Baixar o ritmo. E encontrar o centro em Vila de Rei
A estrada nacional 2 é uma espécie de estrada mítica para quem atravessa o interior do país. Quem já a percorreu, na região centro, está acostumado a ver a indicação: centro geodésico de Portugal. Foi aqui que combinámos encontro com Susana Alves e Miguel Cadete, um casal que veio de Lisboa viver para Vila de Rei, mesmo aqui ao lado desta atração turística. O monumento, localizado no Picoto da Melriça, é ponto de paragem obrigatório para quem faz a estrada por lazer e é normal encontrar grupos de turistas a tirar selfies junto ao gigantesco marco ou a fazer uma pausa enquanto desfrutam da vista. Estamos exatamente no centro do país. Com uma altitude de 600 metros, neste local temos vista desafogada sobre o horizonte. Daqui se avista a Serra da Lousã e, com tempo limpo, a Serra da Estrela - quase a 100 quilómetros de distância.
O casal viveu em Lisboa quase uma década, ela originária daqui e ele de Tomar. O dia-a-dia era feito numa agitação constante: as viagens de carro, as florestas de prédios e a correria, a vida sempre numa correria. Cada vez mais, tudo aquilo lhes parecia uma existência sem sentido, sem sonhos. Para Miguel, existia já algum tempo a ambição de criar um negócio próprio na restauração. Mas para Susana a mudança era uma urgência. Assistente administrativa no Hospital da Luz, a perda da mãe, numa batalha contra o cancro, foi muito dura: "Eu trabalhava no centro de oncologia e no ano anterior à nossa mudança a minha mãe faleceu".
Em janeiro de 2019, concretizaram a mudança, viraram as costas à cidade, mas, sobretudo, à dor da perda. Saíram da cidade grande para perseguir o sonho de Miguel, que por esta altura já era vontade de ambos. Com um suporte forte por parte da sua família, Susana conseguia ter o filho acompanhado por primos e até pela irmã que vinha dar uma ajuda, enquanto se lançavam juntos na abertura do restaurante.
Localizado junto ao rio Zêzere, na zona balnear da Zaboeira, o restaurante revelou-se um bom negócio: "Era muito trabalho, mas até estava a correr bem", explica Miguel. Isto até ao início da pandemia. O confinamento e o facto de ser um negócio muito recente, revelou-se fatal e em abril de 2020, com os compromissos habituais com fornecedores e rendas a começarem a pesar demasiado no orçamento, decidiram encerrar definitivamente, atirando o casal para o desemprego.
De acordo com a associação representativa do setor da restauração, a AHRESP, em março deste ano, um ano depois do início da pandemia no nosso país, 49% das empresas do setor registaram quebras de faturação acima dos 90% e na restauração 52% têm a atividade totalmente encerrada. Entre relatos de incumprimento no pagamento de salários e dívidas acumuladas a credores, a associação relatava que 29% ponderava avançar para a insolvência, uma vez que as receitas não permitem suportar os encargos decorrentes do normal funcionamento da sua atividade. "Investimos muito e perdemos", afirma Susana.
Fecharam para evitar um cenário de dívidas acumuladas, à semelhança da crise generalizada a que se assiste no turismo: "Vai demorar muito tempo a voltar a meter-se de pé", afirma Susana. Procuram emprego, na região, mas não estão disponíveis para abdicar da paz encontrada em Vila de Rei. Enquanto conversamos, o filho Francisco, de quatro anos, vai saltitando à nossa volta e brincando: "Às vezes passa o dia inteiro a brincar na rua e ontem até o almoço tivemos de lhe dar na rua". Enquanto a mãe embala o carrinho de Maria Isabel, com apenas umas semanas, conta-nos a sorrir: "Ela já é uma Vila-regense".
Se o processo de engravidar do primeiro filho foi longo, a filha foi processo muito rápido e natural: "Acho que foi a ausência de stress ou o ar do campo". O casal está numa situação de desemprego, mas assegura que não pretende voltar à capital: "Estamos num sítio mais pequeno, claro que condiciona muito as ofertas de emprego, mas sentimos a comunidade preocupada connosco." Uma solidariedade que se estende ao município que lhes tenta dar o maior apoio possível. "Em Lisboa seríamos só mais uns", remata Miguel.
Vila de Rei
A vila beirã pertence ao distrito de Castelo Branco, sendo sede de município e atravessada pela estrada nacional 2, que liga Chaves a Faro. Uma das principais atrações locais é o Centro Geodésico de Portugal, na Serra da Melriça, e o seu imponente marco de 20 metros de altura.