A capa da última investigação da historiadora Irene Flunser Pimentel só tem dois nomes de mulher, o da própria e o de Madalena Oliveira. A autora tem sido uma estudiosa do tema PIDE e Madalena a famosa Leninha da PIDE, uma das mulheres que na polícia de Salazar se equiparava aos piores torturadores homens..Mesmo assim, Madalena não tem grande espaço neste seu novo livro, Os Cinco Pilares da PIDE , porque, apesar de ter lugar na narrativa devido ao seu papel, não regista tantas responsabilidades como os cinco homens escolhidos a dedo para estas cinco biografias. No entanto, apesar de serem quase ignoradas na estrutura, Irene Pimentel reconhece função das mulheres na organização repressora: "É uma minoria." Uma situação que tem que ver com o regime e o papel destinado às mulheres: "Sobretudo em casa.".A partir dos anos 1960, explica, a realidade mudou e deixaram de ser apenas telefonistas e escriturárias: "Era o sinal dos tempos, pois muitos homens foram mobilizados para a Guerra Colonial e recorreram às mulheres. Que torturaram tanto mulheres como homens e, sendo caso minoritário, também aconteceu na PIDE utilizar-se torturas sexuais.".A opção da autora para a seleção dos biografados é clara: "Escolhi homens porque as mulheres não foram pilares e a própria Madalena, que foi muito conhecida entre os presos e apanhou uma pena grande quando comparada com outros pides a seguir ao 25 de Abril quando foi julgada, não se pode considerar um pilar." Contudo, é um dos exemplos que permite a Irene Pimentel afirmar: "As mulheres da PIDE também torturavam como os homens.".A participação feminina não está esquecida no livro, tanto que na extensa introdução surge estudado o papel das mulheres no nazismo: "Uma abordagem com mais nuances mostrou que muitas alemãs tiveram um papel ativo." As novas investigações históricas, acrescenta, são fundamentais para perceber "como os seres humanos com poder são capazes de fazer violências sobre outros seres humanos". Exemplo: "Neste momento, há uma historiografia do nacional-socialismo sobre perpetradores e publicam-se biografias desde os mais importantes aos anónimos da retaguarda.".Recorrendo à frase de Simone de Beauvoir, "Não se nasce mulher, mas torna-se mulher", Irene Pimentel utiliza-a também para considerar que "não se nasce torcionário, mas um ser humano pode transformar-se em torturador". Para tal são fundamentais as circunstâncias: "Em democracia, muitos dos elementos da PIDE não iriam atuar daquela maneira", sendo que "certas técnicas de treino deliberadas podem contribuir para criar carrascos.".Daí que certas situações políticas ditatoriais da atualidade a façam recear que se potenciem torcionários e assassinos: "Ainda estamos numa fase a que muitos chamam pré-fascista ou, se tivermos pruridos, de extrema-direita. As situações nunca são iguais e a história, sendo preventiva e por mais que se fale sobre certos assuntos, não dá lições. Não saber do passado é muito pior.".1. Perfume chegava antes de Sacchetti.José Barreto Sacchetti é para Irene Flunser Pimentel um dos cinco pilares da PIDE. Dirige com Agostinho Barbieri Cardoso e Álvaro Pereira de Carvalho os principais serviços da organização e "deram a imagem que se tem da PIDE". Será despedido por Marcelo Caetano em 1969 porque o sucessor de Salazar "quer dar outro perfil à PIDE/DGS" e fugir da ligação direta entre governante e instituição como acontecia com o antecessor, que a usava como "o instrumento repressivo contra adversários políticos mais diretos, além da censura e dos militares, e através da qual podia saber tudo". É dos biografados o único que não está envolvido no assassínio de Humberto Delgado.."Nasce em 1906 numa família da pequena aristocracia provinciana. Podia ter estudado mas não frequenta a universidade, por falta de interesse..Ia para a PIDE ou para o seminário, a saída para os menos favorecidos, ou para as Forças Armadas. Vai para esta, pois tem medo de ir para a guerra e depois para a GNR. Mais tarde, nos anos 1950, integra a PIDE porque lhe dá mais dinheiro e calma do que as outras polícias. É um indivíduo de uma certa mediocridade inicial, mas por ser oficial vai diretamente para inspetor em Coimbra e depois diretor dos Serviços de Informação. Molhava as mãos nos interrogatórios e dava as ordens. É conhecido por muitos presos políticos devido ao seu perfume nas rondas que fazia depois de ir a uma boate perto da sede da PIDE para ver o que se passava nas salas de interrogatório. O perfume era também uma tática de interrogatório porque os presos estavam sujos e ele marcava a diferença num processo de desumanização do preso político..Destaca-se por ser um elemento muito hipócrita e que todos os presos políticos conheceram, sobretudo estudantes e intelectuais - não os assalariados rurais que deixava para outros. Era um autêntico dandy e todos sabiam que era quem dizia "dê cabo do homem"..Preso no 25 de Abril durante muito tempo, nunca é julgado e justifica a ação de forma moral: "Fui educado na moral e na religião; jamais poderia ter feito o que me acusam." Morre aos 102 anos.".2. O amigo de Salazar e da cunha."Nasce em 1907 numa família da pequena aristocracia lisboeta. Agostinho Barbieri Barroso tem ascendência italiana [como Sacchetti] e é próximo de Salazar, a quem escrevia