1. É uma ideia feita com várias declinações: a educação deve estar ao serviço da economia, as instituições do ensino superior devem adaptar os seus cursos às necessidades das empresas. E é, claro, uma ideia errada. Nenhuma descoberta importante para o nosso desenvolvimento tecnológico resultou da busca de uma aplicação, mas da procura de respostas para a nossa curiosidade, como o demonstra bem o belo livro recentemente reeditado pela MIT Press sobre a utilidade do conhecimento inútil (Abraham Flexner, The Usefulness of Useless Knowledge). Os tempos da economia e da educação não coincidem, nem há nada mais prático do que uma sólida formação geral, como, já em 1957, o dizia Isaac Asimov com a competência dos grandes contadores de histórias..2. No livro Nove Amanhãs, Isaac Asimov reuniu nove contos de ficção científica, o primeiro dos quais intitulado Profissões. Nele é descrito um mundo futuro no qual as profissões se aprendem por meio de ligações diretas entre computador e cérebro, para o qual é transferido o conhecimento gravado nas "fitas da educação"..Neste mundo do futuro, os dias mais importantes na vida das crianças e dos jovens são o Dia da Leitura e o Dia da Educação. No Dia da Leitura, todas as crianças com 8 anos comparecem no centro da educação da sua terra, para, por meio de fitas, aprenderem a ler e a escrever num ápice. No Dia da Educação, todos os jovens que atingem os 18 anos comparecem nos centros de educação para, pelo mesmo método, aprenderem uma profissão: metalúrgico diplomado, canalizador diplomado, programador diplomado, técnico de comunicação, especialista em gravidade, estatístico, contabilista, engenheiro civil, agrónomo, etc. Através de exames prévios são avaliadas as potencialidades dos jovens e em função dos resultados recebem, por indução através de uma ligação cérebro-computador, o conhecimento específico para a profissão adequada às suas potencialidades e pré-gravado nas fitas..No entanto, em todas as gerações existem jovens aparentemente incapazes de aprender por meio de fitas. Jovens cujas mentes não se prestam a receber qualquer espécie de saber induzido. Estes jovens são então encaminhados para a Casa dos Pobres de Espírito para aprenderem pelos métodos tradicionais, isto é, "aprender por meio de livros... aprender aos poucos... página por página..."..3. Neste mundo descrito por Asimov, o mercado de trabalho é muito amplo e estruturado, constituído por vários planetas com desiguais níveis de desenvolvimento. O planeta Terra tem o monopólio da produção de fitas da educação e exporta técnicos para os restantes planetas, que disputam entre si a captação dos melhores e mais atualizados. A Terra domina porque todos os anos introduz novos conhecimentos em novas fitas da educação, tornando obsoletos os diplomados das gerações anteriores e tornando necessário voltar a contratar profissionais formados com fitas mais atualizadas..George, um jovem em fuga da Casa dos Pobres de Espírito, tenta convencer o governante de um dos planetas a criar um novo sistema de ensino para ultrapassar a dependência do planeta Terra: "As fitas a meu ver são pouco recomendáveis. Ensinam demasiado e de uma forma demasiado fácil. Uma pessoa que aprenda dessa forma nunca mais pensará em aprender de outra maneira. Aprende num ápice (...) e fica a saber apenas aquilo durante o resto da sua vida. Aqueles que, pelo contrário, aprendem sem fitas da educação - por meio de livros - têm também a possibilidade de vir a aprender mais e de continuar a fazê-lo durante toda a vida, por força do hábito e por necessidade (...) O que interessa é que se habituem a estudar quando for necessário e não dependam toda a vida do que aprenderam aos dezoito anos!" E, mais adiante, explica ainda: "O mais importante é a habilidade de aprender mais. Um homem que aprende por si próprio tem muito mais facilidade em pensar em novos desenvolvimento e adaptações, novas técnicas que nenhum especialista atual pode sequer antecipar. Teria no seu planeta um reservatório de pensadores originais.".4. No fim, George descobre que a Casa dos Pobres de Espírito, para onde vão os jovens cujas mentes recusam conhecimentos previamente preparados, não é mais do que o Instituto de Altos Estudos onde aprendem e estudam aqueles que preparam as fitas da educação: são homens e mulheres que têm a oportunidade de ter pensamentos originais, para inventar e preparar as fitas com novas técnicas, aprendendo eles próprios por meio de livros, página a página, pouco a pouco. São eles, afinal, que ocupam o topo da hierarquia das profissões. São eles, afinal, que detêm um saber poderoso que lhes permite determinar o conhecimento a que os outros podem aceder e a vitalidade das diferentes economias..5. Mas não há nada como ler o conto original!