Foi quase uma operação-relâmpago a auditoria da Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) à gestão financeira e de recursos humanos da GNR - a maior força de segurança portuguesa que gere 870 milhões de euros por ano e mais de 23 mil pessoas..Mas os cerca de quatro meses que os inspetores estiveram a analisar papéis, sistemas informáticos e o controlo feito às contas foram mais do que suficientes para destapar a ponta de um icebergue de uma gestão em que há situações de falta de transparência, militares sem competências para o que estão a fazer e até contratações a levantar suspeitas..Ao ponto de a IGAI recomendar que se fosse mais fundo na identificação dos problemas, através de outras cinco auditorias especializadas nas áreas mais críticas..Esta auditoria, a que o DN teve agora acesso, foi entregue no início do ano ao comandante-geral da GNR, tenente-general Botelho Miguel, mas não foi possível saber ainda que medidas foram ou vão ser tomadas. O DN fez várias perguntas na passada quarta-feira, mas não obteve respostas.."Inúmeras desconformidades".O ponto de partida para esta inspeção especial da IGAI, determinada pelo ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, foi "avaliar o impacto das medidas de descentralização e apoios tecnológicos nas áreas financeiras e de recursos humanos", desde a reforma de 2007 - ainda do governo PS, quando António Costa tinha esta pasta..Para onde quer que olhassem, os inspetores iam encontrando complicações. A começar pela "central" que deve coordenar todas estas matérias - o Comando de Administração de Recursos Internos (CARI) em todo o país. Foram detetadas "inúmeras desconformidades procedimentais e irregularidades normativas"..Exemplos? Preenchimento incorreto dos mapas de justificação de saldos; registos incorretos de saldos; dinheiro por depositar para além do prazo razoável; erros na classificação de despesas, erros nas notas de encomenda sem detalhe dos bens/serviços adquiridos; falta de documentos a justificar as despesas; requisições de transportes não assinadas, recurso indevido a ajustes diretos; ausência de controlo de pagamentos em atraso; bens e serviços iguais adquiridos a fornecedores diferentes, em datas muito próximas e/ou coincidentes, cujo pagamento somado é superior a cinco mil euros (limite para o ajuste direto); falta de controlo das situações de acumulação de funções e da atribuição de suplementos e ajudas de custo..Na gestão das viaturas apreendidas pela GNR (na altura da auditoria eram cerca de três mil) a IGAI entende que o processo "não é transparente nem se encontra devidamente documentado". Meio milhar destes carros estão em parques privativos e os inspetores constaram que, também aí, "o procedimento negocial estabelecido com os municípios e outras entidades privadas "não é transparente", é "oneroso" e revelou "discrepância entre valores praticados no aluguer de espaços".."Impacto na responsabilidade financeira".A IGAI sublinha que "o caráter reiterado e sistémico destas irregularidades poderá constituir violações normativas com impacto ao nível da responsabilidade financeira"..Ou seja, "sem o rigor devido às contas, o risco de abusos, corrupção ou outros crimes relacionados (favorecimento em contratos, por exemplo) é muito maior. Se há responsabilidade financeira, há responsabilidade disciplinar e/ou criminal. Nada se fez, nenhuma responsabilidade se apurou, aliás, nunca se abriu um processo ", alerta um oficial que está a acompanhar este processo e lamenta que "ainda não tenham sido tomadas medidas corretivas"..No seu relatório final, os inspetores atribuem esta situação, essencialmente, "à ausência de recursos humanos devidamente habilitados ou com competência técnica e formação adequada para o desempenho de tarefas de foro técnico e administrativo"..O CARI concentra recursos humanos com formação específica em administração militar e material. O problema é que os oficiais com esta especialização são apenas 30% dos 111 oficiais do CARI. A situação piora quando se desce na hierarquia: apenas 29% dos sargentos têm esta especialidade e 5% dos guardas..O resultado está à vista. Na sua última audição parlamentar, o ministro da Administração Interna afirmou que as conclusões desta auditoria estavam em "avaliação", não tendo adiantado mais pormenores..Alguns números.A GNR tinha 20 257 militares no ativo à data da auditoria (setembro de 2018)..Há 1915 civis (a maioria os guardas e vigilantes florestais). O quadro permanente de civis, segundo esta auditoria, está reduzido a 749 elementos - o valor mais baixo de sempre desde 2010 quando atingiu o pico com 1009 civis..O orçamento da GNR é de 872 milhões de euros (2018)..A GNR tem 27 unidades, cem destacamentos territoriais de intervenção, 25 destacamentos de trânsito, quatro destacamentos de ação fiscal, 14 destacamentos de controlo costeiro, 492 postos territoriais, de trânsito e fiscais.