Foi ao jeito de milagre mas foi. Abel Ferreira tornou-se na madrugada de ontem no segundo técnico português a atingir a final da Copa Libertadores, mesmo tendo perdido (0-2) na segunda mão das meias-finais frente aos argentinos do River Plate: o triunfo por 3-0 conseguido na primeira mão, acabou por ser suficiente, para o seu Palmeiras marcar presença na final do Maracanã, no próximo dia 30 frente a Santos (cuja caminhada na prova se iniciou com Jesualdo Ferreira) ou Boca Juniors. Depois de Jorge Jesus ter conduzido o Flamengo a um triunfo épico na última edição da prova - curiosamente frente aos "milionários" de Buenos Aires -, o antigo técnico do Sp. Braga está em condições de imitar o compatriota..Se, na primeira mão, Abel pedira "cabeça fria e coração quente" aos seus jogadores e eles seguiram a indicação, ontem não houve nada disso. Faltou cabeça fria, que se agravou com a saída por lesão de Gustavo Gómez, o esteio da defesa, na primeira parte. Por essa altura, o River já vencia com um golo de Rojas, após canto (29'), vantagem que aumentou à beira do intervalo (44') num desvio de Borré..Twittertwitter1349225750931644416.Com o coração quente, mas pela forma como os lances de perigo se sucediam junto à baliza de Weverton, a segunda parte só piorou para o Verdão e apenas o VAR salvou a equipa de Abel de sofrer o terceiro. Primeiro anulou um golo a Montiel, depois reverteu um penálti assinalado pelo árbitro e ainda viu um fora de jogo numa segunda falta na área já durante a compensação. Nem sempre as estatísticas correspondem ao que se passa no relvado, mas em São Paulo foram o espelho fiel do domínio argentino, que jogou com dez desde os 73" por expulsão de Rojas: 66 % de posse e 23 remates, 11 deles enquadrados (contra 0 do Palmeiras)..A seguir a partida como antigo jogador do Palmeiras, o ex-central Argel, que em Portugal representou FC Porto e Benfica, não escondeu ao DN a sua satisfação pelo apuramento e o sofrimento por que passou: "O que aconteceu foi um susto histórico como só o futebol pode proporcionar. Da mesma forma que foi histórico o Palmeiras ir à Argentina e ganhar ao River por 3-0, teria sido igualmente histórico o River vir aqui ganhar de 3-0. E seria o resultado mais justo se tudo se decidisse nos penáltis. Mas no futebol não há justiça. Ninguém acreditava que o River pudesse vir aqui e jogar da maneira que jogou. Foi a melhor exibição de uma equipa argentina no Brasil. Não me lembro de uma que jogasse tanto futebol, tivesse tanto volume de jogo, 'agredisse' tanto... O guarda-redes do Palmeiras sofreu dois golos mas evitou outros cinco. Esta classificação passou muito pelo Weverton, que jogou de mais!".Tendo disputado uma decisão da Libertadores pelo clube paulista - precisamente contra o Boca Juniors, um dos possíveis adversários, que perdeu no desempate por penáltis após duas igualdades (2-2 na Bombonera, 0-0 em casa) -, Argel considera que este jogo das meias-finais serviu de lição.."Foi uma aprendizagem para o Palmeiras, que tem muitos jogadores jovens, não têm a experiência das grandes decisões. O jogador mais cascudo, mais experiente, que é o Filipe Melo, ficou de fora por lesão e fez muita falta, sobretudo neste tipo de desafio em que se joga com o resultado debaixo do braço. Também para o Abel Ferreira foi uma experiência, até porque ele não conhecia a competição, não sabia como é jogar contra um River, contra um Boca. O Palmeiras tem de tirar lições desta partida e saber que o próximo não se decide em 180 minutos mas em 90 e que qualquer erro pode ser fatal", assinala o atual técnico (que se encontra a "descansar" e à espera de um novo desafio quando os campeonatos terminarem), lembrando que "o River deu uma aula de futebol, mas o Palmeiras fez o mesmo no jogo da Argentina". "Não nos podemos esquecer que foi lá e tocou 3-0 neste mesmo River e o River veio aqui e poderia ter sido 3-0, 4-0...".Sobre o trabalho que o técnico penafidelense está a desenvolver no clube fundado pela comunidade italiana (antes de ser Palmeiras chamava-se Palestra Itália, com a II Guerra Mundial a motivar uma alteração de nome), Argel mostra-se elogioso. "Conseguiu agregar os jogadores, deu disciplina tática para que a equipa jogasse bem e ganhasse. Mas o Vanderlei também estava a fazer um bom trabalho, o problema é que o futebol brasileiro é muito complicado. A paciência