"As mulheres assumem posições de relevo, mas mantêm uma agenda familiar muito intensa"

A sobrecarga que, genericamente, as trabalhadoras têm resulta de "uma matriz cultural forte" que empurra a mulher para o papel de cuidador. Marta Pimentel, da Nova SBE, fala sobre a importância da consciencialização coletiva e do papel da educação neste tema.
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"Sou portuguesa nascida em África, formei-me em psicologia e sempre trabalhei no setor da educação", começa por enquadrar Marta Pimentel, atual Executive Education Director na Nova SBE. Após uma experiência na Fundação Dom Cabral, no Brasil, regressou a Portugal pouco antes do início da pandemia para continuar a trabalhar o tema da diversidade nas organizações. E explica por que razão é este tema tão importante para si. "Desde cedo assumi funções de liderança. Foi logo na minha primeira experiência profissional, no IPAM, onde assumi funções de direção", conta ao DN. Este primeiro contacto com o mundo de trabalho fê-la sentir-se desconsiderada em reuniões com colegas. "Era a combinação perfeita: era jovem e, portanto, com pouca credibilidade, era psicóloga e, por fim, era mulher", enumera. "Cada vez que me sentava numa reunião, falava e as pessoas ouviam por respeito, mas não levavam minimamente em consideração o que dizia", aponta.

Aquilo que pode parecer apenas falta de confiança ou inexperiência profissional, é, na verdade, o reflexo de uma diferença cultural que Marta Pimentel diz existir entre homens e mulheres. "As mulheres têm de se sentir superpreparadas", observa, detalhando como este traço se traduziu na sua vida profissional. "Fui fazer um MBA, na Porto Business School, depois fiz o meu mestrado e o meu doutoramento. Cheguei ao fim e pensei: agora não há tema da gestão a que não esteja à altura de responder". Esta experiência vivida na primeira pessoa ajudou a psicóloga de formação a desenhar vários programas de formação para a liderança no feminino, como o Promova. Este projeto, desenvolvido pela CIP em parceria com a Nova SBE, junta os ingredientes considerados fundamentais para não só reforçar as competências técnicas das participantes, mas sobretudo para contribuir para o seu desenvolvimento pessoal que, sublinha Pimentel, é essencial para o sucesso laboral.

Sobre os desafios habitualmente colocados às trabalhadoras, a especialista não tem dúvidas de que o "papel cuidador" tradicionalmente atribuído às mulheres dificulta o seu percurso profissional. "As mulheres hoje assumem posições de relevo em empresas, mas simultaneamente mantêm uma agenda familiar muito intensa. Há estudos que mostram que, em média, uma mulher que trabalhe tem ainda um segundo turno de três a quatro horas com questões domésticas. É uma carga muito significativa", considera. É também por estas razões que acredita ser importante as organizações assumirem a paridade de género como parte da sua estratégia, definindo caminhos para a atingir e, acima de tudo, objetivos concretos a cumprir. "Este equilíbrio [entre vida pessoal e profissional] é historicamente difícil de conseguir", complementa.

Apesar de se assumir como "autoconsciente" nesta problemática, Marta Pimentel assume que o peso cultural e educacional leva a que, por vezes, ajude a "perpetuar este tipo de comportamentos". "Tenho dois filhos, mas muitas vezes peço à minha filha para me ajudar com as compras e não ao meu filho. É uma matriz cultural forte", analisa. Também por isso, a Executive Education Director acredita ser importante que a dimensão do desenvolvimento pessoal seja, cada vez mais, parte do currículo académico dos jovens estudantes. "As escolas hoje, e vejo que a [Universidade] Nova faz isso nas licenciaturas, procuram incluir esta vertente", diz. O papel transformador da discussão e análise de temas tão complexos como a igualdade de género é, para a profissional, evidente com a experiência que tem acumulado no Promova. "A maioria das lideranças que chegam ao programa são completamente contra a ideia de quotas. É engraçado porque quando o tema é discutido, há uma mudança de perspetiva sobre a questão. Há uma tomada de consciência e isso é um passo muito importante", assinala.

Por outro lado, Marta Pimentel sublinha que as mulheres e as empresas que participaram na iniciativa são importantes porque dão o exemplo às restantes organizações. "As médias empresas inspiram-se muitas vezes nas maiores para conseguirem avançar nestas questões", remata.

Enquanto instituição de ensino superior, a Universidade Nova de Lisboa anunciou, em dezembro, a implementação do seu Plano de Igualdade de Género. "É constituído por dez medidas nas quais se pretende alcançar um conjunto de 44 objetivos", lê-se na nota pública, que sublinha o alinhamento com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. O equilíbrio trabalho-família, a representatividade em cargos de liderança ou a igualdade no recrutamento são apenas alguns exemplos destacados.
O compromisso não é, no entanto, novo. Desde 2019 que a Nova participa no SPEAR - Supporting and Implementing Plans for Gender Equality in Academia and Research para "melhorar a representatividade das mulheres nos cargos de chefia". Este novo plano será, garante a organização, monitorizado para garantir o seu sucesso e a sua efetividade.

dnot@dn.pt

Com o apoio CIP/CGD/Fidelidade/Luz Saúde/Randstad

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