Apenas 69 mulheres foram eleitas presidentes de câmara

Das 32 mulheres eleitas para liderar as autarquias em 2017, só 28 se encontram a exercer essas funções (quatro saíram para outros cargos políticos). Na semana em que se assinala o Dia Internacional da Mulher, conheça algumas das motivações, os percursos e as dificuldades sentidas por estas mulheres que tentam sobreviver num terreno ainda demasiado masculino.
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Nas últimas eleições autárquicas, realizadas em outubro de 2017, foram eleitas 32 mulheres para o cargo de presidente de câmara (atualmente mantém-se 28 em funções), o que representou um acréscimo considerável em relação às eleições anteriores, em que apenas tinham sido eleitas 23, num total de 308 autarquias. "O número de mulheres eleitas presidentes de câmara tem vindo a aumentar a partir do ato eleitoral de 2013, mas de forma diminuta, já que a barreira dos 10% só foi ultrapassada em 2017.

No conjunto dos doze atos eleitorais locais da democracia portuguesa, foram eleitos várias centenas de homens para liderar os municípios portugueses e apenas 69 mulheres. Por outro lado, 243 dos atuais 308 municípios nacionais nunca elegeram mulheres para este cargo", afirma Ana Ribeiro, investigadora em Estudos de Género no Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais (CICS) da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

A investigadora, que está a desenvolver a sua tese de doutoramento sobre este tema, entende que "o problema da sub-representação política no patamar local de governo parece continuar adiável e invisível, já que, embora a proporção de mulheres tenha aumentado na política local, não acompanha a subida verificada nos demais patamares de governo, nem atingiu o objetivo mínimo então fixado na lei, de 33,3%, com exceção da assembleia municipal que, em 2017, atingiu 34,6% de representação. Para esta investigadora, o desequilíbrio na representação política é acentuado nas presidências dos órgãos, destacando-se neste cenário negativo a câmara municipal. Acredita ainda que "o ato eleitoral local a realizar no final de 2021 está, pela primeira vez, sob a vigência de várias alterações legislativas, que podem, tendencialmente, fazer aumentar o número de eleitas, mas a presidência dos órgãos continua a ser um aspeto ausente na legislação". Ora, isto revela pouca ambição quanto ao objetivo de empoderamento das mulheres para a liderança, restringindo-se ao aumento da sua presença numérica, apesar de o Estado português ter assumido em termos internacionais o compromisso com a paridade e com a liderança das mulheres, nomeadamente enquanto signatário da Convenção CEDAW e da Agenda 2030.

A Lei da Paridade, promulgada em 2006, estabelecia que as listas para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais fossem compostas de modo a assegurar a representação mínima de 33% de cada um dos géneros (em 2019, a lei foi revista e estabelece agora 40%). Mas, a nível local, a lei não se aplica aos cargos executivos, seja para presidentes de câmara ou para presidentes de junta de freguesia. Por isso, Maria Helena Santos, psicóloga social e investigadora do Centro de Investigação e Intervenção Social do ISCTE que acompanha de perto a temática, entende que a promulgação da Lei da Paridade parece ter servido para aumentar a consciencialização sobre as desigualdades de género existentes na política, gerando algumas mudanças positivas. No entanto, como há alguma resistência, o "espírito" da lei ainda não foi, de facto, interiorizado.

Explica ainda que quando olhamos para os contextos onde a Lei da Paridade se aplica, em comparação com outros países do mundo e da Europa, Portugal está bastante bem situado. "O problema verifica-se quando olhamos para os contextos onde esta lei não se aplica. Aí, o número de mulheres continua bastante baixo, o que significa que o poder autárquico continua a ser dominado pelos homens, sobretudo nos lugares de poder e tomada de decisão", explica. Ana Ribeiro diz ainda que, a este propósito, "na Europa, a representação média de mulheres presidentes ou líderes municipais em cargo equivalente é situada, consoante a fonte (seja o Comité das Regiões Europeu ou o Conselho dos Municípios e Regiões da Europa) entre 13% e 15%, um pouco acima dos 10,4% nacionais".

Mesmo a competir num mundo dominado por homens, as 32 presidentes de câmara eleitas não baixam os braços e enfrentam os desafios. Muitas encaram-nos como uma missão de vida, ou porque querem deixar uma marca nos municípios que as viram nascer, como é o caso de Carla Tavares, presidente da Câmara Municipal da Amadora, ou simplesmente porque não viram costas ao que entendem ser um dever cívico, como, por exemplo, Inês de Medeiros, presidente da Câmara Municipal de Almada.

