Daqui a uma semana vou aos Estados Unidos. Sem medo. Levo a família pela primeira vez, para que os meus filhos descubram um país admirável, apesar dos excessos de hoje como superpotência e dos erros do passado, a começar por essa contradição que durou um século entre proclamar a liberdade e manter a escravatura. E vou sem medo, apesar do atentado na discoteca gay, não porque a América seja grande e eu vá a Nova Iorque e não a essa Florida onde foi o ataque terrorista, mas sim porque ter medo é ceder. Ceder à chantagem do Estado Islâmico, da Al-Qaeda ou de qualquer outra etiqueta que assassine em nome do islão. E já se percebeu que é gente capaz de matar em Paris, em Bruxelas ou agora em Orlando, cidade de nome mágico para qualquer criança que sonhe visitar a Disneylândia original..Já estive outras vezes nos Estados Unidos. Umas delas em 2000, na Florida, como enviado do DN, à espera de perceber se a recontagem de votos dava a Casa Branca a Al Gore, o vice que nunca chegou a presidente mas ganhou o Nobel da Paz e um Óscar pela sua cruzada ambientalista. Curiosa terra aquela Florida, território cedido no século XIX pela Espanha, hoje refúgio de muitos reformados de toda a América, que querem viver sem aturar o inverno..Em Miami vi a América multicultural. Os descendentes de exilados cubanos, os imigrantes haitianos e os negros a viverem lado a lado com os velhinhos judeus que pelo sol deixaram os filhos e os netos em Nova Iorque, cidade ainda mais multicultural do que Miami, embora mais fria. Vi também ali, como em Boston ou em Austin, a América tolerante que o Supremo Tribunal mostrou reconhecer quando, há um ano, declarou constitucional o casamento homossexual nos Estados Unidos..Claro que há outras Américas, conservadoras até ao tutano, reacionárias até. Mas não generalizemos. Um dia visitei Hope, no Arkansas, num condado onde ainda vigora a lei seca. Pois lá nasceu Bill Clinton, um ex-presidente sulista, do mais progressista que pode haver. A mulher, Hillary, tão brilhante como ele, agora até pode tornar-se presidente também, no que seria mais uma celebração do espírito americano depois de há oito anos Barack Obama, sim o Obama filho de um queniano, se ter tornado o primeiro negro na Casa Branca..Foi um filho de afegãos nascido em Nova Iorque que matou 50 pessoas. Omar preferiu o Estado Islâmico ao sonho americano. Fica para a história, tristemente, como o autor do pior atentado nos Estados Unidos depois do 11 de Setembro. Isto só uns dias depois de os americanos se terem despedido em lágrimas de Muhammad Ali, herói nacional e muçulmano oriundo do Kentucky..Donald Trump já falou. Disse qualquer coisa como "viram, eu bem avisei". Não. Talvez só tenha instigado mais ódios quando chamou terroristas aos muçulmanos..Até já, América.