Há três anos consecutivos que Lídia Silva começa os preparativos do verão com semanas de antecedência. Passa dias a embalar objetos pessoais, roupas e todos os pertences, de forma a ficar quase só com os móveis a moradia que construiu, há 21 anos, no Outeiro do Louriçal, entre Pombal e Figueira da Foz. É assim desde que decidiu arrendar a própria casa, como forma de equilibrar as finanças, depois do divórcio. "A minha filha tinha entrado na universidade e tornava-se cada vez mais difícil fazer face às despesas", conta ao DN, no último dia de julho, quando a vivenda está ocupada por um casal francês..Lídia aceita falar ao DN sem reservas porque tem "tudo legal", ou seja, transformou a própria casa num alojamento local, o que não acontece com todas as pessoas que arrendam a própria casa. Ou melhor, a maioria dos que o fazem - sobretudo nas praias da região centro - é de forma ilegal. Não há recibos nem pagamento de impostos. Foi através de uma amiga nessa condição que Lídia soube da procura - sobretudo por parte de famílias estrangeiras - mas não quis arriscar. Durante o dia é funcionária administrativa numa junta de freguesia, no tempo que lhe sobra ainda trabalha como angariadora imobiliária. Num quadro de baixos salários como o que vigora em Portugal, este acaba por ser mais um emprego. Nos meses de junho, julho e agosto muda-se para casa do pai, do outro lado da rua. Está sempre por perto "para alguma coisa que os hóspedes precisem".."Custa muito deixar a nossa casa, as nossas coisas", diz ao DN Lídia Silva, que a cada ano que passa se vai tornando mais minimalista, praticando o desapego de muitos bens materiais. Na casa deixa apenas as louças e utensílios da cozinha, roupa de cama e toalhas. "Cada ano levo menos coisas, quando volto, em setembro. Porque sei que depois me vai custar muito a embalar tudo", sublinha.."Eu percebo as pessoas que tentam fugir aos impostos. A sobrecarga é brutal", afirma ao DN Mónica António, proprietária da mais antiga empresa de alojamento local em Leiria. Todos os anos lhe aparecem casos como o de Lídia, gente que quer arrendar a sua casa, às vezes só por um mês. "Falamos de uma carga tributária que já não é muito diferente do arrendamento tradicional. A única diferença que encontro entre um e outro é emocional, ou seja, neste caso é preciso estar disposto a perder o controlo da própria casa.".E o que não faltam são exemplos desses, nas mais diversas facetas. "Há várias pessoas que conheço, alguns empresários, que construíram casas enormes. Os filhos foram embora e agora têm grandes áreas para ocupar, acabam por arrendar", conta Mónica, que por estes dias tem mais de 60 casas para gerir, entre Gerês, Albufeira, Évora, Leiria e Lousã..Quebra no alojamento local.Em todos os casos, a empresária nota uma quebra na procura. Desde que abriu a Second Option, em 2016, não se lembra de um ano tão fraco. "Até agora corria tudo muito bem, mas neste ano só maio se aproveitou. O mês de junho foi para esquecer, julho parecia o junho de outros anos, e para agosto o que nos está a acontecer é muitos pedidos "em cima do joelho", muitos deles de portugueses, ao contrário do que era habitual. Há uma quebra brutal no mercado espanhol e francês", revela Mónica António, que atribui o facto a vários fatores: "Primeiro o clima, que anda instável; depois o preço da gasolina e das portagens em Portugal, no que respeita aos espanhóis." Além disso, não descura as campanhas agressivas que os operadores de Marrocos e Tunísia fizeram durante o inverno, no metro de Londres. "Eram países que estavam a sentir a quebra no turismo, por razões políticas, e apostaram tudo em grandes campanhas, em que por 400 euros um inglês vai para lá com meia-pensão e bilhete de avião incluído"..A vivenda Davim, de Lídia Silva, é promovida nos sites Homeaway e Booking, que cobram valores por reserva ou em regime anual para fazerem a divulgação. É nesses que é possível encontrar muitas casas em situação ilegal de arrendamento, pois não é difícil contornar os passos solicitados..Porém, é em plataformas como OLX, CustoJusto ou mesmo na rede social Facebook que se multiplicam esse tipo de ofertas. "São preços muito mais baixos, o que é normal, porque as pessoas não pagam impostos como eu, que entrego 35% de tudo o que faturo", declara Lídia, que por estes dias fixa o valor em cem euros por dia, numa casa que aceita até oito pessoas. Franceses, ingleses, espanhóis e polacos figuram entre os clientes que mais procuram aquela unidade de alojamento local. "Só tive uns portugueses, além dos jovens que a procuram na altura do Sunset, na Figueira da Foz.".Uma das praias da região centro onde mais se pratica o arrendamento da própria casa é a praia da Vieira, no concelho da Marinha Grande. Aqui, nenhuma das moradoras que o faz aceitou dar a cara, por estar a fazê-lo de forma ilegal. O mesmo acontece na vizinha praia do Pedrógão, já no concelho de Leiria. Maria, chamemos-lhe assim, tem residência fixa num apartamento que tenta arrendar todos os anos, em julho e agosto. "Normalmente é com esse dinheiro que vou de férias", confidencia ao DN, embora neste ano esteja a apostar todas as fichas no mês que agora começa, pois julho "foi para esquecer, com poucos dias bons para fazer praia". Arrenda por 50 euros/dia, e nesta altura já se mudou para uns anexos na casa que era dos pais, também ela convertida para arrendar, quando calha..E este retrato não ficaria completo sem falarmos da Nazaré, onde as "chambristas" (as mulheres dos chambres) se converteram nos últimos anos ao alojamento local. "A questão é que têm uma licença e trazem um molho de dezenas de chaves no bolso, para o resto das casas, muitas vezes a própria", afirma Mónica António, numa altura em que ela própria pondera fazer obras em casa e depois rentabilizá-la, devidamente enquadrada no alojamento local. Tal como todos os outros, vê nesta modalidade "uma forma de ganhar mais algum dinheiro".