Captar investimento, formar e deixar as empresas trabalhar são prioridades

Não podemos perder a oportunidade dos fundos europeus é a certeza que atravessa painel de 16 banqueiros, empresários, gestores e representantes dos mais relevantes setores de atividade, que apontam o peso do Estado, a instabilidade legislativa e a elevada e imprevisível carga fiscal como riscos na recuperação.
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A cerca de um mês da apresentação do Orçamento do Estado para 2022 (OE2022), entre as restrições da pandemia que continuam a manter boa parte da economia de mãos atadas e a bazuca pronta a disparar, o primeiro-ministro anunciou nesta semana que um terço dos fundos europeus já está adjudicado. "Superámos já os 5 mil milhões de euros de verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) contratados, seja com beneficiários finais seja com intermédios, como a Região Autónoma dos Açores; um terço do PRR já está devidamente contratualizado", revelou António Costa, considerando "bom sinal" da "mobilização coletiva para a execução" do envelope de 16,6 mil milhões (14 mil milhões dos quais a fundo perdido) para reavivar a economia.

Mas a recuperação não são favas contadas e há riscos que é preciso evitar, sob pena de perdermos o comboio europeu dos fundos e desperdiçarmos uma oportunidade única para o país ascender a níveis de crescimento e produtividade que lhe garantam competitividade num mundo global. "Não podemos perder esta oportunidade" é a certeza que têm empresários e gestores, banqueiros e líderes associativos, vozes de setores que vão da banca à cultura, do turismo à distribuição, passando pelas telecomunicações e gestão dos portos. Excesso de Estado e burocracia, instabilidade legislativa e fiscal, falta de foco nas empresas e urgência de criar condições para atrair investimento são os fatores mais focados pelo painel de 16 líderes da sociedade portuguesa como empecilhos ao desenvolvimento. E apontam caminhos de crescimento que passam pela necessidade de capitalizar as empresas, de formar recursos humanos para a transformação em curso, pela digitalização e inovação, mas sobretudo por um clima de negócios amigo do investimento.

O "crescimento recorde" de 15,5% conseguido no segundo trimestre revela-se pífio face a um homólogo de queda sem precedentes na atividade económica. E os desafios que Portugal tem pela frente para descolar, modernizar-se e voltar a exportar com vigor são imensos. A bazuca - e a forma como o OE a interpretará e distribuirá - será determinante para o nosso sucesso ou falhanço, assumem os líderes ouvidos pelo Dinheiro Vivo.

"É prioritário assegurar um ambiente económico - ao nível fiscal, regulatório e da justiça - propício ao desenvolvimento das empresas", defende Miguel Maya, presidente do BCP, que destaca a importância de criar condições para atrair, desenvolver e fixar talento em Portugal. "Não se preocupem tanto com os nómadas digitais e mais com um enquadramento competitivo para que as pessoas com essas competências se sintam atraídas por Portugal", pede o banqueiro, que aponta como fundamental a capacidade de gerar competências em "áreas críticas para o sucesso num mundo cada vez mais global e digital (IA; robótica; data science; segurança informática; tecnologias para a descarbonização e dessalinização), em complemento com áreas em que já temos excelentes escolas; bem como assegurar que os incentivos públicos promovem e premeiam comportamentos alinhados com o interesse da sociedade" e que se investe na "melhoria da governance, com mais transparência e eficiência".

"Há que pôr o país numa trajetória clara de crescimento sustentado, aproveitando ao máximo os fundos europeus para suportar uma economia com empresas rentáveis e criação de emprego", defende o CEO do Santander Portugal, Pedro Castro e Almeida. Para que o pós-pandemia traga recuperação, há que traçar objetivos e um deles é a transformação do tecido produtivo para "uma economia geradora de alto valor acrescentado e produtividade, em detrimento do modelo industrial de baixos salários e valor". Pelo que os fundos devem ser canalizados para requalificar trabalhadores e aprofundar a transformação digital.

São urgências apontadas também por António Saraiva. Para o presidente da CIP, as empresas têm de apostar em "recursos humanos com as competências necessárias para se modernizarem e responderem ao desafio da transformação digital e tecnológica", o que exige um processo de "qualificação e requalificação da força de trabalho", com reforço da formação ao longo a vida.

Se o foco nas pessoas é tema que gera unanimidade, também a necessidade de reequilibrar balanços é vista como essencial. O líder dos patrões sugere que se dote as empresas de instrumentos que as tornem "capazes de investir e impulsionar a recuperação e melhorar capacidade competitiva", o que passa por "pôr no terreno instrumentos de natureza financeira e fiscal" que contribuam para reforçar capital.

