O debate era sobre a liberdade de expressão e de opinião. Mas houve quem talvez tivesse ido longe de mais. Quando se falava do número de violações que têm sido noticiadas em França, o filósofo Alain Finkielkraut, 70 anos, saiu-se com uma frase que chocou quem estava no estúdio e em casa a assistir ao programa de televisão: "Eu digo aos homens: violem as mulheres! Eu violo a minha todas as noites e ela já está farta", afirmou o filósofo e escritor francês, um dos convidados, quarta-feira à noite de David Pujadas no talk-show, "La Grand Confrontation" ("O Grande Confronto", em tradução livre)..No estúdio do canal LCI estava também Caroline de Haas, que não queria acreditar no que tinha acabado de ouvir. "O senhor está a insultar mulheres que foram violadas", disse a militante feminista, lembrando que, em média, todos os dias 250 mulheres são violadas na França - mais de 90 mil por ano. "Existem violações na França, senhor Finkielkraut!".Antes de proferir esta provocação, o filósofo tinha criticado a tendência do politicamente correto em relação às agressões sexuais: "Dantes falávamos de violação para denunciar a passagem ao ato: a penetração forçada. Hoje há a cultura da violação. Que engloba as piadas brejeiras, os engatatões, o toque e até ao galanteio. Haverá em França muitos potenciais violadores...", lançou Finkielkraut..A tensão já tinha subido quando se falou dos comentários polémicos do escritor e político Eric Zemmour e de uma "piada" do humorista Jean-Marie Bigard sobre violações no programa "Touche pas à mon poste!", no canal C8.."Não podemos ignorar que, quando se fazem este tipo de comentários, se banaliza a violência", disse a feminista, antes de se referir a Roman Polanski, o realizador acusado por várias mulheres de violação e que foge ao sistema judicial norte-americano desde 1978 depois de admitir ter violado uma rapariga de 13 anos. A última acusação foi conhecida na semana passada, com a francesa Valentine Monnier a denunciar o cineasta por ter abusado sexualmente dela em 1975, quando tinha 18 anos.."Quando dizemos que uma menina de 13 anos foi violada por um realizador - neste caso Roman Polanski - não foi realmente uma violação, quando você diz isso, envia uma mensagem a todas as raparigas de que isso não importa", criticou Caroline de Haas..E foi nesse momento que o filósofo deu largas ao verbo: "Violar, violar, violar! Eu digo aos homens: violem as mulheres! Eu violo a minha todas as noites e ela já está farta.".A defesa de Polanski.Alain Finkielkraut costuma defender Polanski das acusações. E na quarta-feira à noite voltou a fazê-lo. "Essa rapariga tinha 13 anos e 9 meses, não era impúbere. Ela tinha um namorado, ela teve relações com Polanski. Ele foi acusado de violação. Atualmente, ela reconciliou-se com ele. Ela implora que Caroline de Haas pare de o assediar. (...) Em nome da luta contra a violência, queremos terminar com o tribunal, porque o tribunal é contraditório. (...) Convidamos as mulheres a pararem de ir à justiça. O quarto poder [os media] está a comer o terceiro poder [a justiça]"..A audiência no estúdio reagiu chocada. As redes sociais sofreram uma avalanche de comentários a repudiar as palavras de Alain Finkielkraut e houve denúncias ao Conselho Superior do Audiovisual francês..A jurista Elisabete Brasil, da FEM - Feministas em Movimento - não tem dúvidas que as declarações do filósofo francês mostram que ainda há muito a fazer num mundo patriarcal e machista. "A liberdade de expressão não significa a ofensa de outras pessoas", afirma, sublinhando que há aqui uma interpretação contrária aos direitos humanos e ignora a abrangência das convenções internacionais..Mais: Elisabete Brasil considera que as palavras de Alain Finkielkraut são "um abuso, inconstitucionais e uma ilegalidade". "Expressões desta natureza não são aceitáveis num mundo democrático, ofende os direitos das mulheres e os direitos humanos.".Além disso, corrige o filósofo quando generaliza que hoje se atribui a expressão violação ao toque, ao galanteio, etc. E explica que o Direito tem vindo a explicitar vários tipos de crime, dando como exemplo a coação sexual, o assédio, a importunação sexual.