Para elas, a "chama do sindicalismo" nasceu na infância. O sonho de Lucinda Dâmaso, de 66 anos, era ser professora. Chegou a sê-lo, mas deixou tudo para se dedicar à causa sindical, quando as responsabilidades apertaram - até a possibilidade de constituir família. "Não me arrependo", apressa-se a dizer. Atualmente, é presidente da União Geral de Trabalhadores (UGT) e apenas a segunda mulher neste cargo desde o início da história da organização, nascida em finais dos anos 70..À sua semelhança, Ana Avoila, também ela com 66 anos, fez do sindicalismo uma das suas grandes prioridades de vida. É hoje coordenadora da Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública, a maior federação da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses (CGTP). Ambas estão conscientes do peso que têm na história, a mesma história que durante anos se contou maioritariamente no masculino. E, para elas, gritar pelo 1.º de Maio, conhecido como Dia do Trabalhador, é cada vez pedir uma voz para as mulheres portuguesas..Ainda que garantam que o número de mulheres nos principais organismos internos das duas centrais sindicais tem registado melhorias ao longo dos anos, a representatividade entre género está longe de ser equilibrada. Na UGT, contabilizam-se 34 mulheres entre os 114 membros de vários organismos, entre secretariados, conselho geral, de disciplina e de fiscalização. Assim sendo, apenas 29,8% dos trabalhadores são mulheres..Já na CGTP, são 11 entre os 35 da Comissão Executiva (9 em 29) e do Secretariado do Conselho Nacional (2 em 6) - os únicos núcleos internos da confederação que dispõem publicamente de informação sobre o número e o nome dos seus membros. Nestes dois núcleos, as mulheres ocupam 31,4% dos cargos..Ainda que as mulheres não preencham sequer metade destes lugares, Lucinda Dâmaso acredita que há "claramente" uma maior preocupação em ter mulheres em determinados lugares. "Elas começam a ocupar lugares que não há muito tempo só eram ocupados por homens. Antes, via-se as mulheres muito ligadas ao setor social e agora elas estão também na parte de negociação coletiva", relata. Na perspetiva da sindicalista, a questão da igualdade de oportunidades e de progressão na carreira é mais do que uma questão "de mulheres para mulheres", é "uma questão social" e "um caminho que tem mesmo de ser feito, apesar de difícil"..O sonho revolucionário de Lucinda nasceu antes de Abril.Antes de Lucinda, já Manuela Teixeira tinha dado início à história, como a primeira mulher a presidir à UGT. A atual presidente, que diz nunca ter sonhado com a ideia de se tornar a sucessora desta antiga dirigente, tinha, no entanto, o destino escrito na pedra.."Sempre tive a chama do associativismo", começa por relatar. Muito devido aos pais, "especialmente a mãe", que lhe "incutiram sempre a participação social", ainda o Abril dos cravos não era um projeto. Contudo, foi apenas só depois da revolução que se sindicalizou, logo no primeiro dia em que ganhou "condições para trabalhar". "Tive sempre a consciência de que sozinhos não fazemos nada nem vamos a lado algum e que o associativismo é importante", conta..Daqui à participação ativa em sindicatos foi um pequeno e breve passo, mas que diz ter acontecido "por acaso". "Pelos meus 20 e muitos anos, uma amiga cruzou-se comigo e perguntou se eu queria ser delegada sindical. Comecei a gostar do que fazia, de me sentir útil - ainda hoje o sinto", disse..Lucinda Dâmaso acumula as funções de presidência na UGT, atualmente a meio do seu segundo mandato, com as de dirigência dos Sindicatos de Professores da Zona Norte, em que começou por juntar as suas duas paixões. Durante muitos anos - não sabe precisar quantos e diz-se "má" com datas -, lecionou disciplinas da área de economia a alunos da Escola Secundária Aurélia de Sousa, no Porto. Mais tarde, teve de fazer opções e deixar o ensino para trás. A partir de uma determinada altura, "começou a ser impossível conciliar o ensino com o sindicalismo". "Chorei muita lágrima quando tive de deixar a escola e os meus alunos", conta. Mas a outra missão falou mais alto..A dirigente sindical diz-se não só defensora dos direitos laborais mas também das questões de igualdade de género, por isso sente o peso de ser mulher no cargo que exerce e, por isso, também considera que os sindicatos devem dar o exemplo. Quanto ao executivo da UGT, diz que a paridade está garantida - em nove dos membros, quatro são mulheres. O mesmo já não acontece nos "outros órgãos de secretariado nacional e conselho geral", embora "já se note um crescendo de mulheres", relativamente ao passado. Ainda assim, critica o facto de ainda haver "determinados sindicatos onde são muito poucas as mulheres nas direções".."O meu sindicato (de professores) tem um número elevado de mulheres. Muito porque a educação tem mais mulheres do que homens, sim, mas há sindicatos de professores em que isto não acontece", repara. Por outro lado, recorda, "ainda na passada sexta-feira tomou posse uma mulher de um sindicato da UGT, o Sindicato dos Bancários do Centro, para um segundo mandato" - a economista Helena Carvalheiro. Um sindicato "em que a maioria dos associados são homens". São, aliás, nove em 66 membros dos principais organismos internos. "Parece algo pequeno, mas é um avanço", remata..Foi o Alentejo "da PIDE" que levou Ana à luta.Ana Avoila lembra-se como se fosse hoje, apesar de já terem passado cerca de 60 anos desde essa altura. Era a miúda sempre de dedo no ar e "espírito crítico" apurado, recorda. Mas sê-lo antes do 25 de Abril, disse, não era tarefa fácil. Contudo, foi o que viveu antes desta revolução que a fez tornar-se sindicalista e viver disso mesmo, apesar de uma licenciatura em Direito.."Desde miúda, fui sempre muito participativa, porque me apercebi rapidamente dos problemas à minha volta", conta. Nasceu e cresceu no Alentejo, numa aldeia "toda branquinha", mas pintada com "mensagens" que se espalhavam pelas paredes. Ora "abaixo o fascismo" ora "abaixo o Salazar"..Da sua janela, viu a PIDE castigar muitos e a GNR "a entrar com cavalos para prender" tantos outros. "Uma data de gente", lembra. "Nem todas, mas grande parte das crianças (eu inclusive) apercebemo-nos do que se passava, dos problemas que nos rodeavam. Sentia-se dentro e fora das escolas." Por isso, Ana escolheu lutar contra eles, envolvendo-se nos sindicatos..Quando tinha apenas 24 anos, foi eleita delegada sindical na antiga caixa de previdência do comércio. Aos 31 dá o salto para os sindicatos, até chegar à Frente Comum, como coordenadora, e por isso ganhar um assento na comissão executiva da CGTP. É uma das nove mulheres neste organismo, entre 20 homens..Europa cada vez mais feminina, mas longe da perfeição.O que Ana Avoila e Lucinda Dâmaso dizem encontrar atualmente nas suas centrais sindicais é o reflexo do que se regista um pouco por toda a Europa. De acordo com um estudo de 2018 da Confederação Europeia dos Sindicatos (ETUC), organização sindical que representa os trabalhadores a nível europeu, a proporção média de mulheres membros nas confederações é de 46,1%..A maioria das 39 confederações que participaram no estudo relatam mesmo um aumento do número de mulheres afiliadas. O que o próprio estudo justifica pelo recrutamento de membros cada vez mais abrangente, para diversas e vastas áreas. E 11 das 39 confederações questionadas têm uma mulher como líder principal. São elas a ACV/CSC (Bélgica), onde a liderança é compartilhada, LIGA (Hungria), ICTU (Irlanda), CGIL (Itália), CISL (Itália), LPSK/LTUC (Lituânia), UNIO (Noruega), YS (Noruega), ZSSS (Eslovénia), TCO (Suécia) e TUC (UK)..A representação feminina nas centrais sindicais pode já ser mais significativa do que há décadas, mas ainda está longe da perfeição. O espelho do que se vai passando em várias áreas da sociedade. Ainda que os números possam variar de país para país e de organização para organização, tradicionalmente as mulheres ganham menos do que os homens (em Portugal, a disparidade salarial ultrapassa os 16%) e mais dificilmente chegam a cargos de chefia..Em 2017, Portugal tinha apenas 36% de mulheres em cargos de gestão, contra 64% de homens, em linha com a média da União Europeia. Mas tinha a quarta menor taxa (10%) em cargos executivos em 2018, segundo o Eurostat.