Uma visão partilhada pelo CEO da NOS. Para Miguel Almeida, a grande prioridade para o país e para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos tem de ser "assegurar que os atores económicos têm condições para investir, inovar e melhorar a sua competitividade nos mercados internacionais, gerando emprego qualificado e crescimento". Ao Estado cabe assegurar ambiente propício ao desenvolvimento das atividades económicas, "garantindo estabilidade legislativa e fiscal e um sistema judicial funcional".

"Não é possível assegurar uma resposta social robusta e duradoura se não apoiarmos os maiores criadores de riqueza e de emprego, as empresas", resume Luís Miguel Ribeiro. O presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP) apela por isso ao apoio à iniciativa privada num OE2022 que inclua "diretrizes e medidas específicas nesta direção". É urgente "colocar as empresas no centro da recuperação e do desenvolvimento económico e social", garantir a capacidade de execução dos fundos europeus de forma "descomplicada, célere, transparente e eficaz", sob pena de se comprometer "o principal objetivo para a década: recuperar e crescer de forma sustentável, acima dos concorrentes diretos", sugere o líder da AEP.

"São as empresas que criam verdadeiramente riqueza para o país. O apoio ao tecido empresarial deveria ser mais significativo", concorda Alexandre Fonseca, que recorda a prioridade à digitalização de empresas e sociedade e ao apoio à educação. "É fundamental criar programas e estratégias que impulsionem a competitividade digital e económica; um ambiente regulatório colaborativo para a criação de valor e o desenvolvimento de redes e serviços digitais; e também parcerias entre público e privado para o bom investimento dos fundos comunitários e combater a iliteracia digital", elenca o CEO da Altice Portugal.

Pedro Castro e Almeida reforça a ideia: é momento de "tirar partido do processo de relocalização, aproveitando clusters nos setores com maior relação com a universidade", um esforço que, conjugado com a digitalização, dará origem a "uma indústria mais orientada para serviços, mais verde, com valor acrescentado e mais resiliente a crises".

Caminho semelhante indica o presidente da Associação Comercial do Porto (ACL), que considera imprescindível centrar as prioridades do país "na área produtiva, indústrias transformadoras e setores exportadores". Para Nuno Botelho, "devia ser obrigatório alinhar o enorme caudal de fundos europeus com o Portugal que produz, acrescenta valor e gera riqueza: que cria emprego qualificado". O empresário lamenta a falta de ambição do PRR português, apontando as diferenças para o país vizinho: "A bazuca espanhola chama-se PRTR, e este T faz toda a diferença, é um T de Transformação; nós, por opção do governo e seus pares, não transformamos nada. Vamos receber e gastar 16 mil milhões que deixarão o país razoavelmente igual, mais atrasado face à Europa ao mundo."

"O Estado entende que aplicando as medidas de sempre terá resultados diferentes, paradigma que a realidade se tem sistematicamente encarregado de contraditar", concorda Miguel Almeida. Sendo as empresas o garante da criação de riqueza e cabendo ao Estado a sua redistribuição, o CEO da NOS lamenta a "tentação de estatização e controlo da economia que tem contribuído para o empobrecimento progressivo e que nos põe já entre os mais pobres da União Europeia". E não vê no PRR, "orientado para os gastos do próprio Estado", uma via para resultados diferentes.

A máquina pública com as suas gorduras e ineficiências é preocupação consensual, obstáculo identificado por todos os setores ao crescimento também enquanto ator principal da aplicação dos fundos. "A importância do investimento público neste pacote, coloca sérias dúvidas de que o poder político mantenha restrições a investimentos sem criação de valor futuro", considera António Ramalho. "Garantir que a decisão pública não tem desvios é raro, mas assegurar um retorno social marginalmente compensador é ainda mais importante de tão raro e difícil que é. É um risco sistémico deste modelo" de PRR, diz o presidente do Novo Banco.

Para Nuno Botelho, é essencial evitar a todo o custo que Portugal se mantenha no caminho que tomou desde a saída da troika, "um país que alimenta clientelas, promove ineficácia e desperdício e todos os dias engorda o Estado". Portugal voltou a ter, neste ano, mais de 700 mil funcionários públicos, um recorde que não se traduz em mais qualidade e cobertura dos serviços. "Não há saúde em condições no Algarve, não há educação decente no interior, não há rotas aéreas ao serviço do turismo. Temos um país de funcionários, viciado em fundos, redundâncias atrozes e gorduras chocantes. Se não mudarmos este paradigma, a bazuca não fará milagres."

