Justine Henin, 38 anos, uma das melhores jogadoras do circuito, antiga número um do mundo, vencedora de sete títulos de Grand Slam e agora comentadora da Eurosport (canal que vai transmitir os jogos), analisa nesta entrevista ao DN o regresso da modalidade ao mais alto a nível, com a realização do US Open a partir de segunda-feira. Diz que o atual contexto de pandemia pode causar receios em alguns atletas e que por isso a parte mental será determinante para o sucesso. No quadro masculino considera Djokovic o favorito, mas não coloca de lado que o vencedor seja um nome da nova geração. Entre as mulheres está convencida de que vão surgir surpresas..O US Open arranca na segunda-feira e será o primeiro Grand Slam a ser jogado desde o início da pandemia. Como será participar neste torneio no atual contexto, depois de tanto tempo sem ténis ao mais alto nível e sem público nas bancadas? É muito difícil de prever o que vai acontecer. O US Open vai ser jogado em condições muito excecionais. Houve tenistas que preferiram não participar devido ao contexto de covid-19, como, por exemplo, o Nadal, e várias atletas do quadro feminino, e ninguém os pode censurar pela opção que tomaram. É uma situação muito especial. Por isso, entendo os dois lados. Uma coisa é certa: em qualquer das situações ninguém se sente confortável. Depois, há o lado da ausência de público. Vai ser estranho. Aliás, já tivemos a oportunidade de perceber isso em outras modalidades. É um ambiente completamente diferente. Uma coisa é jogar com o apoio dos fãs; outra é num court com as bancadas vazias..Essa questão da falta de adeptos nas bancadas pode influir no rendimento dos jogadores? Claro que sim! Nem consigo imaginar como será jogar num court sem público! No meu tempo ficava muito irritada nos jogos de manhã que tinham pouca assistência. Sem o apoio dos fãs, os jogadores vão ter de encontrar outras forças de motivação. Será também por isso um enorme desafio para eles arranjar outras formas de energia, irem bem dentro deles encontrar forças de motivação. Será muito interessante nós, de fora, percebermos quais os jogadores que vão conseguir tirar proveito dessa força interior. Obviamente que este não é o cenário ideal para se jogar ténis a este nível. Mas é também um teste, um primeiro teste, porque não sabemos por mais quanto tempo vamos ter de lidar com este vírus..Se jogasse nesta altura, participava ou renunciava ao US Open? Pergunta complicada e de resposta difícil. Já não sou jogadora de ténis e por isso talvez pense de forma diferente. Hoje, por exemplo, tenho filhos. Aquilo que posso dizer é que na qualidade de comentadora da Eurosport não sinto medo e vou seguir todos os protocolos. Mas acho que se fosse jogadora ia querer jogar. Pessoalmente, estou muito feliz pelo regresso do ténis e dos Grand Slams. E também satisfeita pelos jogadores. Alguns deles não estão a viver bem financeiramente. Não estou a falar dos jogadores de topo. Mas existem outros, menos cotados, que estão há meses sem receber e precisam de dinheiro para viver. Foi um período duro para todos..Acha que por ser o primeiro Grand Slam depois da pandemia, e devido a todas as questões de segurança, os jogadores vão mostrar medo? Vai depender da personalidade de cada um. Cada atleta vai viver este contexto de forma diferente. Todo sabemos que foi feito um enorme esforço pela organização do torneio em termos de segurança. Quer a nível do recinto quer nas viagens e no alojamento. E isso tem de deixar os jogadores descansados. Acho que os atletas que decidiram participar no US Open vão precisar de uns dias para se ambientarem, perderem alguns receios e saberem que estão seguros. Apesar contexto de pandemia, ninguém vai ter medo no court. Agora, não esperem a mesma energia, até pela questão da ausência do público. A motivação de regressarem à competição tem de ser suficiente. E eles são profissionais. Depois existe é a questão física, porque, apesar de terem treinado, estiveram sem competição. Por isso digo que este é um US Open vai ser um grande, um enorme desafio para os jogadores..Acredita que jogar nestas condições pode trazer surpresas, ou seja, vermos jogadores fora dos big 3 ou big 5 a começarem a destacar-se? Sim, pode acontecer. Será interessante esperarmos alguns meses e olharmos para os resultados. Acho que o quadro está mais aberto do que nunca, disso não tenho dúvidas. E pode ser uma boa oportunidade para alguns jogadores tirarem vantagem disso e se mostrarem..Este será o primeiro Major sem os chamados big 3 - Nadal, Federer e Djokovic. Só o Novak vai participar. Isso pode siginificar à partida que a vitória é do tenista sérvio? O Novak Djokovic é sempre um dos principais favoritos, e neste caso, sem a sombra de Federer e de Nadal, parece lógico que tem o caminho mais facilitado. Mas neste torneio, mais do que nunca, o fator mental dos tenistas será determinante. Há aqui uma série de condicionantes, que vão da ausência de público a outro tipo de receios. E tudo isso vai pesar na hora do jogo. Por isso, acredito que algum tenista desta nova geração, daqueles que estão num patamar logo abaixo dos big 3, possa surgir a bom nível. Repare que habitualmente têm de bater