particularmente e metia cunhas para a família toda. Poliglota, não tirou curso superior e vai para a tropa onde seria oficial e teria soldados a limpar-lhe as botas..Entra na PIDE em 1948 como inspetor e numa posição preponderante, até que em 1960 tem uma questão com diretor devido ao seu poder e sai da organização. Regressa em 1962 e torna-se o verdadeiro diretor, responsável pelos Serviços de Informação..Destaca-se pelos contactos nas polícias e serviços secretos europeus. Desconfia da CIA porque no tempo de Kennedy a agência critica as colónias..Nunca é preso porque está em França numa reunião da NATO e é informado pelos serviços secretos franceses do que se passa no dia 25 de Abril. Fica em Paris sob proteção e continua a atuar contra Portugal ao tornar-se chefe da informação do Exército de Libertação de Portugal em 1975 e com um papel no golpe do 11 de Março de 1975. É julgado à revelia pelo caso Delgado e volta nos anos 80, mas nunca é preso.".3 Carvalho é preso após dar pista."Nasce em 1920 na Figueira da Foz e é entre os cinco o pide de origem mais obscura. Álvaro Pereira de Carvalho tem pais de classe média e ainda cursa a faculdade, mas opta por seguir a vida militar. Entra como inspetor e não tem cargos de chefia..Destaca-se nos Serviços de Informação, onde é muito apreciado. É chamado a dirigir os serviços em 1962, proposto por Silva Pais e no qual Salazar teria tido mão. Era o verdadeiro homem da inteligence e o que mais sabia sobre métodos de abertura de correspondência e da rede de informadores. É o autor de um célebre documento relativamente à PIDE e as empresas portuguesas, sendo que após a Revolução de Abril defende-se - tal como Silva Pais - com o argumento de que tentou nos anos 70 transformar a DGS numa organização só de serviços de informação e que seria a Judiciária a realizar a investigação, a repressão e a tortura..Não é preso na sequência do 25 de Abril e continua a trabalhar para os militares no processo de extinção da PIDE/DGS. Será detido posteriormente e, mesmo com um processo instruído, continua a colaborar. A sua prisão deve-se ao facto de os militares que ocuparam a sede na Rua António Maria Cardoso e Caxias quererem investigar a Aginter Press após se terem apercebido de que os membros fugiram todos. Carvalho dá a certa altura a informação que possibilitou a um dos militares ir direito aos arquivos com a documentação da Aginter Press e a Comissão de Extinção da PIDE/DGS prende-o, mesmo que continue a colaborar com as Forças Armadas.".4. O tarimbeiro Rosa Casaco."Nasce em 1915, perto de Abrantes. António Rosa Cavaco é filho ilegítimo e nota-se pela sua vida que a PIDE é uma saída para pessoas sem possibilidades de continuar a estudar. Há também um lado psicológico de humilhação na sua origem: é filho de um doutor e da empregada doméstica, o pai nunca o reconhece, desprezando-o, e o filho odeia-o. O próprio nome é inventado por ele. É dos primeiros a chegar à PIDE nos anos 1930 e faz uma escolha ideológica típica a partir de 28 de Maio e, sobretudo, do salazarismo..Destaca-se porque é o tarimbeiro típico. Faz de tudo na PIDE: está na escuta telefónica, na intersecção postal, nos serviços de informação... Mas tem outras características que o elevam ao estatuto de correio direto entre Salazar e o embaixador em Espanha de Franco. É aquele que dentro da organização tenta ascender e consegue à custa de trabalho. Não entra como inspetor, mas chega lá. Não vai mais longe porque em 1970 é castigado por ter-se metido no caso Matesa. É muito corrupto, aliás, também uma característica de vários colegas. Assume que foi essa a parte negra da sua história pessoal, como a de muito que colaboram com o regime para enriquecer e ter poder, como é o caso de Pereira Carvalho - que tinha empresas com outros elementos da PIDE. Ainda é transferido para o Porto, que nunca chefia. Sente-se humilhado e detesta os superiores..Foge da cadeia no Porto onde estava com outros pides após o 25 de Abril, "libertados" pelos militares numa fuga coletiva. Escapa-se para Espanha, daí vai para a República Dominicana e Brasil, regressando a Espanha. Torna-se uma das figuras mais conhecidas entre os pides por ter assumido em entrevista muito do que fez - e não fez. Volta ilegalmente a Portugal, fazendo-se fotografar como prova, mas nunca é preso. Muitas das acusações caem e nunca foi extraditado de Espanha.".5. Casimiro está onde há morte."Nasce em Goa em 1920, de mãe indiana e pai de Chaves, militar colocado no território. É, reconhecidamente, um bandido desde sempre, sendo procurado pela polícia por várias questões e preso em Inglaterra por ter assaltado casas. Em Goa é conhecido por roubar armas, ter desertado e feito raptos de independentistas; está na Guerra Civil de Espanha com os franquistas. É julgado e detido na Trafaria, após o que será recrutado pela PIDE nos anos 60..Destaca-se na PIDE por ser o elemento que matou Humberto Delgado, integrado inesperadamente numa brigada quando estava para partir para Moçambique. Atribui-se-lhe também o assassínio de Eduardo Mondlane com um livro armadilhado, tendo participado em atividades terroristas na Tanzânia. Pode dizer-se que quando há mortes, ele está sempre presente..Foge no 25 de Abril e vai para a África do Sul, onde acabará na miséria.