Também António Saraiva teme que os recursos colocados à nossa disposição não se revertam em transformação da economia que abra um ciclo de desenvolvimento sustentado. "Há risco de serem absorvidos para financiar despesa pública corrente e investimento sem capacidade reprodutiva, de serem submetidos a políticas de contorno excessivamente discricionário."

É por isso que o CEO do BPI defende a necessidade de "criar as melhores condições possíveis, nos planos económico, social e político, para acelerar ao máximo o processo de recuperação e crescimento em curso, com apoios muito seletivos para os setores mais atingidos pela pandemia e um grande esforço de execução dos programas de investimento anunciados, com ou sem financiamento europeu". Para João Pedro Oliveira e Costa, a primeira prioridade é "acompanhar e apoiar caso a caso os clientes na recuperação" e que o país não arraste "a definição de soluções para problemas evidentes e crie obstáculos desnecessários à capacidade de iniciativa das empresas e do próprio Estado".

Reduzir burocracia e custos de contexto são passos fundamentais para o CEO do Santander, que defende a aceleração da transformação digital da Administração Pública e "melhor funcionamento do sistema judicial", para atrair investimento estrangeiro. Castro e Almeida destaca a necessidade de assegurar a eficiente alocação dos fundos aos setores e empresas com maior potencial de crescimento, que assegurem o efeito multiplicador do investimento - evitando alocação excessiva ao setor público e a setores de não transacionáveis como via fundamental para garantir que esta "oportunidade única, em que todos os países da UE têm acesso a fundos e os vão utilizar para transformar as suas economias, terá execução perfeita, que se materialize em maior eficiência e produtividade, em bases de crescimento sustentado do emprego e geração de riqueza". Sem esse farol, corremos o risco de "agravar mais ainda o atraso estrutural da economia portuguesa".

A urgência de "pôr no terreno instrumentos de capitalização das empresas há muito prometidos; ajustar procedimentos e funcionamento das estruturas à realidade das empresas e suas necessidades; associar investimentos previstos às reformas que propiciem um ambiente de negócios mais favorável ao relançamento industrial e à competitividade - travando sucessivas novas obrigações legais e aliviando custos de contexto; e inverter a tendência de aumento da carga fiscal" são soluções apontadas por António Saraiva para assegurar a recuperação.

Apoiar a capitalização, o crescimento e a internacionalização das empresas são caminhos apontados também pela generalidade dos líderes escutados. E isso deve ser complementado com medidas que potenciem exportações, defende Diogo Marecos, presidente da gestora dos portos nacionais. "A globalização exige que consigamos concorrer quer na zona euro quer fora do bloco europeu, com preços concorrenciais e qualidade nos produtos e serviços que exportamos. Para tal, necessitamos de modernizar a indústria portuguesa e atrair alguma que se moveu para Oriente", diz o CEO ibérico da YilPort. "As iminentes ruturas e dependência logística nos mercados asiáticos que a covid expôs criaram uma oportunidade para Portugal, de atração industrial. Temos de ser capazes de atrair capital estrangeiro, pessoas e organizações que aqui invistam, tragam prosperidade, inovação e emprego."

Corrigir assimetrias que revelaram poder comprometer o abastecimento europeu e retomar a confiança de empresas e cidadãos - essencial para gerar consumo - e por força de ambos potenciar a movimentação de mercadorias são outras prioridades de Diogo Marecos. "A ambicionada transformação estrutural do país só será alcançável com forte intervenção das empresas", devendo convergir para estas as escolhas das políticas públicas, concorda o líder da AEP. "Seria um perigo perder esta oportunidade."

A boa aplicação dos fundos é também destacada pelo presidente da Associação Portuguesa de Bancos. "Acima de tudo, temos de evitar repetir a utilização pouco produtiva dos fundos extraordinários à disposição do país - de que resultou a terceira mais baixa eficiência do investimento de toda a UE nos últimos 20 anos, muito provavelmente insuficiente para cobrir sequer o custo do capital", lembra Vítor Bento. Para o economista, este é o momento de o país apostar tudo para conseguir "a rápida convergência com os níveis de rendimento dos mais afluentes da União". E a banca tem aí um papel: "Cabe-lhe assegurar a rentabilidade necessária à sustentabilidade da sua atividade, o que depende da capacidade de a gestão concretizar em tempo útil as transformações necessárias no modelo de negócio, de forma a responder às mudanças do contexto e aos desafios dos setores tecnológicos; mas também da disponibilidade dos reguladores nacionais para remover os obstáculo por si introduzidos e que desnivelam a capacidade concorrencial da banca no país."