três, neste caso só têm o Djokovic, torna-se mais fácil. O Djokovic é obviamente o grande favorito, mas é preciso ter atenção a outros tenistas. Foi um tempo complicado para todos, não sabemos como estão fisicamente e como vão encarar este regresso. Por isso, acho que pode haver aqui uma janela de oportunidade para estes jogadores da nova geração..E quem são na sua opinião esses tenistas com possibilidade de lutar pela vitória no US Open? É difícil apontar, mas podemos falar no Dominic Thiem, no Stefanos Tsitsipas, no Alexander Zverev, e em mais alguns bons jogadores. No circuito feminino, há a Kim Clijsters, que regressou agora ao circuito, até porque muitas mulheres do top 10 não vão participar no torneio. Mas isto é apenas no plano teórico. Não os vemos jogar há alguns meses, não sabemos como andaram a treinar. Existem muitas incógnitas. Certezas maiores só quando o torneio começar e à medida que os jogos se forem sucedendo. Confesso que estou muito curiosa, até porque sempre me interessou muito a parte psicológica do atleta. Veremos a nível mental e de atitude como se vão apresentar. Os jogadores terão de ser muitos fortes mentalmente neste contexto..Conhece João Sousa, o jogador português? Sim, sei perfeitamente quem é, embora não tenha conhecimentos suficientes para falar dele com autoridade. Como referi anteriormente, este pode ser um torneio onde podem acontecer surpresas. Existe o Djokovic, depois alguns tenistas num patamar logo a seguir, mas outros também podem destacar-se. Pode ser o caso do João Sousa. Repare, devido ao atual contexto, a realidade é muito diferente do que era há uns meses, antes da pandemia..No quadro feminino, o que espera? Devido à ausência de algumas das tenistas com melhor ranking, acha que há aqui uma oportunidade para a Serena Williams igualar o recorde de Margaret Court, com a conquista de 24 Grand Slams? Será uma grande oportunidade e um desafio enorme para a Serena. Mas também no caso dela não sabemos como está física e mentalmente. A Serena é uma jogadora forte, mas que precisa da atmosfera do público, e neste caso até iria jogar em casa. No quadro feminino, espero uma competição muito aberta e acredito que vão existir surpresas. Logo a começar pelo facto de seis tenistas que pertencem ao top 10 estarem ausentes. E isso pode colocar a Serena numa boa posição para atingir essa marca histórica. Tenho um feeling de que no quadro feminino vão existir muitas surpresas. Estou muito curiosa e não consigo apontar uma favorita..Deixou o ténis há cerca de nove anos. Sente saudades dos courts, revê muitas vezes em vídeos os seus jogos e as conquistas? Nem por isso. Há umas semanas foi exibido um documentário sobre a minha carreira na televisão belga e os meus filhos quiseram muito ver, sobretudo a minha filha de 7 anos, porque tem noção da carreira da mãe, ao contrário do meu filho de 3 anos. Eu já não jogo, mas o ténis continua a fazer parte da minha vida. Sou comentadora, tenho a minha academia de ténis, onde estou todos os dias a apoiar as crianças. Atualmente, já não pratico muito, o meu corpo já não é o mesmo. Mas não me sinto afastada do ténis, porque continua a fazer parte da minha vida diária. Agora vejo a modalidade com outros olhos e sem a pressão que tinha quando era jogadora. Atualmente, o meu grande objetivo é passar a minha experiência aos mais novos. Costumo dizer que agora tenho um pé no ténis e outro fora. Vivo uma vida normal, sou mãe, estou envolvida em outros projetos. Não preciso de andar a ver vídeos e fotografias das minhas conquistas no ténis. Tenho tudo muito bem presente dentro de mim..Qual é a sua opinião sobre a igualdade entre homens e mulheres no mundo do ténis e em particular na questão dos prémios que são pagos nos Grand Slams? É uma grande discussão. Eu defendo que haja uma igualdade, porque as mulheres estão a trabalhar cada vez melhor e também dão audiências aos torneios. O ténis entre mulheres tem vindo a tornar-se cada vez mais popular nas últimas décadas. E, por isso, têm lutado para que haja uma igualdade em termos de prémios. Ainda não chegámos lá, mas acredito que estamos na direção certa. Eu nunca estive envolvida diretamente nessa luta, mas compreendo os argumentos. O ténis feminino já atingiu um grande patamar, mas julgo que ainda lhe falta alguma consistência. Nos homens, temos três tenistas no topo há vários anos. Precisamos disso nas mulheres..Na quinta-feira, a Naomi Osaka decidiu não jogar a meia-final de Cincinatti em protesto contra o clima de injustiça racial e violência policial que continua a viver-se nos Estados Unidos. E a organização decidiu cancelar todos os jogos desse dia. Como viu este protesto? Foi uma grande posição de força da Naomi e que temos de entender e respeitar. O facto de a própria organização se ter colocado ao lado dela e anulado os jogos significa que muita coisa está a mudar em determinadas mentalidades. Nunca emiti opiniões públicas sobre este assunto, mas sou uma observadora. Agora devemos respeitar aquilo que são as decisões dos atletas e as mensagens que pretendem passar. São decisões pessoais que eu respeito..Veja aqui o calendário do quadro masculino..Veja aqui o calendário do quadro feminino.