Aqui há twist!
Amais estranha e desconfortável experiência de cinema de ação americano dos últimos anos. Estranha por conter psicótica mensagem a promover que pegar em armas para combater a injustiça social é fofinho. Desconfortável por nada neste guião fazer sentido quer a nível do heroísmo das personagens, quer a nível do procedimento das autoridades Tudo a fazer-nos pensar que é apenas mais um filme com luz verde para ser veículo para Jason Momoa, vedeta dos filmes da DC, mais conhecido como Aquaman, neste caso para a Netflix, que ultimamente tem encontrado semelhante caminho para atores musculados, de Chris Hemsworth a Mark Whalberg.
Em Sweet Girl acompanha-se o percurso vingativo de uma família desfeita depois de a mãe morrer de cancro. Pai e filha estão seguros de que a morte da matriarca se deveu à falta de um medicamento de uma farmacêutica mafiosa. Mais tarde, um repórter da Vice parece ter provas do envolvimento da farmacêutica numa série de ações ilegais e Rachel e Ray, filha e pai, veem-se envolvidos numa trama e subitamente já estão perseguidos por um assassino a soldo. A dada altura, só lhes resta mesmo investigarem por conta própria, sobretudo quando percebem que a influência da farmacêutica alastra a poderosos. De repente, estão também em fuga e perseguidos pelo FBI...
Sweet Girl não é o que poderia ser: um filme de pai e filha a lutar com um sistema de saúde viciado ou mesmo uma experiência de cinema de ação para filmar uma relação de pai e filha. É tão-somente banal cinema de ação com explosões, pancadaria e truques baixos de série B, sempre para realçar o carisma brutamontes de Momoa, provavelmente a estrela de ação de Hollywood menos expressiva. E a ação a que temos direito é daquelas que esticam a corda em implausibilidade. Se também ficamos a suspeitar que o melodrama no meio dos tiros e pose macho-macho possa correr mal, então é melhor perceber que ainda corre pior, nomeadamente através de flashbacks de um rigor dramático absolutamente de mau gosto e para fazer chorar as pedras da calçada.
DestaquedestaqueEis o filme de um realizador estreante que manda às urtigas todas as regras da plausibilidade...
No último terço do filme, o problema do costume: a reviravolta, o chamado twist. Desta vez, uma "surpresa" tão desnecessária como insultuosa. Aqui, os argumentistas pensavam que estavam a ser inteligentes a tirar-nos o tapete sobre a identidade de uma das personagens, mas acontece que acaba por sabotar a própria estrutura narrativa que desfilou sob os nossos olhos. Cada vez mais, Hollywood parece acreditar que um twist deste género pode tornar as coisas mais "frescas". Além de não o conseguir, boicota a própria relação emocional do espetador com o que está a ver. O "sentir-se enganado" é a sensação má que muitos vão ter, longe do "sentir-se enganado" de filmes como O Sexto Sentido ou Os Suspeitos do Costume. Brian Andrew Mendonza, o realizador estreante, poderia passado por ter feito apenas um filme de ação rotineiro. Agora, arrisca-se a ficar conhecido como o tipo do filme de ação rotineiro com o twist idiota.
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