Acho mesmo que vou desfalecer." É assim que Ricardo Paiáguas, cofundador de uma agência criativa, começa a conversa com o DN depois de "mais de 72 horas" sem dormir. Desde quarta-feira que não para desde a criação, juntamente com quatro amigos, do movimento Cama Solidária para ajudar bombeiros, profissionais de saúde e doentes que aguardam atendimento, por vezes durante mais de 12 horas, à porta das urgências dos hospitais. Situação que resulta do excesso de procura que as unidades hospitalares têm sofrido nas últimas semanas pelo aumento diário de casos de covid-19, como aconteceu nesta quinta-feira, em que foi atingido um novo recorde de mortes e de casos: 303 e 16 432, respetivamente.."Temos mais de mil voluntários de todo o tipo de profissões a ajudar-nos de forma brutal", conta, acrescentando que "trabalham 16 horas por dia sem receberem nada"..O projeto desenvolveu-se à medida que Ricardo Paiáguas e Gonçalo Carvalho assistiam às notícias que davam conta do caos à porta de várias unidades hospitalares na região da Grande Lisboa. Incomodados com as condições em que profissionais e doentes se encontravam, decidiram agir e criar uma plataforma digital, a Cama Solidária, para que proprietários de autocaravanas pudessem inscrever os seus veículos e pô-los à disposição de quem mais precisa..A ideia era simples: reunir o maior número de camas disponíveis para dar abrigo temporário a quem aguarda na fila. "Criámos o movimento na quarta-feira à noite, no dia a seguir já o site estava online e já tinham sido doadas mais de 60 caravanas", explica. A partir desse momento, a onda solidária cresceu e continua a atrair centenas de voluntários, veículos, doações de alimentos e o apoio maciço de figuras públicas, empresas e outras organizações. "É um projeto logístico e operacional gigante", diz..Neste momento, com a ajuda de milhares de anónimos, já conseguiram angariar mais de 600 autocaravanas, duas centenas de casas e um sem-número de bens alimentares, mantas, casacos e até cartas de esperança. "Criámos um outro movimento, a Carta Solidária, para que as pessoas nos possam entregar donativos, mas também cartas com conforto que escrevem aos profissionais da linha da frente.".Polícias, bombeiros, médicos, enfermeiros e tantos outros que são essenciais no combate à pandemia precisam de descansar, de comer e de apoio, detalha. "Hoje de manhã chorei com o agradecimento de uma médica, com lágrimas nos olhos, por não nos termos esquecido deles", partilha Ricardo..A dimensão que o movimento Cama Solidária ganhou tornou-se avassaladora. Os seus mentores, cada um com o seu emprego e família, têm trabalhado dias seguidos sem descanso para assegurar que tudo funciona, mas admitem estar a chegar ao limite. "Precisamos mesmo de descansar e precisamos também da cooperação de uma grande organização", dizem. Apesar de terem sido procurados por várias empresas que quiseram apoiar a iniciativa - através do empréstimo de automóveis, oferta de deslocações e outras tarefas logísticas -, continuam a precisar de mais filantropos..Os líderes deste exército - Ricardo, Gonçalo, Manuel Palma, Diogo Maroco e Luísa Fonseca - são apenas cinco das caras por detrás de um pelotão de "voluntários brutais" que querem ser esquecidos "já amanhã". "No primeiro confinamento todos se estavam a ajudar, houve inúmeros gestos solidários. Desta vez, estávamos adormecidos e sem resiliência não vamos ultrapassar este momento menos simpático", partilha Ricardo Paiáguas. Por isso, os responsáveis apelam a que mais pessoas se unam para alargar a onda altruísta a outras zonas do país..Quem quiser juntar-se é bem-vindo, dizem. E há várias formas de contribuir para além da disponibilização de autocaravanas e casas. Todos os dias, existem veículos e voluntários estacionados à porta dos principais hospitais de Lisboa e Cascais onde é possível doar alimentos, cartas e outros bens, que também podem ser recolhidos em casa das pessoas através das várias rotas que definiram para a capital. Os locais, os horários e os bens necessários podem ser consultados nas redes sociais do projeto. "Vamos voltar a bater palmas, a fazer concertos às janelas e a sorrir em casa. São só dois meses, o que estamos a sofrer é o paraíso para quem está mesmo em sofrimento", remata Ricardo Paiáguas.