Arguido morreu há quatro anos mas o julgamento ainda está a decorrer

Julgado por uma agressão, um homem acabou condenado em 2016, mesmo sem ir ao tribunal de Guimarães. Descobriu-se depois que já se tinha suicidado. Foi anulada a decisão mas, quatro anos passados, o processo prossegue, agora em Braga, com os herdeiros a serem alvo de um pedido de indemnização pela vítima.
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Terá sido no dia da primeira sessão do julgamento em que o homem acusado de um crime de tentativa de homicídio qualificado cometeu suicídio. Tal só foi confirmado quando o corpo foi encontrado mais de dois meses depois. Até essa data, estava preso em casa com pulseira eletrónica e, estando privado de liberdade, o julgamento nunca deveria ter prosseguido sem a presença do acusado no tribunal. Mas foi realizado na totalidade no Tribunal de Guimarães, tendo o homem sido condenado por ofensas à integridade física em dois anos e oito meses de prisão, com a pena a ser suspensa se pagasse 15.398 euros de indemnização à vítima. Esta condenação acabou por ser anulada já que o arguido estava morto mas o julgamento irá agora prosseguir para decidir apenas sobre o pedido de indemnização formulado pela vítima com os herdeiros, mulher e filho, a serem demandados.

O caso já leva mais de quatro anos. O crime ocorreu em 2015, com uma agressão com um x-ato a outro homem, em Fafe, e o julgamento iniciou-se no dia 13 de abril de 2016. Como o arguido tinha sido notificado por carta registada, o coletivo do tribunal considerou que tinha faltado e ordenou que o julgamento prosseguisse considerando que a sua presença não era imprescindível. No dia seguinte, a Direção-Geral dos Serviços Prisionais informou o tribunal que o arguido tinha deixado a sua habitação dentro do horário previsto para ir à audiência de julgamento. Horas depois, a advogada do homem comunica que a família encontrou uma carta onde tinha escrito que se iria suicidar. Foram feitas tentativas de contacto pela GNR mas o homem não foi encontrado.

Realizado todo o julgamento, foi lido o acórdão em maio de 2016, quando a GNR já tinha apresentado nos autos a referida carta do arguido. Os juízes, alterando o crime da acusação, condenaram o homem por ofensa à integridade física a dois anos e oito meses, com pena suspensa, na condição de pagar 15.398 euros à vítima.

Em 12 de junho de 2016 é encontrado o corpo do homem, o que viria a determinar a extinção do procedimento criminal. Mas não significou o final do julgamento. O tribunal ordenou que prosseguissem os autos com vista a julgar o pedido de indemnização cível, o que veio depois a ser confirmado pelo Tribunal da Relação de Guimarães. Pelo meio, um pedido feito pela advogada do arguido foi rejeitado já que foi entendido que "não reunia as condições necessárias para recorrer" dado que o patrocinado tinha falecido. Tiveram que ser os herdeiros a recorrer.

Neste acórdão da Relação, de 2018, foi decidido que o julgamento sofria de uma nulidade insanável por ter decorrido sem a presença do arguido, que estava na altura preso no domicílio. "Numa situação em que o arguido se encontra privado de liberdade em regime de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, acusado de um crime de homicídio na forma tentada, perante a ausência injustificada do arguido no início do julgamento, deveria o Tribunal tomar as medidas que considerasse adequadas, - ordenando a sua condução coerciva -, para assegurar a sua presença no julgamento."

Muda de tribunal, de Guimarães para Braga

O processo baixou novamente ao tribunal de Guimarães, mas os juízes que participaram no primeiro julgamento estavam impedidos de participar no segundo. Acontece que o Juízo Central de Guimarães tem apenas quatro juízes e dois já tinham participado no julgamento, pelo que foi reenviado o processo para o Tribunal de Braga, onde corre agora.

Os herdeiros recorreram novamente e consideravam que não era possível realizar novo julgamento. "Declarado extinto o procedimento criminal antes do julgamento, por morte do arguido, não pode o tribunal criminal conhecer do pedido cível enxertado no processo-crime, ficando neste caso facultado ao lesado o recurso aos meios cíveis", reclamaram no recurso. Sem sucesso. O tribunal da Relação considerou, em 14 de outubro passado, que "a extinção do procedimento criminal não gera, automaticamente, a extinção da instância cível", pelo que o processo deve prosseguir "para conhecimento do pedido (agora contra os habilitados sucessores do demandado), ainda que tenha ocorrido, antes da realização da respetiva audiência de julgamento, declaração de extinção do procedimento criminal por morte do arguido/demandado civil." Como o pedido foi efetuado já com o processo em fase de julgamento, e baseando-se no crime em causa, o caso irá assim prosseguir em processo penal, com um coletivo de juízes. A vítima da agressão, assistente no processo, não desiste da indemnização.

Desta maneira, os herdeiros do falecido terão agora de aguardar pela decisão do tribunal de Braga que irá apreciar o pedido de indemnização. No recurso apresentado em 2018, a defesa destes familiares argumentava que devia ser considerado extinto, mas de forma cautelar apontava que nunca poderia atingir os valores que foram definidos no acórdão anulado, mais de 15 mil euros. Alertava que "os sucessores são pessoas de rendimentos baixos e com despesas fixas elevadas, pelo que não dispõem de meios económicos e financeiros suficientes para pagar tão avultada quantia".

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