Por ar e mar, cheguei à pequena ilha de Bimini, conhecida como a "capital da pesca desportiva" das Bahamas. Deste arquipélago, esta é a ilha mais próxima dos Estados Unidos, localizada a apenas 80 quilómetros da costa de Miami. Na manhã do segundo dia, sentei-me na areia branca junto às águas turquesas. Ali estava, olhando o mar e apenas um pescador no mesmo enfiamento. Precisamente, tentei imaginar que Ernest Hemingway também ali estaria comigo, local onde este viveu, inspirando-se para o romance "O Velho e o Mar", a obra-prima da sua maturidade, segundo a crítica especializada. Na obra do escritor norte-americano, o protagonista Santiago, um velho pescador cubano, há quase três meses que está no alto mar sem conseguir pescar um único peixe até que se bate, durante quatro dias, com um enorme espadarte. Aquele homem na minha frente, à beira-mar, era para mim um alvo de comparação com o romance de Hemingway. O texto é uma parábola sobre a própria vida, na luta particular do homem para o triunfo, num mundo que parece destinado a destruí-lo, neste caso fazendo analogia com os tubarões que devoravam sempre a difícil pesca do velho homem. Na obra, o autor recupera uma ideia que o acompanhava há anos, ou seja, a imagem de um pescador solitário, que era ele próprio, segundo relatos da biografia do escritor. Igualmente, ali mesmo, eu e o mar fomos cúmplices. Ernest Hemingway cometeu suicídio, em 1961, mas eu, ao beber o horizonte, seguro-me a enfrentar a vida, neste e nos outros mares bem perto de casa. O meu pensamento apenas foi interrompido pelo vendedor das chamadas "pizas do mar", que me serviu uma ao almoço e de fazer crescer água na boca - e para continuar na praia debaixo de uma geringonça que me protegia do sol intenso. A água estava ótima e, agora, a praia mais preenchida de turistas. O pescador mantinha-se firme, por vezes socorrendo-se de um gole de água e de algo mais sólido. De súbito, surgem outros pescadores, que fazem uma barreira no meu horizonte. Não passou mais de meia hora para um e depois outro enfrentarem a curva da cana. O peixe saiu do mar. Também o velho passou de um estado de resignação para o de contentamento. No fim da tarde, a pesca já daria para um jantar avantajado. Se por um lado o livro de Hemingway retrata a capacidade humana para fazer face ou mesmo superar com sucesso os dramas e as dificuldades da vida real, ali na praia eu assistia à prova de que a união faz a força, a força traz a vontade e a vontade traz a esperança. A esperança é, afinal, o sonho do homem acordado..Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.