Balanço da Justiça. Os números que deixam satisfeita Francisca Van Dunem

A ministra da Justiça reconhece que ainda há muito por fazer, mas os números demonstram que, devagarinho, o sistema de judicial até vai melhorando. No combate à corrupção, Van Dunem assumiu algum desapontamento pelo facto de as propostas do governo não terem sido todas aprovadas no parlamento - com destaque para aquelas que motivariam, no seu entender, uma maior colaboração com a justiça
Publicado a
Atualizado a

A pouco mais de dois meses das eleições legislativas antecipadas, em jeito de prestação de contas, a ministra da Justiça chamou os jornalistas para lhes distribuir um relatório sobre o "estado da arte" do sistema judicial em Portugal.

Para Francisca Van Dunem "a perceção que existe de que a justiça em Portugal não funciona e é lenta é contrariada pelos números" e, foi a preocupação de contrariar esse sentimento que a levou "pela primeira vez" a divulgar este documento que até aqui era apenas utilizado para "avaliação interna".

Balanço à parte, a Ministra não deixou de lamentar que a Assembleia da República não tivesse aprovado o pacote completo de alterações ao código penal que o governo tinha proposto no âmbito da Estratégia de combate à corrupção, designadamente em relação a motivar a colaboração com a justiça de quem está envolvido nestes crimes.

Dentro da chamada "justiça negociada", uma das propostas previa a possibilidade de o colaborador poder contar com o arquivamento do processo logo em fase de inquérito, outra proposta previa a possibilidade de acordo em relação à sentença - ambas mantêm-se na esfera do juiz. Van Dunem entende que isto pode "fragilizar" o interesse de quem queira colaborar com a justiça. "Será possível concluir este pacote, mas não com tudo o que queríamos", admite.

Recorde-se que estas medidas foram criticadas por magistrados.

Quanto ao relatório partilhado, de 126 páginas, Van Dunem destacou vários pontos, dos processos e da sua conclusão, da evolução do número de magistrados e outras carreiras, do investimento feito, de comparações com os restantes países da União Europeia (UE).

Entre os 27 países da UE, por exemplo, Portugal está em 13º lugar (a meio da tabela), quanto à despesa total do Estado com o sistema judicial. O orçamento do Ministério da Justiça tem vindo a subir lentamente nos últimos quatro anos e em 2020 atingiu os € 1 398 231 054,89, mais 153 milhões que em 2017.

O orçamento da Procuradoria-Geral da República subiu de 15 292 015,22 € em 2015 para 18 677 486,22 € em 2020.

Outra comparação valorizada pela Ministra é a relativa ao "tempo médio de conclusão de casos cíveis e comerciais litigiosos em todas as instâncias judiciais". Segundo os dados da Comissão Europeia, divulgados este ano, Portugal encontra-se na metade dos países com melhor desempenho, com um 8º lugar.

Para estes bons resultados terem sido alcançados foi preciso, sublinhou a Ministra, investimento no sistema judicial, em recursos humanos e materiais. "A ideia de que corre tudo mal, que os processos demoram muito tempo, não é verdade", afiança Van Dunem.

A Polícia Judiciária (PJ) é um caso que se destaca, segundo este relatório. Conforme Van Dunem já tinha adiantado ao DN anteriormente, nesta legislatura foi sendo preparada a entrada para mais de 400 inspetores na PJ, sendo que a admissão dos mais recentes 170 foi neste encontro confirmada pela Ministra, depois de autorizada pelo ministério das Finanças.

"Com as novas entradas, prevê-se que a investigação criminal da PJ recupere cerca de 25 % do seu efetivo atual na carreira de investigação criminal, é escrito no relatório.

Em matéria de investimento, a PJ também surge com um aumento para mais de triplo em 2020, face ao ano anterior, atingido mais de sete milhões de euros, essencialmente canalizados para a "componente tecnológica", afirmou a governante.

Apesar do decréscimo da criminalidade geral, aumentaram as entradas de processos na Polícia Judiciária (a atingir cerca de 45 mil em 2020, contra apenas perto de 34 mil em 2015), com reflexo nas pendências que aumentaram (de 18 mil para 30 mil).

Quanto aos magistrados, entre 2015 e 2020 verificou-se uma redução no número de Juízes nos Tribunais Judiciais de 1.ª instância, apesar de um ligeiro aumento destes últimos em 2018 e 2019. "Duas circunstâncias contribuíram para isso: a escassa admissão de magistrados entre 2011 e 2015 e um grande número de saídas por jubilação. Este fenómeno, que afetou também o Ministério Público, foi equilibrado, nesta magistratura, pelo reforço do recrutamento", explica o relatório da Justiça.

Em 2015 havia 1354 juízes nestes tribunais e em 2020 desceu para 1268. Quanto a procuradores, eram 1334 em 2015, subindo para 1401 em 2020.

Mas nos tribunais superiores os juízes foram aumentando de 433 em 2015 até 472 em 2019, desvendo para 462 em 2020. Os procuradores nestas instâncias eram 82 em 2015 e 80 em 2020.

Por outro lado, o número de juízes nos Tribunais Administrativos e Fiscais aumentou em 27% entre 2015 e 2020. No mesmo período o número de magistrados do Ministério Público afetos a essa jurisdição conheceu uma redução de 8%.

Quanto a pendências, elas desceram em várias categorias. O número de processos pendentes nos tribunais judiciais de 1.ª instância apresentou uma tendência decrescente, com uma quebra entre 2015 e 2020 de 47%. Realce-se que 85% destas pendências são de processos cíveis.

"Neste período, o número de processos findos foi superior ao número de processos entrados, tendo este saldo permitido o decréscimo da pendência. Este resultado evidencia também o aumento da capacidade de resposta demonstrada pelo sistema de justiça, mesmo com o aumento de processos verificado em 2019", assinala o documento apresentado.

Nos processos cíveis o número de pendências reduziu significativamente entre 2015 e 2020, tendo-se registado uma diminuição global de mais de 580 mil processos, o que corresponde a uma quebra de 49%.

Nos processos de matéria laboral, por exemplo, o volume de pendências reduziu consideravelmente no período em análise, registando uma quebra de 42%.

Mas nos Tribunais Administrativos e Fiscais - Supremo Tribunal Administrativo e Tribunais Centrais Administrativos - verificou-se um significativo aumento no número de processos pendentes entre 2015 e 2020 - de cerca de 7000 para mais de 10 mil.

Entre 2015 e 2020 o número médio de processos de inquérito crime pendentes por magistrado do Ministério Público2 aumentou, com reflexo no número de processos findos, apesar do decréscimo do volume de novos processos.

Nos processos de inquérito do Ministério Público (MP), verificou-se um aumento de 32% nas pendências, com mais cerca de 60 mil processos entre 2015 e 2020. Questionada pelo DN sobre os motivos para esta situação, a Ministra remeteu para o próprio MP, embora recordasse que "a maior complexidade dos inquéritos" tem sido invocada.

"Uma análise temporal mais alargada evidencia uma grande oscilação das pendências, sem correspondência com o sentido da evolução da criminalidade participada espelhada no Relatório Anual de Segurança Interna dos anos correspondentes", constata o ministério da Justiça.

De notar que nos Departamentos de Investigação e Ação Penal (DIAP's) número de procuradores desceu de 592 em 2015 para 516 em 2020.

No que se refere à finalização dos processos de inquérito crime, cerca de 70% dos processos termina por arquivamento, desistência ou dispensa da pena e cerca de 13% termina com acusação em processo comum ou processo abreviado, processo sumaríssimo e suspensão provisória do processo.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt