"Não há, neste momento, nada que justifique a abertura de um processo de impeachment porque, além de jurídico, ele é absolutamente político, e todos sabem disso", disse Arthur Lira, na última terça-feira. O presidente da Câmara dos Deputados, que é quem, de acordo com a Constituição do Brasil, tem o poder de colocar em votação na casa a destituição de Jair Bolsonaro nega a possibilidade para frustração da oposição. Aliado do presidente da República, que investiu muito dinheiro na sua eleição, o político de 52 anos, cuja trajetória é repleta de controvérsias, é o homem mais pressionado do país por estes dias..Do lado jurídico, a oposição já tratou do assunto: pegou 122 pedidos de impeachment perdidos na gaveta de Lira e juntou-os numa peça só, a que chamou de "superpedido", listando 23 crimes de Bolsonaro. Além de seis partidos de esquerda e centro-esquerda e de organizações sociais, assinam o documento nomes de direita, como os bolsonaristas arrependidos Alexandre Frota e Joice Hasselman, ou os dirigentes do Movimento Brasil Livre, formado para pedir a destituição de Dilma Rousseff, em 2016..Do lado político, o apoio a Bolsonaro vem derretendo, de sondagem a sondagem, ao ritmo das manifestações de rua, em dezenas de cidades de todos os estados do Brasil, realizadas em três sábados do último mês. Em paralelo, corre no Senado uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que começou por investigar a negligência do governo, ao rejeitar vacinas e apostar em remédios ineficazes contra a covid-19, contribuindo assim para os perto de 550 mil mortos na pandemia, mas acabou a descobrir casos de corrupção na aquisição de imunizantes. Num deles, o próprio presidente é acusado de "prevaricação" por ter tomado conhecimento do crime e não ter agido..Lira, porém, não se deixa comover. "O Brasil não pode ser desestabilizado politicamente a cada presidente eleito", argumenta, tendo em mente as quedas de Dilma, em 2016, e de Collor de Mello, em 1992. O que o leva, no entanto, a defender a continuidade de Bolsonaro é cálculo político, acusam opositores e observadores..O Governo Bolsonaro montou um "orçamento secreto" para eleger Lira, em 2020, distribuindo em torno de 500 milhões de euros pelos deputados, que no caso eram os eleitores, de forma a ganhar uma muralha contra o impeachment no poder legislativo. O adversário de Lira, o deputado Baleia Rossi, prometia analisar os pedidos. O esquema, apelidado de "tratoraço", por incluir a cedência de tratores e outros equipamentos agrícolas aos parlamentares por preços 259% acima dos valores de referência, foi comparado ao Mensalão, escândalo do final do primeiro mandato de Lula da Silva em que se trocavam votos a favor do governo por verbas públicas..Lira, é um dos expoentes do "centrão", como é chamado o grupo de deputados que apoia qualquer governo desde que seja premiado com cargos e orçamentos. Habituado a trocar de partido - o PP, onde milita hoje, é o quinto da sua carreira - e filho do ex-senador Benedito de Lira, o empresário e agricultor natural de Maceió, capital de Alagoas, tem longo cadastro político..Foi acusado de pertencer a uma organização criminosa que fraudava impostos; de, segundo o ministério público, "auferir vantagens indevidas de praticamente todas as formas observadas no esquema de corrupção e lavagem de dinheiro relacionado à Petrobras", no âmbito da Lava Jato; e até de agressão doméstica..Mas Lira tem ou não razão? Há ou não há condições para avançar com o impeachment?."Se a regra no Estado democrático de Direito é evitar concentração demasiada de poder em funções singulares, algo não corre bem quando a responsabilização do chefe de Estado, nos crimes punidos com suspensão do mandato, depende absolutamente do arbítrio do presidente da Câmara dos Deputados", escreveu o jornal mais vendido do país, Folha de S. Paulo, em editorial. "No curto prazo, o que resta é instar Arthur Lira a deixar de lado o cinismo e dar satisfação à sociedade sobre gravíssimas acusações contra o presidente Jair Bolsonaro dormentes no seu gabinete", conclui o texto..Porém, o jornal Correio Braziliense listou, em extensa reportagem, motivos que dificultam o impeachment neste momento. Para começar, aquelas acusações a Bolsonaro no escândalo das vacinas ainda não apresentam provas robustas diretamente contra o presidente. Acresce que um governo tampão liderado por Hamilton Mourão, o vice-presidente, não entusiasma nem a população nem os congressistas. E que as eleições são já daqui a um ano e meio - até setores da oposição defendem, reservadamente, ser preferível fazer Bolsonaro "sangrar" neste período a provocar a sua queda imediata. .Por outro lado, as manifestações, embora relevantes, ainda não têm a presença maciça das que exigiam a saída de Dilma, em parte por causa das restrições à circulação na pandemia. Finalmente, embora as pesquisas assinalem apoio da população à queda de Bolsonaro, sondagens entre deputados, que são quem decide, indicam que o presidente tem mais de um terço dos parlamentares do seu lado, o bastante para rejeitar a proposta.."Os principais fatores que impedem o impeachment são a inexistência de manifestações de rua de grandes proporções, tal como se deu no impeachment de Dilma, e falta de apoio suficiente no Congresso: a maioria parlamentar que o presidente construiu a partir de junho do ano passado não se desestruturou ainda", sublinha àquele jornal o cientista político Antonio Lavareda..Um argumento que o colunista do Folha de S. Paulo Hélio Schwartsman rejeita, por razões históricas. "[O impeachment de Bolsonaro] é uma satisfação que devemos aos pósteros: o Partido Democrata dos EUA optou por dar seguimento ao impeachment de Donald Trump em 2020, mesmo sabendo que o processo morreria no Senado. Os democratas e os americanos que os apoiavam fizeram questão de mostrar que não haviam ficado cegos nem abandonado as noções básicas de retidão e decência".