As contas  da saúde: informação e cortinas de fumo

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O INE divulgou as contas da saúde em 2017. Informação gera conhecimento e ajuda a remover as cortinas de fumo que pretendem toldar-nos a vista.

A informação disponível mostra um significativo crescimento de 8.1% na "despesa per capita" entre 2015 e 2017. O SNS inverteu o rumo de emagrecimento, embora em ritmo insuficiente. Confirma-se estabilidade na evolução do agregado "despesa total em saúde", estimado em 3% em 2017.

A evidência contraria o "mainstream" do debate público sobre financiamento da saúde. A despesa pública alavancou o crescimento nestes anos, cerca de 4% de aumento médio entre 2015 a 2017, comparada com cerca de 3% de aumento médio da componente privada.

O INE divulgou também informação sobre comparações internacionais, datada de 2015. A despesa total em saúde é 9% do PIB (valor que se mantém em 2017) e que compara com 8.4% na União Europeia (EU). Falta dinheiro na saúde em Portugal? Por este critério, comparação com média europeia, claramente não! Quando comparamos a despesa pública, a ordem inverte-se: 6% do PIB em Portugal, para 6.6% na média europeia.

A conta satélite da saúde 2015-2017 inclui uma interessantíssima informação sobre os beneficiários do enorme bolo financeiro disponível: 17.345 M€ em 2017. Entre 2000 e 2016, a componente dos hospitais públicos manteve-se estável, mas o setor privado hospitalar mais que duplicou e o mesmo setor privado em ambulatório também cresceu de forma significativa. No mesmo período, os movimentos de emagrecimento atingem os medicamentos e os cuidados de saúde primários do SNS, proclamados por todos como a prioridade do sistema, mas sempre abandonados no momento da alocação de recursos!

Respeitando o "consenso" sobre financiamento da saúde, aproximar Portugal da média europeia, o caminho não passa por acrescentar dinheiro aos recursos disponíveis, mas sim garantir a substituição de despesas hoje realizadas pelas famílias em prestadores privados, por despesa feita pelo Estado e aplicada em prestadores públicos. Em síntese, não falta dinheiro para a saúde, falta dinheiro público para financiar o SNS.

O momento para decidir sobre esta matéria é o Orçamento do Estado para 2019. Minimizar os benefícios fiscais em sede de IRS por despesas em saúde, reduzindo de 15 para 5% o valor a deduzir, libertará 300 M€ para o orçamento do SNS.

Desde 2010, a ADSE apenas existe como financiadora do setor privado. Retomar a obrigação da ADSE remunerar o SNS pela prestação de cuidados, resultará numa receita adicional de 300 M€. Esta seria uma medida extraordinária para financiar investimento nos hospitais públicos, até à entrada em vigor do próximo programa de fundos comunitários.

Adicionalmente, seria útil recuperar o compromisso expresso no famoso "Memorando da Troika" em reduzir a despesa pública em medicamentos para 1% do PIB. Concretizar este objetivo libertará um montante suplementar de 400 M€ anuais.

Em resumo, três medidas simples e controversas originam um financiamento adicional de 1.000 M€, o que contribuiria para atenuar o proclamado subfinanciamento do SNS e para concretizar, de forma rápida e eficaz, a aproximação à média europeia.

A evidência agora divulgada pelo INE valida uma opção política muito discreta no presente momento político, dominado pelo debate em torno das propostas de lei de bases da saúde: o sistema não carece de mais recursos, mas sim de reorientar os recursos disponíveis para robustecer o SNS.

Antigo secretário de Estado da Saúde e presidente do IPO de Lisboa

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