Atentado em Nice foi "premeditado", confirma a investigação
Ontem, às 12:00, a França guardou silêncio por um minuto em memória das vítimas. Em Nice, no local do crime, 42 mil pessoas estiveram presentes para a homenagem. Mas antes e depois do silêncio houve assobios e gritos de protesto.
Na linha de fogo da indignação estava o primeiro-ministro francês. Manuel Valls, acompanhado por Marisol Touraine, ministra da Saúde, foi apupado e ouviu gritos exigindo a sua demissão e também a do presidente François Hollande.
"Foi uma atitude pouco espontânea de uma minoria", afirmou Valls em declarações ao jornal Nice-Matin. "A raiva dos franceses, o desespero e o medo é algo que tenho, que temos todos, de carregar nos nossos ombros. Crianças morreram, famílias foram destruídas pela barbárie. O meu lugar é estar entre os habitantes de Nice, mas é preciso haver dignidade. Os assobios e os insultos são indignos numa cerimónia de recolhimento e de homenagem às vítimas", acrescentou ainda o primeiro-ministro francês.
O ambiente político está tenso. Ao contrário do que aconteceu noutras ocasiões, como, por exemplo, a seguir ao ataque ao jornal satírico Charlie Hebdo, a oposição ao governo está a procurar capitalizar a indignação perante mais um ataque terrorista. "Tudo o que deveria ter sido feito nos últimos 18 meses não foi feito. Estamos em guerra, claramente em guerra. Por isso vou usar palavras fortes: somos nós ou eles", afirmou Nicolas Sarkozy, ex-presidente francês, chefe d"Os Republicanos e potencial candidato às presidenciais do próximo ano. Marine Le Pen, líder da Frente Nacional, partido de extrema-direita, também foi direta nas críticas, alegando que a França "não tinha feito absolutamente nada" para combater o terrorismo islâmico.
Numa resposta implícita aos adversários políticos, François Hollande, que ontem reuniu o conselho de defesa e segurança, invocou "uma obrigação de dignidade e de verdade nas declarações públicas".
Manuel Valls e Bernard Cazeneuve, ministro do Interior, emitiram um comunicado conjunto reclamando que a ação do governo e das forças de segurança tem sido eficaz e que " desde 2013 houve 16 atentados que foram evitados".
Um estudo de opinião divulgado ontem pelo Le Figaro mostra que apenas 33% dos respondentes confia nos atuais líderes políticos para combater o terrorismo. Uma queda substancial, tendo em conta que no rescaldo dos ataques de novembro a percentagem situava-se nos 50%.
Mohamed ensaiou o percurso
François Molins, procurador responsável pela investigação ao atentado de Nice, confirmou ontem, em comunicado, que o ataque foi "premeditado". Mohamed Lahouaiej Bouhlel, o condutor do camião, foi filmado pelas câmaras de vigilância da cidade, nos dois dias anteriores ao fatídico 14 de julho, a ensaiar o percurso que viria fazer. A investigação informou ainda que o perpetrador "parecia precisar de dinheiro". Bouhlel tentou contrair um empréstimo no valor de 5000 euros, que foi recusado a 28 de junho. Na véspera do atentado terá vendido o seu automóvel e, no próprio dia 14 de julho, levantou 550 euros num multibanco. "O conjunto destes elementos permite concluir que o ataque foi pensado e preparado, pelo menos nos dias anteriores", referiu Molins.
Apesar de ainda não ter sido possível estabelecer uma relação direta entre Bouhlel e o Estado Islâmico - que reclamou o atentado - as provas recolhidas apontam para uma radicalização recente e rápida. Entre 1 e 13 de julho, no seu computador , o condutor fez várias pesquisas relacionadas com outros atentados terroristas e consultou diversas suratas do Alcorão. De acordo com uma testemunha, Bouhlel deixou crescer a barba nos oito dias anteriores ao atentado e atribuía-lhe um "significado religioso". Um outro depoimento, porém, indica que a radicalização poderia estar em curso há mais tempo. Segundo a testemunha, "há sete ou oito meses", Bouhlel ter-lhe-á mostrado um vídeo de uma decapitação e dito que "estava habituado" a ver.
Na última quinta-feira, 14 de julho, Mohamed Bouhlel, ao volante de um camião-frigorífico, avançou sobre a multidão no Passeio dos Ingleses, em Nice, avenida onde decorriam as celebrações do Dia da Bastilha. Morreram 84 pessoas. De acordo com a atualização mais recente, 74 dos feridos continuam hospitalizados, 19 têm prognóstico reservado e 71 das vítimas mortais já foram identificadas.