Há dois anos, o governo prometeu que até 2020 a remoção de amianto (material considerado cancerígeno) de edifícios públicos estaria resolvida, o que incluía 192 escolas. Mas na educação a bandeira está longe de ser cumprida: 42 escolas ainda esperam para ver a situação resolvida. E uma coisa é já certa, isso não vai acontecer na atual legislatura, que está a três meses do fim. Há apenas este verão para prosseguir com as intervenções em falta, que devem ser feitas em período de férias, e ainda há escolas sem obras no horizonte.."Por cá, continua tudo na mesma, sem resposta ao problema e sem promessas sequer", conta o diretor do Agrupamento de Escolas D. Dinis, em Leiria. Na escola secundária de Vieira do Minho, depois de um telhado de amianto ter ruído neste ano, as obras ficaram prometidas para agosto. Segundo dados do gabinete do ministro Tiago Brandão Rodrigues, até à data "foram concluídas ou estão em curso cerca de 150 intervenções" das 192, sendo que "no período 2011-2015 foram substituídos 236 138 metros quadrados de coberturas deste material". A extinção deste material das escolas, acrescenta, "é uma prioridade do plano de investimentos do Ministério da Educação". Mas o prometido deverá ficar por executar. Pelo menos até ao final deste mandato.."Todos os anos, enviamos informação à Direção-Geral da Educação com a situação dos edifícios, tanto sobre casos de degradação como sobre a problemática do amianto. Nunca temos resposta. Os pais e os funcionários estão preocupados", lamenta Jorge Campelo, dirigente do Agrupamento de Escolas D. Dinis.."O Estado está a falhar o compromisso", alerta a coordenadora da SOS Amianto e do Centro de Informação de Resíduos da Quercus, Carmen Lima, em entrevista ao DN. Para a especialista, não há dúvidas: "Deu até 2020 para terminar a retirada de amianto de edifícios públicos e não vai cumprir.".Considera que o atraso de intervenção nas escolas se deve à "falta de verbas", uma vez que a remoção de amianto "é um trabalho oneroso". Mas sublinha que essa não poderá ser a desculpa, pois existem alternativas. "Há fundos comunitários para a remoção de amianto e, por isso, se não são feitas candidaturas é por falta de interesse do Ministério da Educação", explica. E acrescenta que o governo está a "levar o assunto com muita leveza e irresponsabilidade". "Muito por falta de conhecimento.".Falta de rigor na identificação de casos.Todas as semanas recebe denúncias de vários estabelecimentos de ensino preocupadas com a presença de amianto. Catalogou algumas delas e expôs os seus casos ao próprio ministério, para que tomassem atenção também a este grupo de escolas..Coube ao ministério identificar quais as escolas em maior risco de exposição ao amianto. Contudo, a coordenadora da SOS Amianto acredita que faltou rigor neste processo, que terá pecado tanto pelo desconhecimento como pela apatia.."Houve uma falha muito grande na identificação, porque só se identificou as coberturas. E já se provou muitas vezes que o amianto também é utilizado em revestimento de janelas ou em pavimentos de vinil, por exemplo." Carmen Lima não tem dúvidas de que há casos mais graves e que não se encontram na lista de intervenções estipuladas pelo governo..Além disso, as escolas que pertencem à lista derivaram de denúncias de funcionários e não de análises de profissionais, acredita. O que é um risco, dado "o desconhecimento generalizado sobre o amianto".."Já visitei várias escolas e os diretores mostram-me sempre o exterior, mas eu digo que quero ver também o interior e eles ficam muito surpreendidos. Porque o amianto foi usado fora e dentro do estabelecimento. Há falta de informação, o que leva à falta de rigor no levantamento", remata..Obras com escolas abertas.