da imprensa e dos adeptos é muito curta. Se o Abel tivesse perdido a classificação, hoje estaria a ser crucificado, seria uma pressão enorme. Mas o Abel conseguiu, mérito dele, porque no fim a eliminatória ficou 3-2 para o Palmeiras e é isso que conta", refere.."Além de estar na final da Libertadores, o Palmeiras também está na final da Copa do Brasil e o trabalho dele tem sido muito elogiado. Os adeptos gostam e a repercussão é muito positiva. Tem feito um trabalho do género do que o Jesus fez aqui e se ganhar as duas provas consegue uma proeza comparável, porque são duas provas muito importantes e o Palmeiras só venceu uma vez a Libertadores [em 1999, frente aos colombianos do Deportivo Cali, com Luiz Felipe Scolari a orientar a equipa]. Se o fizer só sai do Palmeiras se quiser, como foi o caso do Jesus. Mas vencer uma já seria muito bom, marcava o nome dele na história do futebol brasileiro" finaliza o antigo defesa, que nesta noite ficou a torcer por um triunfo do Santos: "Era glorioso! Também joguei lá e seria importantíssimo para o futebol brasileiro que a maior competição sul-americana fosse decidida por dois clubes do país.".Na madrugada de ontem, após o apuramento, Abel admitiu que "foi uma das melhores derrotas" da sua vida e considerou o treinador Marcelo Gallardo melhor do que ele. "O River tem um treinador melhor do que eu. Tem também jogadores com grande experiência. Nos últimos cinco anos, eles estiveram nas semifinais, e ganharam a competição duas vezes. Mas quer para mim quer para os meus jogadores, só há uma maneira de ganhar experiência, que é passar por isso. Subimos a montanha, vimos a vista lá de cima e é muito boa. Agora, vamos descer outra vez", referiu. Agora, no dia 30, pode voltar a fazer história, tal como Jesus na última edição da Libertadores..Antes de Abel Ferreira conseguir chegar à final Taça dos Libertadores já outros 12 técnicos portugueses tinham almejado a presença no jogo decisivo de uma competição continental de clubes, numa história que se iniciou em 1964. Nesse ano, o discreto arquiteto Anselmo Fernandez, promovido a líder de uma equipa-técnica que também contava com Francisco Reboredo e Reis Pinto em mais uma época conturbada em Alvalade, chegava com o Sporting à final da Taça dos Vencedores das Taças que o clube leonino conquistaria, tornando-se assim no primeiro português a conseguir tal feito - o Benfica bicampeão europeu fora-o com o húngaro Béla Guttmann ao leme e nas três finais que ainda disputou nos anos 60 utilizou sempre treinadores estrangeiros..Foi, por isso, preciso esperar por 1984 para se ver um técnico lusitano pela segunda vez numa final, curiosamente da mesma prova. António Morais, que herdara o FC Porto de José Maria Pedroto, não emulou todavia o triunfo final, uma vez que a Juventus levou a melhor. Mas, três anos depois, caberia a Artur Jorge a honra de estrear a bandeira nacional numa decisão da Taça dos Campeões Europeus e logo com uma vitória: na famosa final de Viena, os azuis e brancos levariam a melhor sobre o Bayern Munique. Para o técnico não seria o único triunfo internacional, uma vez que em 2002 venceu a última edição da Taça das Taças Asiática, pelos sauditas do Al-Hilal. Já Toni esteve perto de repetir o feito do seu antigo colega de equipa, mas o PSV levaria a melhor sobre o Benfica em Estugarda..Se José Mourinho, com duas Ligas dos Campeões e duas Taça UEFA/Liga Europa, é o mais mediático, Manuel José esteve em cinco finais da Liga dos Campeões Africanos, conquistando quatro vezes o título continental pelo Al-Ahly. Jaime Pacheco podia ter vencido essa prova no ano passado pelo Zamalek mas ficou-se pela final..Dos restantes cinco que atingiram o jogo decisivo, metade levantaram o troféu: André-Villas Boas venceu mais uma Liga Europa para o FC Porto, à custa dos compatriotas do Sp. Braga orientados por Domingos Paciência, enquanto Jorge Jesus venceu a Libertadores pelo Flamengo no ano passado depois de duas derrotas na segunda prova europeia de clubes na primeira passagem pelo Benfica, a que juntaria outra no Mundial de Clubes pelos cariocas. José Peseiro também não foi feliz na final da Liga Europa que disputou com o Sporting (derrota com o CSKA), enquanto o seu adjunto Pedro Caixinha esteve perto na vencer a Liga dos Campeões da CONCACAF mas o Santos Laguna acabaria por baquear na final com o Monterrey.