As crises favorecem quem está no poder, mas muito depende do grau de destruição que acontecer na Ucrânia

Emmanuel Macron, Boris Johnson, Olaf Scholz,Viktor Órban ou Joe Biden, entre outros, fizeram voz grossa contra Putin e mudaram estratégias de política externa. Sairão bem-vistos aos olhos dos respetivos eleitorados?
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A invasão da Ucrânia pela Rússia tem efeitos colaterais no resto do mundo de forma transversal e um forte impacto político, sobretudo para os líderes acabados de chegar ao poder, como o chanceler alemão Olaf Scholz, ou para os que enfrentam eleições a breve trecho, como o presidente americano Joe Biden ou o francês Emmanuel Macron. Mas que efeitos são estes?

"Normalmente as crises favorecem quem está no poder, porque têm a oportunidade de falar em nome do Estado", afirma ao DN o antigo presidente da Fundação Luso-Americana, Vasco Rato. A mesma ideia é defendida pelo politólogo António Costa Pinto, para quem "este tipo de acontecimentos potencia, a nível nacional, as opções pela estabilidade".

Mas, adverte Vasco Rato, o que parece ser positivo para alguns líderes mundiais pode virar-se contra eles "se as coisas não correrem bem na Ucrânia e houver uma chacina do povo ucraniano. Isso pode gerar um sentimento de impotência junto do eleitorado". Por isso, "é muito cedo para saber as consequências que irá ter neste domínio".

O antigo embaixador na Nato António Martins da Cruz admite, no entanto, que a crise ucraniana terá impacto, por exemplo nas eleições presidenciais francesas, que são já em abril, e que será tema de campanha. Entende que o recandidato Emmanuel Macron beneficiou de alguma liderança do pré-conflito ao ter ido a Moscovo falar com Vladimir Putin, por exemplo.

"Macron já está reeleito, ninguém vai mudar um presidente no meio de uma guerra", afirma Álvaro Beleza, presidente da SEDES.

O que também é subscrito por António Costa Pinto, embora sublinhe que "a esfera política nacional de cada país é determinante nas eleições". E sublinha que "convém não subestimar as respostas imediatas que irão ser dadas à subida de custo de vida associado à guerra".

Outro "beneficiário" político na Europa com esta crise é, unanimemente considerado, o novo chanceler alemão, Olaf Scholz.

Martins da Cruz lembra que Scholz herdou uma Alemanha após 16 anos de marca muito forte de Angela Merkel tanto a nível interno como externo. "E agora o chanceler aproveitou para se afirmar dentro e fora da Alemanha, com a ajuda de material militar à Ucrânia e interrompendo uma tradição de importações da Rússia, ao mesmo tempo que subiu para 2% do PIB o orçamento da Defesa". O que, na opinião do embaixador, "dentro de 4 ou 5 anos dará à Alemanha as melhores forças armadas da UE".

Álvaro Beleza acentua essa "alteração de estratégia" do chanceler alemão para dizer que "estamos a pagar um preço grande pelo erro crasso de Merkel" de "achar que podia comprar a paz com os russos comprando-lhes energia", quando "se esqueceu do detalhe que nos regimes autocráticos os líderes agem diferente e que Putin tem de desaparecer".

Vasco Rato admite que "o único a ganhar" de forma clara com este conflito é o chanceler alemão, que até conseguiu "unir a salada russa do seu governo" e fez uma viragem "brutal e histórica na política externa do seu país". E, tal como o presidente da Sedes, vê em Merkel a "grande perdedora" desta guerra, porque, diz, foi ela que incentivou a "interdependência com a Rússia" e travou o aumento da despesa militar. "Tentou integrar a Rússia e falhou", sentencia.

Há igualmente outro líder europeu que, embora não tenha eleições no horizonte, "tem de agradecer a esta crise a Putin", afirma Álvaro Beleza: precisamente o primeiro-ministro inglês. Boris Johnson estava sob fogo, até no seu próprio partido, por causa do escândalo das festas em Downing Street durante o confinamento da pandemia e agora "consegue sacudir das costas" esse escândalo, acrescenta Martins da Cruz.

"E ele até esteve bem, foi o primeiro a fechar o espaço aéreo aos russos, a exigir mais sanções e visitou as tropas britânicas na Polónia. Para todos os efeitos liderou nesta crise", frisa Vasco Rato. "Se é suficiente para lhe salvar a pele? Dá-lhe pelo menos tempo para estancar as conspirações no seu grupo parlamentar", remata.

O antigo aliado de Putin, o primeiro-ministro húngaro Viktor Órban, também enfrenta eleições em abril e "já está a ser sensível ao peso da opinião pública", tendo dado "pleno apoio " às sanções à Rússia. Mas Vasco Rato considera que é um dos líderes europeus mais desconfortáveis com a situação, até porque os "partidos populistas", como o seu e o da francesa Marine Le Pen, são dos mais afetados pela ligação ao regime de Putin.

Do outro lado do Atlântico, com eleições intercalares em novembro, o presidente norte-americano, que aparecia nas sondagens com "miseráveis 37% nas sondagens",parece tirar partido de um discurso forte contra Putin. Mas, para Vasco Rato, "ele apostou na ameaça de sanções para dissuadir Putin e não conseguiu. Daqui a seis meses, quando forem eleições intercalares, vai discutir-se esse falhanço da política externa americana", diz.

paulasa@dn.pt

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