É recomendado pelas equipas responsáveis pela remoção de amianto que as obras aconteçam em períodos em que as escolas não estejam em funcionamento, para evitar os riscos na exposição às fibras que são removidas. Mas a recomendação não está a ser cumprida em todos os estabelecimentos de ensino.."Na escola do Restelo, a remoção foi feita com a escola a funcionar. Na dos Olivais também." "Os miúdos até gravam o processo de remoção e temos recebido denúncias neste sentido", denuncia Carmen Lima..Falha para a qual até hoje não houve punição. "Se isto acontecesse em França, por exemplo, dava prisão. Em Portugal não e o Ministério do Ambiente assume que não há problema em fazer-se a remoção com a escola a funcionar, desde que se cumpram os critérios de segurança", disse. E mesmo que se cumpram todas as regras de segurança, "nada garante que o processo não vai gerar a libertação de fibras" prejudiciais à saúde. "Basta uma telha cair.".E basta a inalação de uma única fibra de amianto para o risco de surgimento de doenças daqui a 30 anos disparar. Mesmo que "nunca se associe a doença ao amianto", como acontece na maioria das vezes, alerta Carmen Lima, que acredita que é pelo facto de as consequências do amianto serem visíveis tão tardiamente que existe uma desvalorização do tema. "Se fosse legionella, as pessoas adoeciam no dia a seguir e toda a gente levantava os braços para agir. Como é uma situação em que o problema só acontece, no mínimo, cerca de dez anos depois, tal não acontece. É uma irresponsabilidade por parte dos ministérios", volta a frisar..A solução deverá passar por iniciar os processos de remoção nos períodos de férias, em que as escolas estão fechadas. Ao fins de semana, não seria possível, "porque depois de concluída a obra é preciso tempo para fazer uma avaliação para saber se tudo ficou limpo e se aquele espaço pode ser reocupado", disse a especialista..Em média, dependendo da estrutura da escola e da quantidade de amianto nela presente, a remoção leva cerca de uma semana a ser concluída. Mas já se avista o final da legislatura e ainda há escolas sem compromissos de obras para o próximo mês..Cerca de 39 casos de cancro por ano.São milhares as construções públicas e privadas que em Portugal contêm amianto, um material considerado cancerígeno. Por ano, morrem mais de cem mil pessoas no mundo com casos de cancro que derivam do amianto, o que levou à proibição deste material em novas construções na União Europeia, em 2005. Mas ainda é preciso erradicar todo o rasto de amianto deixado entretanto, em escolas, mas também hospitais, teatros, museus, empresas, entre outros..As primeiras utilizações decorreram nas décadas de 1940 e 50, quando as fábricas produtoras deste material chegaram a Portugal. A boa fama de uma fibra com características como nenhum outro material existente deu-lhe proveito e passou a ser a figura principal na área da construção. Não só é um eficaz isolante térmico e acústico, como é económico. "Na altura, não havia nenhum produto no mercado tão bom como este", lembra a coordenadora do Centro de Informação de Resíduos da Quercus. "Como era resistente ao fogo, utilizámos para proteger aquilo que mais queríamos ver protegido. E protegemos tanto que acabámos por prejudicá-lo.".Carmen Lima explica que na altura da expansão do material no país ainda "não se sabia o perigo subjacente". Eram ainda rumores que circulavam pela Europa. Só na década de 1990 é que se conseguiu provar a relação entre o amianto e o aparecimento de doenças como o cancro do pulmão, da laringe e gastrointestinal, conta. No ano passado, a Organização Mundial da Saúde incluiu também o cancro dos ovários nesta listagem, devido à utilização de amianto em pó de talco..Em Portugal, o mesotelioma (cancro provocado exclusivamente pela exposição ao amianto) gera cerca de 39 casos por ano, número que "tem crescido" e as "previsões apontam para que cresça ainda mais nos próximos anos". Atualmente, são 39, mas a especialista acredita que serão muitos mais, devido à falta de conhecimento sobre o tema, que leva a falsos diagnósticos.."Confundimos muitas doenças pulmonares com doenças provenientes do amianto. Por exemplo, basta a pessoa fumar para associar a doença que tenha ao tabaco", disse. "Suspeita-se de que muitos cancros do pulmão estejam mal diagnosticados e sejam, na verdade, mesoteliomas.".Estão mais sujeitos aqueles que diariamente contactam com amianto. Carmen Lima conta que, em Inglaterra, "veio a verificar-se que os professores tinham mais cancros do que outros profissionais de outras áreas" e que muitos deles tinham sido diagnosticados com cancro pulmonar. "Houve escolas que foram mesmo encerradas", pois a presença de amianto existia em tão grandes quantidades que "ficaria mais caro reconstruir a partir do que existia, com a remoção do amianto, do que fazer uma nova escola de raiz"..Para que o cenário não se reproduza em Portugal, a especialista apela a uma maior atenção sobre o assunto. "Isto não pode ser um assunto de legislatura", remata.