O governo pretende adiar novamente o compromisso de atualização transversal dos salários da função pública, limitando mais uma vez as subidas aos salários mais baixos e, agora também aos primeiros salários de técnicos superiores e salários de doutorados das administrações públicas. O objetivo foi ontem transmitido aos sindicatos da função pública, numa primeira reunião da ronda negocial anual prévia à apresentação da proposta do Orçamento do Estado para o próximo ano.."Tanto quanto até agora tem sido a análise, o cenário macroeconómico não nos permite ainda fazê-lo. O desejo mantém-se, o meu trabalho nesse sentido mantém-se, agora, naturalmente, há fatores de sustentabilidade que não podemos ultrapassar", afirmou após os encontros a ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, Alexandra Leitão. Está em causa a promessa - feita aquando de uma atualização, para 2020, que não foi além dos 0,3% após uma década sem aumentos gerais - de elevar todas as remunerações em pelo menos 1% em 2021. Não aconteceu..Mas, nem todos os sindicatos encararam a mensagem como uma porta fechada. Se o Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado (STE) assumiu o atirar dos aumentos para 2023 - "em ano de eleições", lembrou - e a Frente Comum saiu dos encontros com a mensagem de que as contas públicas não oferecem "margem" para uma subida transversal, já a Fesap considerou que a atualização não é assunto encerrado. Segundo o secretário-geral da Fesap, José Abraão, a ministra Alexandra Leitão "disse que gostaria de cumprir a promessa que fez há tempos com aumento de 1% ou próximo disso". "Neste quadro, era matéria que ainda não estaria fechada, dependendo de uma análise macroeconómica que há de ser feita ao nível do governo - e, naturalmente, do Ministério das Finanças, de quem todos dependemos"..Certo é que não houve proposta de atualização nesta ronda negocial, e que em anos anteriores os aumentos para a função pública têm sido decididos já em fase posterior à votação final global do Orçamento do Estado..O governo pretende, aliás, discutir apenas a partir de janeiro o ajustamento de níveis remuneratórios decorrentes da subida do salário mínimo - que deverá passar aos 705 euros em 2022 -, assim como a elevação do salário de entrada na carreira dos técnicos superiores, que está atualmente nos 1205,08 euros, e o prémio salarial para aqueles que, entre técnicos superiores, são doutorados (também pela elevação do nível remuneratório). "Outras possibilidades estão em aberto, mas estas estão garantidas", referiu a ministra..Serão estes os aumentos programados para terem efeito no próximo ano - eventualmente, com aplicação retroativa dado o calendário tardio das decisões - depois de, com exceção para os 0,3% de subida de 2020, o governo ter vindo desde 2019 a limitar a subida de salários aos ajustamentos necessários para acomodar o aumento do salário mínimo..Dentro das matérias apresentadas aos sindicatos, e que o governo pretende que tenham efeito em 2022, está também a reposição dos números mínimos de níveis remuneratórios nas carreiras de assistentes operacionais e assistentes técnicos, que têm vindo a ser consumidos com a evolução do salário mínimo nacional. "Estamos a falar em criar as oito posições remuneratórias que a Lei do Trabalho em Funções Públicas exige que as carreiras tenham. Neste momento, com a absorção do salário mínimo, a carreira de assistente operacional já só tem três", explicou ..Noutras medidas, o governo pretende continuar as negociações para revisão do sistema de avaliação da função pública, o SIADAP, e lançar mais dois programas de estágios em 2022. Já o processo de recrutamento centralizado para a entrada de novos técnicos superiores será simplificado de forma a encurtar o tempo até à colocação de candidatos. O governo deverá, por isso, introduzir na proposta do Orçamento uma autorização legislativa para alterar a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas..Depois de ter sido aplicado transitoriamente em 2021, com a legislação do Orçamento do Estado, o governo pretende consagrar definitivamente o suplemento de penosidade e insalubridade que neste ano assegurou um abono diário para as funções essenciais das administrações públicas com condições mais exigentes, como as dos trabalhadores do lixo, limpeza ou coveiros..O projeto de decreto-lei foi ontem apresentado aos sindicatos da Administração Pública, introduzindo mudanças na fixação dos valores. Neste ano, previa-se que as autarquias pudessem atribuir o suplemento, nos graus de penosidade mais baixo e médio, num intervalo entre 3,86 euros e 4,09 euros, devendo para os níveis mais elevados de penosidade o abono fixado em 15% da retribuição-base diária dos trabalhadores. Agora, o governo quer definir valores fixos pelos três graus de dificuldade das funções: 3,86 euros; 4,09 euros; e 4,99 euros (ou 15% da remuneração-base diária, consoante o valor mais elevado)..Continuará, porém, a depender das autarquias a escolha dos trabalhadores que devem receber este suplemento, reservado a assistentes operacionais que trabalhem em recolha e tratamento do lixo, tratamento de esgotos, higiene urbana, saneamento, inumações, exumações, trasladações, abertura e aterro de sepulturas..Maria Caetano é jornalista do Dinheiro Vivo