemos esquecer que, no caso da Manada de San Fermín, um setor da população apoiava os jovens, independentemente do que tinha dito o tribunal. E isso é intolerável. Deve existir também uma condenação social rotunda. Independentemente de partidos, de género e de status social. É preciso que todos rejeitem este tipo de comportamentos. O caso da Manada foi um despertar, serviu para sensibilizar a sociedade espanhola para o problema. Mas, quando todos os dias há casos de violência de género ou de violência sexual, acabas por te acostumar....As mulheres conseguem superar uma violação? Sim, podem, mas precisam de apoio profissional. Precisam do seu espaço, elaborar o trauma e retomar o contacto com a vida quotidiana.