Associações receberam 41 denúncias de amianto nas escolas só numa semana

De norte a sul do país, dezenas de escolas têm alertado para a presença deste material considerado cancerígeno nas suas instalações, na plataforma de denúncias lançada há uma semana pela Zero e pelo MESA. O amianto é responsável por, pelo menos, cerca de 40 novos casos de cancro por ano.
Publicado a
Atualizado a

Todos os anos o Agrupamento de Escolas D. Dinis, em Leiria, envia um alerta à Direção-Geral da Educação, denunciando quer a degradação dos edifícios quer a presença de amianto (considerado cancerígeno) nas instalações. "Continua tudo na mesma", lembrava o diretor, Jorge Campelo. E o problema parece ser transversal a dezenas de escolas espalhadas pelo país. Um dos casos mais mediáticos passa-se, aliás, no Minho, onde uma escola viu ruir as telhas de amianto, aumentando o risco de exposição a este material. De forma a reunir estes casos, a associação Zero e o Movimento Escolas sem Amianto (MESA) lançaram, há uma semana, uma plataforma através da qual pais, diretores e alunos podem denunciar a existência de amianto nas escolas. Passados oito dias desde o lançamento desta base de dados, as associações já registaram 41 queixas.

São, "na esmagadora maioria", denúncias assinadas por associações de pais, "três ou quatro por diretores de escolas" e algumas pela parceria entre os dois, contabiliza André Julião, coordenador do MESA. Partiram de escolas de norte a sul do país, embora "grande parte corresponda a casos da Grande Lisboa, naturalmente por ter mais escolas", esclarece.

Todas elas denunciam sobretudo a presença de amianto nas telhas dos edifícios, "onde o material é mais facilmente identificado". Mas este pode aparecer nas mais variadas formas: no revestimento de condutas, em tinta texturada, nas placas de teto falso, nas portas corta-fogo, no pavimento vinílico em mosaico e até nas condutas. Por ano, o contacto com este material gera cerca de 40 casos de cancro.

Segundo dados do Ministério da Educação, que garantiu que até 2020 todos os edifícios públicos estariam livres de amianto, até à data "foram concluídas ou estão em curso cerca de 150 intervenções" das 192 sinalizadas. Aliás, "no período 2011-2015 foram substituídos 236 138 metros quadrados de coberturas deste material".

Contudo, em julho deste ano, entre estas ainda restavam 42 à espera de intervenção. E a SOS Amianto defendia que era quase certo que a remoção deste material - avançada como uma das maiores bandeiras da tutela para a anterior legislatura - não ficaria concluída até às eleições. A previsão confirmou-se. Por isso, no início deste ano letivo, o Sindicato de Todos os Professores (STOP) convocou uma greve para todos os professores e funcionários interessados, que irá prolongar-se até 22 de novembro.

Fenprof, MESA e Zero lançam petição

Face ao que considera ser a inércia do governo, no final de outubro também a Fenprof decidiu agir e anunciou que irá para tribunal contra o Estado em nome das escolas com amianto. Agora, junta-se ao MESA e à Zero numa petição pública, divulgada nesta quinta-feira, para a erradicação deste material.

As associações esperam recolher mais de quatro mil assinaturas para que o debate chegue à Assembleia da República, "esperando que dele resultem iniciativas parlamentares que contribuam para a resolução de um grave problema que se arrasta há anos", escrevem em comunicado.

Os peticionários exigem ainda que seja divulgada "a lista atualizada de escolas públicas com presença de materiais contendo amianto, não se cingindo esta às coberturas em fibrocimento". No documento enviado às redações, as associações frisam que o levantamento dos edifícios com amianto "foi realizado de forma muito incompleta, focando-se essencialmente no fibrocimento (telhas) e deixando de fora muitos outros materiais que também contêm amianto e que, assim, permanecem um risco para a saúde dos trabalhadores e utentes desses edifícios".

Avaliação feita por pais e alunos é um "risco"

De acordo com os últimos dados aos quais a SOS Amianto (plataforma de apoio às vítimas do amianto) teve acesso, em 2017 havia 2463 edifícios públicos com amianto, entre os quais "as escolas não são a maioria", diz a coordenadora da SOS Amianto e do Centro de Informação de Resíduos da Quercus. Aliás, como acrescenta Carmen Lima, desde novembro do ano passado, receberam cerca de 200 denúncias, quer através da SOS Amianto quer através do telefone fixo da Quercus, sendo "muitas situações em condomínios, em anexos de habitações, em pavilhões até mesmo do corpo policial".

Contudo, mais recentemente "tem havido uma maior ansiedade relativamente ao amianto nas escolas". Não porque haja mais consciência do perigo, apenas "porque se tem falado mais sobre o assunto". O que, segundo a especialista, conduz a outros riscos: "Os pais querem a todo o custo que o amianto seja retirado da escola dos filhos e nós não concordamos que o amianto tenha de ser retirado a qualquer custo das escolas." E "há recomendações legais" a seguir no processo de remoção deste material. As obras devem decorrer em períodos em que as escolas não estejam em funcionamento, para evitar os riscos na exposição às fibras que são removidas.

