Ataque a Alcochete. Mustafá acusa juízes de abuso de poder e exige "imediata libertação"

Advogados do líder da Juventude Leonina alegam que o Tribunal da Relação de Lisboa desrespeitou os direitos do seu cliente. Pedem a sua saída da prisão com a apresentação de <em>Habeus Corpus </em>que tem de ser decidido em oito dias.
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Em prisão preventiva desde 17 de maio, Nuno Mendes (mais conhecido como Mustafá) entregou um pedido de Habeas Corpus, ou seja de libertação imediata. O líder da claque do Sporting Juventude Leonina é um dos 44 arguidos no processo relacionado com o ataque à Academia do Sporting, em Alcochete, a 15 de maio do ano passado. Atualmente estão 38 detidos em várias cadeias, um em prisão domiciliária e cinco em liberdade, incluindo o antigo presidente do clube Bruno de Carvalho.

O juiz de instrução criminal do Barreiro, Carlos Delca, tem agora de decidir sobre este pedido ou enviá-lo para o Supremo Tribunal de Justiça, certo é que tem de existir uma decisão no prazo de oito dias. A defesa de Mustafá, que viu a medida de coação alterada devido ao crime de tráfico de droga de que está indiciado, apresentou ainda uma reclamação para que a conferência do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) analise a decisão de mudar a obrigação de apresentação diária às autoridades para prisão preventiva.

Para os advogados do líder da Juve Leo, o Tribunal da Relação não fundamenta as razões para essa mudança o que configura, no entender dos advogados J. Rocha Quintal e Filipe Coelho, "abuso de poder na medida em que desrespeitou grosseira e flagrantemente as normas que preveem as restrições ao direito à liberdade e, em consequência, violou os direitos constitucionais garantidos".

Na exposição a que o DN teve acesso, a defesa alega que, ao contrário do agora decidido, o próprio Ministério Público não tinha considerado necessário colocar Mustafá em prisão preventiva quando acusou os arguidos. "Assim por se entender verificado, no caso concreto, os perigos de continuação da atividade criminosa e de fuga e de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas, entendemos que deve ser mantida a medida de coação de prisão preventiva, aos arguidos que a ela já se encontram sujeitos. Relativamente aos arguidos Tiago Rodrigues, Samuel Teixeira, Tomás Fernandes, Guilherme Oliveira, Nuno Mendes e Bruno de Carvalho, promovo que aguardem os ulteriores termos do processo na situação em que se encontram [em liberdade]", citam os advogados neste documento entregue na sexta-feira (31 de maio), lembrando que esta posição foi divulgada a 15 de novembro do ano passado.

Além de sublinhar que a decisão do Tribunal da Relação não está fundamentada, é ainda frisado no documento que esta decisão de agravar a medida de coação surge sete meses depois da primeira decisão quando os pressupostos - perigo de fuga, continuação da atividade criminosa, perturbação inquérito ou da ordem e tranquilidade pública - estão "mitigados e não agravados". Acrescentam, para justificar esta tese, que Mustafá, assim que soube da ordem para ser preso preventivamente, se apresentou "de imediato e de forma voluntária, ao Posto da GNR da sua área de residência [Charneca da Caparica, Almada] para se colocar à disposição da Justiça, tendo ali permanecido por mais de três horas, a aguardar voluntariamente a efetivação dos mandados de detenção [...]".

Referem ainda que durante os sete meses que decorreram desde a decisão de deixar Mustafá em liberdade nunca foi pedido um "relatório social que permitisse excluir a aplicação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação sujeita a vigilância eletrónica, veio o Venerando Tribunal a concluir, reitera-se, sem a devida fundamentação que tal agravação obrigaria, determinar que só a prisão preventiva seria adequada, suficiente e proporcional para acautelar os perigos do artigo 204.º do CPP" [Código do Processo Penal].

Assim, de acordo com a análise que fazem, os advogados justificam que a apresentação "da presente providencia Habeas Corpus resulta da ilegalidade da prisão preventiva, porquanto, a decisão que a aplicou é nula, porque motivada por facto pelo qual a lei não permite, traduzindo-se a jusante numa decisão ilegal e inconstitucional, pelo que deverá o arguido ser imediatamente devolvido à liberdade [...]".

Tribunal violou "presunção de inocência"

No pedido de Habeas Corpus ​​​​​os advogados acusam o Tribunal de Relação de Lisboa de "em clara violação do princípio da presunção de inocência, lança mão dos antecedentes criminais do arguido, e de este estar a ser julgado em processo diverso [onde é acusado de fazer parte de uma rede criminosa liderada pelo antigo inspetor da PJ e ex-dirigente do Sporting Paulo Pereira Cristóvão que assaltava residências], circunstâncias estas que já eram do conhecimento e foram devidamente ponderadas pelo Tribunal de Instrução Criminal aquando da aplicação das medidas de coação não privativas da liberdade".

Também a acusação de tráfico de droga é contestada. "Em todo o inquérito, nenhuma investigação decorria sobre o crime de tráfico de droga nos presentes autos, aliado ao facto de a droga apreendida não estar na posse e disponibilidade do mesmo, acrescendo que o arguido não era detentor nem detinha a disponibilidade das chaves do local [sede da Juventude Leonina onde foram encontrados vários tipos de droga]", salientam. E lembram: "No dia 14 de novembro de 2018, já quando o arguido se encontrava a ser interrogado no âmbito do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, veio a ser inquirida a testemunha que abriu a referida porta do sótão e que tinha a chave na sua posse, a qual nunca referiu que o produto estupefaciente era pertença do arguido".

Considerando que todas as situações descritas concorrem "para a ilegalidade e inconstitucionalidade da decisão tomada de aplicação da medida de coação mais gravosa", tal como, no seu entendimento, o facto de a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa ter sido baseada "em pressuposições e não fundamenta em factos" os advogados pedem ainda no documento uma decisão célere pois na anterior o TRL "agiu com abuso de poder" e "violou os direitos constitucionalmente garantidos".

Fase de instrução adiada duas vezes

O processo do ataque à Academia do Sporting em Alcochete está neste momento parado a aguardar o dia 2 de julho data marcada para a terceira tentativa de início da fase de instrução.

A primeira data foi 6 de março, mas dois incidentes de recusa de juiz levaram ao adiamento do arranque desta fase em que o juiz avalia se há condições para levar os acusados a julgamento - após estas audições o magistrado pode decidir levar todos os arguidos a julgamento, só alguns e até alterar os crimes de que são acusados pelo Ministério Público. Depois de o Tribunal da Relação de Lisboa não ter aceitado os argumentos dos advogados, o juiz de instrução criminal Carlos Delca marcou a data de 13 de maio para o início das audições. Nesse dia, um novo incidente apresentado por outro advogado voltou a adiar a sessão que está agora marcada para 2 e 3 de julho, com o ex-presidente do Sporting a ser ouvido no segundo dia.

Os 44 arguidos ​​​​​​​- a maior parte pertencente à claque Juventude Leonina, o ex-presidente do Sporting Bruno de Carvalho e o antigo oficial de ligação aos adeptos Bruno Jacinto - estão acusados pelo Ministério Público dos crimes de sequestro (com a tipificação de terrorismo), ameaça agravada, dano com violência, detenção de arma proibida e introdução em local vedado ao público. No caso do ex-líder leonino este é acusado de ser um dos autores morais destes crimes.

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