Aulas online: público e privado

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A não autorização de aulas online nas escolas privadas, durante as duas semanas em que as escolas públicas vão estar encerradas também sem elas, suscitou alegações de inconstitucionalidade por violação da "liberdade de aprender e de ensinar", em particular, e do "princípio de proporcionalidade" em geral. Menos aflorado e valorado tem sido o que, salvo opinião mais bem argumentada, está principalmente em causa: o "princípio da igualdade". Vejamos.

No Artigo 43.1 da Constituição: «É garantida a liberdade de aprender e ensinar», que é protegida também como liberdade de «iniciativa económica» (Artigo 61.1). Nos termos do Artigo 73.1: «Todos têm direito à educação e à cultura». O Artigo 74.1 afirma: «Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar». Segundo o Artigo 75.2 (Ensino público, particular e cooperativo): «O Estado reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo, nos termos da lei», o qual, como se lê no Preâmbulo do respectivo Estatuto, «é uma componente essencial do sistema educativo português», integrando a «rede de oferta pública de educação». Portanto, a não disponibilidade de aulas online tanto nas escolas públicas como nas escolas privadas significa uma parcial suspensão temporária não apenas da liberdade de aprender e de ensinar mas sobretudo do próprio direito à educação. Embora não haja uma diferença conceptual entre direito e liberdade, em matéria de direitos humanos (direitos são liberdades e liberdades são direitos), os dois termos não têm uma utilização unívoca no Direito Internacional dos Direitos Humanos. Pode ser diferenciada para diferenciar obrigações políticas.

O direito à educação é inerentemente um direito-liberdade de aprender, podendo ser considerado como o direito mais consubstancial à dignidade humana. A liberdade de ensino e de criação de estabelecimentos privados de educação é subsidiária do direito à educação na medida em que o exercício da liberdade de educação pressupõe a satisfação do direito à educação e é instrumento da sua realização. Ora a realização do conteúdo normativo do direito à educação cabe principalmente aos Estados como titulares das obrigações públicas e internacionais relativas aos direitos humanos. Realiza-o tanto através da prestação directa do necessário serviço público como, indirectamente, através de prestadores privados autorizados, regulamentados e supervisionados. Quando, portanto, num Estado de Direito, o poder público intervém no modo como prestadores privados do serviço público de educação exercem a sua actividade, essa intervenção tem a legitimidade da sua obrigação de proteger o direito à educação como direito humano e bem público. Não é o caso, por exemplo, de escolas de línguas (às quais não se aplica o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo de nível não superior e que certamente continuam a funcionar à distância).

Por conseguinte, o que está fundamentalmente em causa na igualdade de tratamento do sector público e do sector privado, neste caso, é justamente o princípio da igualdade (Artigo 13 da Constituição) segundo o qual: «Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão», designadamente, da sua «situação económica, condição social». Ora, como se sabe, a população escolar das escolas privadas, em geral, é maioritariamente formada por filhos e filhas de pais e mães que podem pagá-la, isto é, de origem económico-social mais favorecida. Se as escolas privadas integradas no sistema escolar continuassem a sua actividade lectiva através de aulas online, as crianças e adolescentes das escolas públicas (sem essas aulas) sofreriam um duplo prejuízo: além da privação das vantagens das aulas presenciais, ficariam em situação de discriminação. Todos perdem: uns perdem menos, porque têm "escola em casa", outros não a têm e perdem mais, mas são tratados com igualdade formal.

O Governo prevê que esta situação dure apenas duas semanas e que será compensada com medidas de ajustamento do calendário escolar. Se se prolongar, aí entra em consideração o princípio da proporcionalidade (Artigo 19 da Constituição). E se as aulas online regressarem e um grande número de crianças e adolescentes continuarem sem os meios tecnológicos indispensáveis, será uma falha política pela qual o Governo tem de assumir plena responsabilidade.

Os Governos deste mundo, em geral, estão a aprender, com um elevado preço material e moral, o valor dos bens públicos, nacionais e globais, como a saúde, a educação e a ciência. Mas estão muito longe, ainda, desta consciência crucial: As crianças são o tesouro dos povos. A Utopia da Humanidade.

Investigador da Universidade de Lisboa

*Escreve de acordo com a antiga ortografia

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