Apesar disso, a recomendação não estará a ser cumprida em todos os estabelecimentos de ensino. "Na escola do Restelo, a remoção foi feita com a escola a funcionar. Na dos Olivais também." "Os miúdos até gravam o processo de remoção e temos recebido denúncias neste sentido", referia Carmen Lima, numa entrevista ao DN em julho.

Falha para a qual até hoje não houve punição. "Se isto acontecesse em França, por exemplo, dava prisão. Em Portugal não e o Ministério do Ambiente assume que não há problema em fazer-se a remoção com a escola a funcionar, desde que se cumpram os critérios de segurança", disse. E mesmo que se cumpram todas as regras de segurança "nada garante que o processo não vai gerar a libertação de fibras" prejudiciais à saúde. "Basta uma telha cair."

E basta a inalação de uma única fibra de amianto para o risco de surgimento de doenças daqui a 30 anos disparar. Mesmo que "nunca se associe a doença ao amianto", como acontece na maioria das vezes, alerta Carmen Lima, que acredita que é pelo facto de as consequências do amianto serem visíveis tão tardiamente que existe uma desvalorização do tema. "Se fosse legionela, as pessoas adoeciam no dia a seguir e toda a gente levantava os braços para agir. Como é uma situação em que o problema só acontece, no mínimo, cerca de dez anos depois, tal não acontece."

A solução deverá passar por iniciar os processos de remoção nos períodos de férias, em que as escolas estão fechadas. Aos fins de semana, não seria possível, "porque depois de concluída a obra é preciso tempo para fazer uma avaliação para saber se tudo ficou limpo e se aquele espaço pode ser reocupado", disse a especialista. Em média, dependendo da estrutura da escola e da quantidade de amianto nela presente, a remoção leva cerca de uma semana a ser concluída.

Em determinadas situações, não prioritárias, "uma vez que não há dinheiro do estado para a remoção, o amianto pode apenas ser monitorizado, em vez de ser já retirado", acrescenta.

Dezenas de cancro por ano

Por ano, morrem mais de cem mil pessoas no mundo com casos de cancro que derivam do amianto, o que levou à proibição deste material em novas construções na União Europeia, em 2005.

Em Portugal, o mesotelioma (cancro provocado exclusivamente pela exposição ao amianto) gera 39 casos por ano, número que "tem crescido" e as "previsões apontam para que cresça ainda mais nos próximos anos", devido à falta de conhecimento sobre o tema, que leva a falsos diagnósticos. Atualmente, "confundimos muitas doenças pulmonares com doenças provenientes do amianto". "Por exemplo, basta a pessoa fumar para associar a doença que tenha ao tabaco. Suspeita-se de que muitos cancros do pulmão estejam mal diagnosticados e sejam, na verdade, mesoteliomas."

Estão mais sujeitos aqueles que diariamente contactam com amianto. Carmen Lima conta que, em Inglaterra, "veio a verificar-se que os professores tinham mais cancros do que outros profissionais de outras áreas" e que muitos deles tinham sido diagnosticados com cancro pulmonar.

"Houve escolas que foram mesmo encerradas", pois a presença de amianto existia em tão grandes quantidades que "ficaria mais caro reconstruir a partir do que existia, com a remoção do amianto, do que fazer uma nova escola de raiz".

Como o amianto chegou a Portugal

As primeiras utilizações de amianto decorreram nas décadas de 1940 e 50, quando as fábricas produtoras deste material chegaram a Portugal. A boa fama de uma fibra com características como nenhum outro material existente deu-lhe proveito e passou a ser a figura principal na área da construção. Não só é um eficaz isolante térmico e acústico como é económico. "Na altura, não havia nenhum produto no mercado tão bom como este", lembra a coordenadora do Centro de Informação de Resíduos da Quercus. "Como era resistente ao fogo, utilizámos para proteger aquilo que mais queríamos ver protegido. E protegemos tanto que acabámos por prejudicá-lo."

Carmen Lima explica que na altura da expansão do material no país ainda "não se sabia o perigo subjacente". Eram ainda rumores que circulavam pela Europa. Só na década de 1990 é que se conseguiu provar a relação entre o amianto e o aparecimento de doenças como o cancro do pulmão, da laringe e gastrointestinal, conta. No ano passado, a Organização Mundial da Saúde incluiu também o cancro dos ovários nesta listagem, devido à utilização de amianto em pó de talco.

E, apesar de a União Europeia ter proibido, em 2005, o recurso a este material em novas construções, continua a ser importado para Portugal. A especialista lembra que, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas (INE), no ano de 2017 entraram em Portugal 34 307 toneladas de amianto e PCB (ambas matérias perigosas). Já a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) diz que apenas 727 toneladas entraram enquanto resíduos - para reposição em aterro.

O elevado diferencial entre as estatísticas "levanta uma enorme preocupação" sobre a possibilidade de poder estar a "entrar em Portugal amianto que não está a ir para aterro e não está a ser quantificado nas movimentações transfronteiriças de resíduos". Por isso, a SOS Amianto irá pedir à APA uma aferição atualizada destes números.

E apesar de "o depósito destes resíduos ser legal", acrescenta Carmen Lima, "preocupa que os outros países que já aderiram à remoção há vários anos e que estão a esgotar os seus aterros possam começar a enviar para cá os resíduos em massa".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt