As Forças Armadas têm uma nova escola de drones e está no meio no Atlântico
Samuel Aldinhas e Carlos Pinto, sargentos da Força Aérea e do Exército, respetivamente, estão focados no comando ao estilo de Nintendo ou PlayStation que têm nas mãos e vão seguindo o trajeto do drone que acabaram de lançar.
Este é um dia especial, ou melhor, uma noite. Estão na Eira das Moças, a quase 1000 metros de altitude, onde está situada a Torre de Vigilância da Cruz das Moças, ocupada pela Polícia Florestal, e têm de mostrar a um grupo de convidados VIP, incluindo do governo regional a capacidade do drone do Comando Operacional da Madeira (COM), equipado com câmaras térmicas, para detetar focos de incêndio à noite, o período identificado como de maior risco naquela zona.
Estão, entre outros, a secretária regional do Ambiente, Recursos Naturais e Alterações Climáticas, Susana Prado, o diretor do Instituto das Florestas e Conservação da Natureza, Manuel Filipe, o comandante do Comando Operacional da Madeira (COM), Almirante João Dores Aresta, elementos da Proteção Civil e da Polícia Florestal.
Todos de olhos postos no céu repleto de estrelas acompanham uma outra, artificial, com rasto de luz a subir verticalmente devagar (estes drones têm como particularidade não precisarem de pista para aterrar, nem para levantar), e depois a sumir-se na escuridão.
Os olhos pousam agora no pequeno ecrã que Aldinhas segura com as duas mãos. O tracejado luminoso indica o percurso da pequena aeronave que já testaram sob vento e granizo e resistiu. Regressa passado um pouco sem nada a reportar e torna a levantar. Nada a registar.
"Pinto levanta outra vez, levanta outra vez! Só o facto de verem essa luz forte no ar e esse zumbido já assusta potenciais incendiários", exclama o Almirante, que não esconde o seu orgulho, mas também alguma ansiedade sobre as consequências daquele momento.
Pode significar mais um avanço nas parcerias que tem estado a desenvolver com as autoridades locais para que os drones que fazem parte do COM possam ser utilizados ao serviço, quer dos militares, quer das autoridades civis.
Mais do que isso, quer que o plano que tem em mãos possa funcionar como um embrião de algo muito maior, a nível nacional: a criação um centro de excelência para a inovação e investigação no desenvolver drones, adaptando-os às necessidades que forem sendo identificadas, e de formação / investigação para operadores / pilotos dessas aeronaves cujo desígnio será também o de servir missões militares e civis.
"Este novo conceito de sistemas aéreos não tripulados está a arrancar na Madeira e, em breve, nos Açores, com recurso ao emprego de drones do tipo Matrice; no continente será com os drones de maior dimensão Ogassa (adquiridos pela Força Aérea no verão do ano passado), diz.
Aldinhas e Pinto, formados pela esquadrilha de helicópteros da Marinha, na base do Montijo, são a primeira dupla de operadores do recém-criado "Núcleo de Iniciação à Operação e Experimentação de Sistemas Aéreos Não-Tripulados" (a que chamaremos "Escola de Drones").
Em março começaram treinar (iniciação à operação em segurança) elementos da Proteção Civil, PSP e Polícia Marítima da Madeira e a três militares que foram operar uma destas aeronaves na missão nacional na República Centro Africana .
O arranque pouco feliz - cujos contornos e responsabilidades ainda estão por apurar - do sistema de drones da Força Aérea, com 12 aeronaves compradas por 4,5 milhões de euros que ainda não estão todas ao serviço com as suas capacidades operacionais totais previstas no contrato, levou o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA) liderado pelo Almirante Silva Ribeiro a assumir a gestão e o desenvolvimento desta nova capacidade com um objetivo primordial: que todos os drones possam ser utilizados pelos três Ramos, tanto em missões estritamente militares, como nas do chamado duplo-uso, no apoio à Proteção Civil ou Forças e Serviços de Segurança de acordo com a lei.
A inédita missão de operacionalizar este conceito, através da "Escola de Drones", foi entregue a João Dores Aresta, um Oficial General da maior confiança de Silva Ribeiro (foi seu chefe de Gabinete quando era Chefe de Estado-Maior da Armada).
No renovado Centro de Operações do COM - que foi preparado para funcionar como redundância do Comando Conjunto de Operações Militares (CCOM) do EMGFA, em Lisboa - Aresta, rodeado por oficiais representantes do Exército, Força Aérea e Marinha explica, numa apresentação preparada para o DN, o que a sua equipa tem estado a fazer.
"Além do apoio militar a emergências civis, com a construção de drones com capacidades civis e militares, estamos também a trabalhar na criação de um centro de excelência para desenvolver tecnologia robótica submarina. No futuro teremos um cento de testes e de treino operacional para todos os drones das Forças Armadas, sempre com a utilidade civil adaptada", assinala.
Citaçãocitacao "É muito importante que os Ramos nos acompanhem neste esforço. Os meios existem e estão à disposição. Há que haver operacionais".
Mas para isso, adverte este Oficial-General "é muito importante que os Ramos nos acompanhem neste esforço. Os meios existem e estão à disposição. Há que haver operacionais".
A "Escola de Drones" pretende garantir o treino dos operadores das aeronaves não tripuladas para apoio a entidades civis, mas também, revela João Aresta, "preparar os militares que possam vir a ser projetados nos diversos teatros de operações onde estão empenhadas as nossas Forças Nacionais Destacadas".
É que estes drones, além da utilização demonstrada na prevenção e dissuasão de incêndios pela sua ampliada capacidades de realizarem voos noturnos, sem sequer necessitarem de pistas, podem funcionar como uma espécie de "drone-espião" aproveitando as suas características para recolher imagens ou outras informações para avaliação de riscos na programação das operações nos territórios estrangeiros onde estão os militares portugueses.
Um deles já está na República Centro-Africana e isso mesmo foi demonstrado numa ligação em direto, testemunhada pelo DN, a partir do Centro de Operações para o quartel-general os estão os militares portugueses em Bangui. No ecrã foi possível ver imagens em tempo real filmadas pela aeronave no perímetro das instalações. Foi também feita uma ligação ao drone (do grupo dos 12 adquiridos pela Força Aérea) que está a operar a partir de Beja.
O posicionamento geoestratégico da Madeira foi um ponto de partida para instalar a "Escola", mas o que ajuda mais é a abertura das entidades madeirenses, a vários níveis, em relação a esta iniciativa.
Em julho o EMGFA assinou o protocolo "Sentinela Atlântica" com o Governo Regional, a Universidade da Madeira e a Agência Regional para a Investigação, Tecnologia e Inovação visando criar "um polo internacional de excelência, dedicado ao desenvolvimento de tecnologias robóticas" para monitorizar o oceano atlântico e proteger os seus recursos naturais.
Por brio ou perseverança, depois da comitiva deixar o local, Aldinhas e Pinto ainda ficaram mais uns minutos na Torre, com a polícia florestal, apesar do vento gelado que se sentia.
Estávamos a chegar ao Funchal, depois de descer a tortuosa serra de estradas de curvas estreitas e íngremes, quando fomos informados através de um telefonema que tinham detetado dois focos de incêndio.
A deteção, informou o COM, "foi prontamente relatada à Polícia Florestal, que comunicou às restantes autoridades a ocorrência, tendo sido deslocados para o local bombeiros e efetivos policiais, que tomaram conta da ocorrência".
Ficaram demonstradas "as capacidades tecnológicas verdadeiramente diferenciadoras, que equipam os drones do COM, nomeadamente câmaras térmicas e câmaras de visão noturna, para deteção e registo, e feixes laser para determinação de distâncias", uma mais-valia que "neste momento só os drones militares dispõem".
A parada do quartel-general do RG3 (Regimento de Guarnição nº3) estava preenchida com vários grupos de militares em sentido, veículos, armas de toda a espécie e outros equipamentos.
Na revista, acompanhada pelo DN, o tenente-coronel Hugo Ferreira, comandante de operações, foi descrevendo o que estávamos a ver, explicando as funções e capacidades de cada uma das componentes que serve na Madeira, um Exército, à escala da ilha (tem cerca de 600 militares) no qual pouco ou nada falta.
Na frente, de cara pintada de verde, a companhia de atiradores, ao lado das novas espingardas de assalto Scar (que vieram substituir as históricas G3), mais à frente as esquadras de reconhecimento e anti-carro e as secções de vigilância e antiaérea.
No quadrado que constitui a parada estão tendas médicas, de alojamento, de alimentação, tanques de água, carrinhas , ambulâncias e camiões de transporte de passageiros e carga. Alinhados com o equipamento laranja está o pelotão de busca e salvamento, o da evacuação e apoio sanitário e o de remoção e limpeza.
Estes últimos, nas suas ações frequentes de apoio à Proteção Civil têm ganho visibilidade e popularidade entre os jovens madeirenses. Com a pandemia essa notoriedade ampliou-se, devido ao apoio às autoridades de saúde nos rastreios, na marcação de testes e até na preparação dos kits de testagem, como o DN pode confirmar in loco naquelas instalações militares.
Não é por acaso que, tal como atesta o 2º comandante do RG3, coronel Luís Santos, "tem sido notório o aumento de candidatos ao Exército na Madeira".
Os números facultados posteriormente ao DN pela porta-voz do Ramo confirmam que esta subida é mesmo superior (o dobro) à média nacional: entre 2019 e 2020 o número de candidatos na Madeira subiu de 179 para 304 (mais 40%), enquanto que a nível nacional o aumento foi de 19% (de 5602 para 6675).
O Comando da Zona Militar da Madeira (CZMM) tem como competências, entre outras, "colaborar em ações de apoio ao desenvolvimento, bem-estar e apoio militar de emergência, incluindo o apoio ao Serviço Regional da Proteção Civil da Região Autónoma da Madeira; assegurar a ligação com as forças de serviços de segurança e proteção civil, em coordenação com o Comando das Forças Terrestres e os Comandos Operacionais das áreas em que se inserem.
Além, claro, das funções estritamente militares de vigilância e controlo do arquipélago e de treino dos militares.
Na altura da visita, estava a decorrer a desmobilização do pelotão "Mobile " que regressou do Afeganistão e estava também em curso o o aprontamento de um pelotão para Tavira no âmbito do Plano de Apoio Militar de Emergência do Exército. valentina.marcelino@dn.pt
Não é grande, pelo contrário, a sala do Comando da Zona Marítima da Madeira (CZMM) onde está instalado o posto de comando destes militares, no centro do Funchal.
Mas tem uma gigantesca "janela" para milhares de quilómetros no Atlântico - que têm de monitorizar e onde têm frequentemente de entrar em ação nas operações de busca e salvamento - constituída pela parede repleta de ecrãs.
Oversee, Seavision, EMSA, Equasis, Costa Segura são os sistemas que constituem as mais poderosas ferramentas tecnológicas para controlar o que se vai passando naquela parte do oceano sob a sua responsabilidade.
Desde a simples observação em direto, com câmaras e sensores, à ligação a satélites, através do Costa Segura, como todo o trajeto, paragens e até todo o histórico da navegação que pode ser consultado um ano para trás, que é facultado pelo Oversee.
"Há padrões conhecidos e se algum navio sai desse padrão terá como consequência o correspondente alerta, tendo em conta a gravidade do caso", explica o capitão-de-fragata Raul Rissos, comandante dado CZMM.
À Madeira correspondeu uma uma parcela de 10.834 km2 do mar territorial português. O CZMM tem como tarefas principais a fiscalização dos espaços marítimos, a deteção e combate de ilícitos, busca e salvamento, a coordenação do plano de resgate em massa para os navios-cruzeiros e o combate à poluição.
Citaçãocitacao "A Madeira encontra-se, em relação as ilhas Canárias, a quase metade da distância de Lisboa e está mais perto do continente africano do que do continente europeu. Isto pode ser apenas uma curiosidade, mas talvez deva ser também um motivo de reflexão sobre as os riscos ou ameaças que daí poderão advir"
"Esta área tem uma elevada concentração de tráfego marítimo e é um grande desafio manter a vigilância e a soberania nacional em toda a sua extensão desta área", frisa o comandante do Comando Operacional da Madeira, Almirante João Aresta.
Lembra que "a Madeira encontra-se, em relação as ilhas Canárias, a quase metade da distância de Lisboa e está mais perto do continente africano do que do continente europeu. Isto pode ser apenas uma curiosidade, mas talvez deva ser também um motivo de reflexão sobre as os riscos ou ameaças que daí poderão advir".
O CZMM tem cerca de 130 militares, contando com os 27 no navio -patrulha NRP Douro que está atribuído a este Comando (mas que será substituído em breve por um patrulha oceânico, o NRP Sines, devido a um surto de covid-19 no NRP Douro).
Este ano, até julho, foram registadas 108 ocorrências no mar sob a responsabilidade deste comando.
valentina.marcelino@dn.pt