Até o parlamento recomenda: crianças deveriam dormir sesta no pré-escolar
O Governo deverá "estudar a possibilidade de introdução da sesta da Educação Pré-Escolar" e avaliar as condições necessárias para a sua concretização, nomeadamente, "a articulação da implementação da sesta com as orientações curriculares para a educação pré-escolar e a organização dos horários e tempo letivo e não letivos dos educadores de infância" e ainda "as condições materiais e humanas que são necessárias garantir para um período de sono de qualidade".
Esta é a recomendação feita pelo Parlamento e publicada esta quinta-feira no Diário da República, com a assinatura do presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, e que responde a uma preocupação de muitos pais: é que a maioria dos jardins-de-infância públicos não prevê a realização de sestas, mesmo para as crianças mais pequenas, com apenas 3 ou 4 anos.
A resolução, aprovada em julho, aconselha o Executivo a ter em conta, antes de mais, "a importância do sono no desenvolvimento das crianças" e, recomenda ainda o Governo a promover "um debate público sobre esta matéria, envolvendo a comunidade educativa, profissionais nas áreas da educação, pedagogia e ciências sociais, as organizações representativas dos trabalhadores e os pais, as famílias e as suas associações".
Esta recomendação surge na sequência de um projeto resolução apresentado pelo PCP em junho de 2018. "Em Portugal as crianças, principalmente as que frequentam os estabelecimentos públicos, por norma não realizam a sesta", dizia o Partido Comunista Português. "É inegável a vantagem da sesta e os efeitos positivos deste tempo de descanso nas crianças, na sua saúde e no seu processo de desenvolvimento", explicava a bancada parlamentar comunista, socorrendo-se dos argumentos da Sociedade Portuguesa de Pediatria (SPP).
Acabar com a sesta aos três anos de idade é uma prática que vai totalmente contra as recomendações da SPP, que alerta que "a privação do sono na criança está associada a efeitos negativos a curto e a longo prazo em diversos domínios" caso do "desempenho cognitivo e aprendizagem, da regulação emocional e do comportamento, o risco de quedas acidentais, a obesidade e a hipertensão arterial". Por isso, "as crianças em idade pré-escolar (3 a 5/6 anos de idade) devem idealmente realizar 10 a 13 horas de sono/ dia", recomenda a associação, que aponta para 10 a 11 horas de sono noturno e 1 a 3 horas de sesta.
De que forma o Governo vai dar resposta a esta recomendação ainda não sabe mas Maria Helena Estêvão, pediatra e especialista em medicina do sono, que também faz parte da direção da Associação Portuguesa do Sono, não tem dúvidas de que este é um assunto "da maior importância" e que tem sido menosprezado pelos decisores políticos: "As pessoas não sabem a importância que o sono tem, só isso justifica que acabem com as sestas aos três anos sem ter em conta o impacto que essa medida tem nas crianças até à idade escolar."
Esta especialista defende que as escolas devem "dar condições para a realização da sesta", tendo em conta que "as necessidades das crianças são muito variáveis" e também "a orgânica familiar". "Não se pode tornar a sesta obrigatória, mas também não se pode simplesmente aboli-la", diz. "Há crianças que podem até não precisar de fazer a sesta, mas serão uma minoria. Há crianças que podem ter poucas repercussões por não fazerem a sesta. E há crianças que precisam de fazer uma boa sesta."
A falta de sonso afeta as funções cognitivas, as capacidades físicas e a saúde mental das crianças. As repercussões podem ser imediatas ou fazer-se sentir a longo prazo. Maria Helena Estêvão sublinha que o sono afeta especialmente a capacidade memória e de retenção de conhecimento, não só das crianças mas de adolescentes e adultos. "Falamos mais das crianças pequenas porque o seu cérebro tem um crescimento rápido e elas estão sujeitas a muitos estímulos que conduzem a aprendizagens", explica.
Além disso, a falta de sono revela-se, como todos os pais saberão, no humor das crianças que "ao fim da tarde estão cansadas e fazem muitas birras". Por fim, sublinha, enquanto nos adultos a falta de sono provoca sonolência, nas crianças é comum que se revele numa hiperatividade e em consequentes problemas de comportamento: "Não conseguem estar quietas nem concentradas".
A realização da sesta implica que haja condições físicas (um espaço adequado, camas, lençóis, mantas) mas também a adaptação das atividades letivas. "É preciso garantir que aqueles que precisam de dormir o possam fazer mas também é preciso criar condições para aqueles que não dormem a sesta possam, apesar de tudo, ter um período de mais acalmia para recuperarem a energia para o resto da tarde", defende a pediatra. Mas era bom que os responsáveis não vissem estas exigências como caprichos mas que "percebessem a real importância do sono no crescimento saudável das crianças."
O PCP não foi o único a levar o tema ao parlamento. Em novembro do ano passado, foi entregue na Assembleia uma petição que solicitava "a adoção de medidas com vista à obrigatoriedade de disponibilização de condições para as sestas, para crianças até à entrada na primária": "Muitas crianças, principalmente na pré-escola deixam de ter condições para conseguirem dormir, muitas caem para o lado, quando os pais os vão buscar adormecem instantaneamente no carro, muitas acabam por não ter tempo de qualidade com os pais nem jantam devido ao cansaço", explicava a petição, proposta por um grupo de pais.
"A sesta cria condições para que aproveitem melhor o dia, para consolidar conhecimentos e manterem-se mais calmas e saudáveis, além de terem condições para estar com os pais", justificava, apresentando em sua defesa a opinião de várias especialistas - como por exemplo da Sociedade de Pedatria e da Associação Portuguesa do Sono.
Em maio deste ano, o PAN apresentou no Parlamento um projeto de resolução que defendia a possibilidade de as crianças pequenas fazerem a sesta no pré-escolar. "A privação da sesta e a não-realização do total de horas de sono diárias são uma problemática frequente na prática clínica pediátrica e motivo de preocupação para os pediatras e médicos de família assim como para as respetivas famílias, lia-se no documento em que o PAN recomendava ao Governo que "proporcione as condições adequadas, nomeadamente leito ou colchão, ambiente calmo, escuro, com temperatura adequada, limitação de ruído e com vigilância, a todas as crianças em idade pré-escolar a fim de assegurar a qualidade do sono da sesta".
O partido Pessoas - Animais - Natureza defende que cada criança que frequente o pré-escolar "tenha um plano individual de sesta, acordado com a família", competindo à educadora de infância promover a sesta entre as crianças quando "na presença de manifestações de privação de sono".