Aquele telefonema em que 'ganhou umas férias'. Um dos burlões vai preso
Corria o mês de janeiro de 2014 quando o telefone tocou. Era da empresa SeasonDimension e para a mulher que estava ser contactada parecia uma boa notícia: tinha sido premiada com uma semana de férias num hotel e só era necessário levantar o voucher. Deslocou-se à sede da empresa e a conversa já foi diferente: propuseram-lhe adquirir o cartão Club Low Cost. Durante 22 anos a adesão ao cartão iria permitir passar férias em diversas unidades hoteleiras em Portugal e no estrangeiro. Custava oito mil euros mais despesas, mas supostamente ainda dava direito a inscrição grátis por um ano num plano de saúde. Foram várias as pessoas que caíram neste esquema de suposto time sharing, com muitas a pedirem créditos que hoje ainda pagam. O burlão foi apanhado e condenado a seis anos e meio de prisão.
No caso desta mulher, logo nesse dia, o contrato foi assinado. A vítima recorreu a um empréstimo da Cetelem, no valor de quase oito mil euros, para conseguir pagar o cartão Club Low Cost. A mulher ainda pensou em desistir do financiamento, quando a SeasonDimension a contactou novamente e a convenceu a aderir com a promessa de que poderia subalugar três semanas de férias e que receberia logo 1800 euros. Assim, transferiu o dinheiro do financiamento. Nunca recebeu os 1800 euros nem mais conseguiu contactar a empresa. Em junho, João Sousa, que a recebeu e era o gerente, respondeu-lhe por telefone que já não fazia parte da empresa. Quando a mulher se deslocou às instalações, encontrou-as encerradas.
Esta é apenas uma das vítimas das burlas mantidas por João Sousa e pela SeasonDimension - unipessoal, Lda, crimes que foram julgados em Lisboa e tiveram decisão condenatória no final de fevereiro. Entre as seis pessoas que eram queixosas no processo, cinco recorreram a financiamentos da Cetelem, Cofidis ou outros para aderirem ao referido cartão de que nada usufruíram enquanto ficavam obrigadas a pagar as prestações às entidades financeiras. Os casos são muito idênticos na forma como se processava a burla. Um telefonema, a oferta nas instalações (nem sempre as mesmas) e após o dinheiro entrar, tudo mudava. Da atenção e simpatia inicial surgia depois o comportamento evasivo, desinteressado e indisponível.
João Sousa, 42 anos, foi condenado a seis anos e meio de prisão por dois crimes de burla qualificada e a pagar indemnizações no valor 47.270 euros mais juros a cinco pessoas que foram vítimas e se queixaram às autoridades. Muitas não o terão feito por vergonha. O acórdão da instância central criminal de Lisboa condenou também a empresa SeasonDimension por burla qualificada à pena de dissolução por ter sido criada com a intenção de praticar os crimes.
O segundo crime de burla pelo qual foi condenado neste processo, que juntou seis inquéritos, refere-se à apropriação de 140 mil euros a uma mulher. João Sousa apresentava-se também como promotor do BPI, ganhando comissões com financiamentos e fez crer à vítima que era um colaborador do banco e que conseguia taxas de juros mais elevadas para depósitos a prazo. Após conseguir que a ofendida assinasse um formulário de abertura de conta e deixasse um cheque de 150 mil euros, que depositou numa conta sua, fez o levantamento de 140 mil euros. Quando o banco pediu a restituição, disse que já o tinha gasto no pagamento de uma dívida. Esta vítima não foi demandante neste processo.
João Sousa, de Oeiras, já recorreu da condenação, com este acórdão a ser arrasador com as suas condutas. "Não manifestou qualquer arrependimento, não reparou sequer parcialmente o prejuízo e procurou ludibriar o tribunal com a versão dos factos que decidiu declarar depois de produzida toda a restante prova", apontam os juízes. O arguido falou no final do julgamento para dizer que dava conta dos prejuízos mas nunca teve nenhum intenção de o fazer. No caso dos 140 mil euros alegou a que pessoas lhe ofereceu o dinheiro. Este homem já tinha sido condenado em 2011 pelo mesmo crime a uma pena suspensa de três anos e meio.
Com duas condenações já transitadas em julgado, a SeasonDimension tinha por objeto atividades de marketing e a venda de serviços, viagens, alojamento, turismo e cartões de desconto. João Sousa foi seu gerente cerca de ano e meio, entre final de 2012 e agosto de 2104, altura em que transferiu a empresa para outra pessoa - a empregada doméstica brasileira de um amigo, a quem prometeu a legalização em Portugal. Quando a imigrante lhe passou os seus documentos, usou-os para passar a SeasonDimension para o nome dela, sem o seu conhecimento.
O tribunal considerou provado que João Sousa urdiu todo o plano de obter dinheiro das vítimas mediante venda de serviços que sabia não poder proporcionar, com o único objetivo de enriquecer à custa delas. O tribunal teve em conta a "tristeza, raiva e nervosismo" que atingiu algumas das vítimas após perceberem que foram enganadas e que tinham obrigações a cumprir com os empréstimos feitos, sem qualquer retorno, o que condicionou a sua vida.