No campo das prioridades para o setor, António Ramalho destaca três: fazer do digital uma experiência de conveniência, com simplificação de processos e resposta rápida; adotar a sustentabilidade como modelo de gestão e tornar o custo numa ferramenta de marketing. "O ambiente de taxa de juros e diabolização das comissões impõem resposta exigente e diferente. O custo é o melhor argumento para convencer clientes, dando-lhes mais com menor fatura", explica o banqueiro, para quem é fundamental manter o foco nos objetivos da transição digital e da sustentabilidade. "Temos de evitar dispersão de prioridades, para fugir ao perigo real de trocar as prioridades futuras pela resolução dos problemas imediatos."

Essa é também uma preocupação de Miguel Maya: que se aplique os fundos em projetos "que se reflitam em prosperidade e bem-estar no futuro, em lugar de serem simplesmente gastos para resolver reclamações do presente".

"A bazuca europeia, traduz-se em investimento público e não contém programas especificamente direcionados para empresas do turismo", lamenta Ana Jacinto, lembrando que para compensar isso foi criado o plano para a Atividade Turística - Reativar o Turismo, Construir o Futuro. "É preciso garantir que chega efetivamente e depressa às empresas", frisa a secretária-geral da AHRESP, numa realidade que ainda não é pós-pandémica. "Muitos empresários continuam com dificuldades financeiras e quebras de faturação significativas; a retoma decorre a diferentes ritmos e o negócio ainda não se situa nos níveis pré-pandemia, acumulando ano e meio de prejuízos que demorarão largos meses (ou anos!) a recuperar." É por isso que o setor defende "que o governo tenha presente a necessidade dos apoios até que a atividade turística esteja normalizada".

Visão semelhante tem o setor cultural e dos eventos, que reclama forte ajuda ao setor privado, mesmo porque, defende o promotor de espetáculos Álvaro Covões, as políticas públicas da área são insuficientes face à "oferta necessária para satisfazer as populações". Se o setor privado representa "80% das vendas de bilhetes" e "a quebra de vendas destes promotores em 2020, foi de 78%", há "sério risco de colapso" de todo o ecossistema cultural. "E a bazuca europeia não prevê um euro de investimento no setor privado da cultura", lamenta adivinhando o pior, se o OE2022 não o corrigir, já que, "apesar da resiliência, o setor pouco ou nada tem conseguido trabalhar nos últimos 19 meses."

Para a AHRESP, é essencial que o OE2022 comporte medidas como a redução temporária do IVA nos serviços de alimentação e bebidas, para "reforçar a tesouraria das empresas, travar desemprego e encerramento de milhares de negócios, potenciando a sua recapitalização". A carga fiscal e a elevada tributação sobre as empresas são fatores apontados por Ana Jacinto como redutores da competitividade identificando ser urgente maior eficiência e justiça fiscal, estabilidade e previsibilidade fiscais, fatores que hoje condicionam o investimento.

A isto, Covões acrescenta que não pode haver investimento na modernização de equipamentos públicos deixando de fora os privados "onde acontecem os grandes eventos fundamentais à economia nacional e que têm tido incrível peso na consolidação do destino Portugal". "Têm sido os privados a desenvolver e a produzir esses conteúdos, que vão ser ainda mais essenciais para a guerra que se avizinha na conquista de quotas de turistas", diz, juntando ao leque eventos corporativos e congressos.

"O PRR está aprovado e foi decidido, concorde-se ou não com as linhas de orientação, por quem tinha legitimidade para o fazer", lembra o CEO do BCP. Agora é tempo de "executar o plano com rigor e transparência", avaliação permanente e exigindo aos governantes "sabedoria e humildade para reconhecerem eventuais erros" e corrigi-los. "E já agora, que essa exigência seja protagonizada pela sociedade civil junto do governo e da oposição, num exercício de cidadania consistente com a ambição que a sociedade deve ter para a transformação económica e social que advirá dos investimentos a realizar com as verbas do PRR", sublinha Miguel Maya, reconhecendo que as prioridades para o setor bancário têm de estar "alinhadas com as do país". Para o banqueiro, é essencial que a redistribuição da prosperidade se foque naqueles que "efetivamente necessitam de apoio", combater a evasão fiscal e promover "uma cultura que premeie com orgulho o sucesso dos que se destacam na criação de valor para a sociedade".

