Por mais assuntos loucos que o Bolsonaristão tenha produzido nesta semana, como o do ministro da educação apresentado com pompa mas demitido antes da posse por anabolizar o currículo académico, o factoide mais significativo ainda é o do cão de raça chique "encontrado na rua" pela família Bolsonaro mas que afinal teve de ser devolvido ao dono verdadeiro..Já lá vamos..Recuemos a 2017, quando Michel Temer causou perplexidade ao escolher Raquel Dodge como Procuradora-Geral da República. A perplexidade resultava do facto de o então presidente ter nomeado a segunda classificada numa eleição interna dos procuradores e não o primeiro dessa lista, conforme era tradição desde 2003 - mandatos de Lula da Silva e Dilma Rousseff, portanto - para dar uma ideia de total independência entre PGR e governo..Ao interferir na lista, preterindo Nicolao Dino, o mais votado pelos seus pares, Temer alimentou o receio de que voltasse ao país a figura dos "engavetadores-gerais da República" dos tempos de Fernando Henrique Cardoso, assim apelidados por enfiarem na gaveta todos os processos embaraçosos para o Planalto..Mas a perplexidade que Temer causava não é nada comparada com o descaramento da gestão Bolsonaro. Ao escolher o sucessor de Dodge, o presidente desprezou aquela eleição dos procuradores e escolheu para PGR um cidadão que não havia obtido um único voto dos colegas..Augusto Aras é o nome dele..De então para cá, Aras mostrou fidelidade canina ao presidente que o alçou a cargo tão elevado: rejeitou, por exemplo, pedidos de parlamentares e de partidos da oposição para abrir processos de impeachment contra os ministros Ricardo Salles, o funesto titular do Meio Ambiente, e Abraham Weintraub, o semi-analfabeto ex-mandatário da Educação..Ignorou os apelos públicos dos seus subprocuradores-gerais para tentar impedir ações do governo contrárias à política de isolamento social da pandemia de covid-19, doença que já matou 60 mil brasileiros..E enquanto nos primeiros oito meses de mandato, Temer e a sua procuradora Dodge se encontraram meras duas vezes e em circunstâncias oficiais, Bolsonaro e Aras reuniram-se o triplo das ocasiões em almoços e homenagens..Bolsonaro ofereceu até a Aras a medalha de Grande Oficial da Ordem de Mérito Naval..E vem prometendo, sem pudores, um cargo no Supremo Tribunal Federal, se se portar bem nos processo do presidente que tem em mãos, deixa subentendido.."Se me permite a ousadia, se me convidar, eu vou agora aí apertar a mão do nosso novo colegiado maravilhoso da Procuradoria-Geral da República", disse Bolsonaro numa ocasião. "Estaremos esperando Vossa Excelência com a alegria de sempre", respondeu Aras..À BBC Brasil, um procurador sob anonimato disse que a categoria "começa a sentir vergonha" por Aras ir às posses de ministros e a reuniões no Planalto como se fosse mais um membro da equipa governamental..No dia 30 de maio, o letreiro da sede do PGR amanheceu com uma pichação: em vez de "Procuradoria-Geral da República" lia-se "Procuradoria-Geral do Bolsonaro"..E na última semana, em vez de se dedicar a apurar os crimes de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de justiça e corrupção passiva de que Bolsonaro é acusado no âmbito da suposta interferência do presidente na polícia federal denunciada por Sergio Moro, o PGR vem investigando... a Operação Lava Jato, menina dos olhos do ex-ministro da justiça..Inimigo (Moro) do meu amigo (Bolsonaro) é meu inimigo também parece ser a máxima de Augusto Aras..Mudando completamente de assunto e voltando ao factoide do princípio do texto, aquele cachorro que a família presidencial "encontrou" mas tinha dono chama-se Zeus. Mas por alguma razão, na semana que passou no Palácio do Alvorada, os Bolsonaro decidiram nomear o fiel e servil cãozinho de Augusto..Correspondente em São Paulo