Se híper e supermercados até têm vivido a pandemia com bons resultados - a área de venda cresceu 4,1% no ano passado e o número de lojas subiu na mesma proporção -, o setor não passa ao lado das preocupações sobre o que há de vir. Na conferência da Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição (APED), Cláudia Azevedo, CEO da Sonae, lamentava um PRR que era mais "uma lista de despesas, do que uma ambição para o país", destacando a importância da educação para crescer e captar valor acrescentado. Opinião partilhada pelo dono do CEO da Jerónimo Martins, Pedro Soares dos Santos, que apontava a carga fiscal como um dos maiores obstáculos à competitividade. As preocupações são partilhadas pelo líder da APED. Gonçalo Lobo Xavier prevê que ao OE2022, a 11 de outubro, vamos "assistir a negociações à esquerda para viabilizar um documento fundamental para a estabilidade política e fiscal, que este ano assume particular relevância num contexto de pós-pandemia". E lamenta que a negociação seja excessivamente marcada por ideologia, "com cedências que muitas vezes contrariam os princípios da economia de mercado em que vive a UE e alguns partidos a revelar enorme desconhecimento da realidade e do impacto da pandemia nas empresas e nos trabalhadores". Aponta por isso a relevância de "estabilidade na legislação laboral" e medidas capazes de reforçar a capacidade de financiamento. "O nosso futuro depende, em grande medida, da vitalidade das empresas", sublinha.

Se a transição digital tem pasta governamental e papel principal no PRR, o setor das telecom aponta graves fragilidades à capacidade de o país apanhar o comboio desta mudança fundamental ao desenvolvimento no pós-pandemia. Para o secretário-geral da Apritel, que reúne as operadoras, a alocação "indevida, inconsequente ou não atempada dos fundos europeus" é dos maiores riscos no horizonte, com consequências ao nível do "não cumprimento dos objetivos da transição digital, coesão territorial e social e de metas que nos permitam concorrer com a Europa e o mundo". E há risco, antecipa Pedro Mota Soares, de "desinteresse ou impossibilidade de garantir investimento no país e no setor, principalmente por causa do contexto regulatório". Equilibrar fundos entre público e privado e alocar investimento do Estado ao desenvolvimento de infraestruturas de comunicações "que permitam a total cobertura de populações e tecido empresarial nacional com redes de elevada capacidade para que as empresas retirem todo o potencial tecnológico do 5G" são prioridades, a par da formação e promoção da literacia digital e da modernização administrativa do país, com parques tecnológicos e infraestruturas como portos, transportes, centros logísticos e outros com 5G.

Preparar a recuperação implica também assegurar "contexto legislativo e regulatório estável, previsível, protetor do investimento e reconhecedor do valor do setor das comunicações para o país, que deixe o mercado funcionar e a concorrência desenvolver-se", defende o secretário-geral da Apritel. "A forma como está a ser conduzido o dossier do 5G, um dos mais importantes para o futuro e a competitividade, é dos grandes perigos para setor e país", resume Alexandre Fonseca, que diz haver já "consequências irreversíveis a nível económico, social e tecnológico, representando um enorme retrocesso na competitividade e sustentabilidade". "O país sempre foi líder na introdução de novas tecnologias e na massificação dos serviços mais avançados; é uma infelicidade que após décadas a fazer bem se tenha desaprendido e o Estado tenha apostado em alegadas soluções para problemas inexistentes, condenando o país e a sua competitividade por muitos anos", concorda Miguel Almeida.

"Uma regulação previsível, racional e dialogante, associada a incentivos que ajudem a promover a coesão social e territorial e eliminem encargos excessivos e injustificados ao setor, bem como um conjunto de programas e políticas que potenciem um ecossistema de inovação e empreendedorismo para acelerar a digitalização" é também o que pede Mário Vaz. O CEO da Vodafone sublinha a urgência de "alterar radicalmente a forma de atuar do regulador", num contexto em que toda a Europa está a aplicar fundos de recuperação.

"Estaremos a competir no mesmo momento por objetivos idênticos, com um elevado número de países e economias de maior potencial. É essencial sermos capazes de convencer os nossos acionistas da bondade e rentabilidade do investimento em Portugal. Criar e consolidar adequados níveis de confiança para investir no setor é uma prioridade absoluta", resume Mário Vaz.

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