Dos 20 distritos nacionais, sete deles não têm uma única autarquia liderada por mulheres (ou pelo menos, eleitas em 2017): Beja, Braga, Castelo Branco, Guarda, Viana do Castelo, Vila Real e Viseu. Faro e Santarém elegeram quatro cada (de Faro saiu uma, a presidente de Lagos, e de Santarém saíram duas, a presidente de Abrantes e a de Rio Maior). Bragança, Évora, Faro, Leira, Porto, e Portalegre registam, cada uma, três autarquias lideradas por mulheres, e Aveiro, Coimbra e Leira, duas câmaras. Com um município apenas estão os distritos de Lisboa, tal como a Região Autónoma dos Açores e a da Madeira.

Analisando os dados relativos às eleições de 2017, verificamos que 18 foram eleitas pelo PS, e oito destas estão no seu primeiro mandato. Das restantes, 11 foram eleitas pelo PPD-PSD, pelo PCP-PEV e pela coligação PPD-PSD.CDS-PP (apenas uma, a autarca de Rio Maior). Os movimentos independentes, CLIP, NAU e MIAP elegeram três destas mulheres. Deste total, quatro executivas renunciaram ou suspenderam os seus mandatos para assumir outras funções políticas: Joaquina Matos, presidente da Câmara Municipal de Lagos, atual deputada do PS; Berta Nunes, presidente da Câmara de Alfândega da Fé, atual secretária de Estado das Comunidades Portuguesas; Maria do Céu Antunes Albuquerque, atual ministra da Agricultura; e Isaura Morais, presidente da Câmara de Rio Maior, atual deputada do PSD.

Os percursos políticos destas mulheres são muito idênticos, apesar de terem formações de base e profissões muito variadas. São professoras, médicas, advogadas, empresárias, gestoras, engenheiras que iniciam a sua caminhada ligando-se a instituições locais, como centros de emprego, instituições de ensino, serviços das câmaras e das juntas de freguesia. Algumas foram vereadoras, outras estiveram ligadas a comissões políticas ou envolvidas nos partidos locais, através das concelhias.

São mulheres que não entram na política apenas pela política. Há sempre um apelo de missão cívica que as impele a atuar quando delas necessitam. Ana Ribeiro afirma que, pela pesquisa que já realizou, identificou um conjunto de características comuns a estas mulheres. "Destaco a influência familiar para a participação política ativa, a experiência profissional e académica que lhes permitiu desenvolver a capacidade oratória e argumentativa, o apoio de familiares e de pessoal doméstico para conciliar a agenda política com as responsabilidades da vida privada, o conhecimento das populações que vieram a servir, principalmente em razão da sua atividade profissional, já que a maioria delas não eram naturais dos municípios onde foram eleitas", diz. Acrescenta que a motivação mais comum para empreenderem o percurso político local foi terem vontade de contribuir para servir e melhorar aquela comunidade, e que algumas também se sentem motivadas pelo encorajamento dos seus familiares.

Carla Tavares, 50 anos, presidente da Câmara da Amadora, a única mulher eleita no distrito de Lisboa em 2017, afirma que "é um privilégio ser autarca da cidade onde nasci e poder assim melhorar a vida das pessoas. Na política, exercer funções autárquicas é o que mais me apaixona". Acrescenta que, no seu ambiente familiar, era usual a preocupação cívica e política, pelo que, desde muito jovem se envolveu em movimentos associativos e acabou por entrar, em 1993, na assembleia da freguesia da Reboleira. Apesar de ser licenciada na área de Gestão e de, na altura, estar a trabalhar no setor privado, o bichinho ficou e voltou a integrar, em 1997, uma lista para a Assembleia Municipal, sendo vereadora durante três mandatos. Quando iniciou a atividade como vereadora tinha pouco mais de 30 anos e confessa que, por ser mulher, não foi fácil a sua integração, mas que hoje não sente diferença alguma.

Eleita pelo PS, está no segundo mandato e, embora diga que não faz planos futuros, entende que deverá seguir para uma terceira candidatura. "Faço o que gosto e não tenho planos para um caminho na política que não passe por funções executivas. Mas não consumo o meu tempo a pensar nisso."

Também Inês de Medeiros, 52 anos, atual presidente da Câmara Municipal de Almada, afirma ao DN que um dos motivos para se envolver na política foi o seu ambiente familiar, que fervilhava de ativismo. "Faço parte da geração dos filhos do 25 de Abril, como tal crescemos com a política", explica. Conhecida pelo seu percurso no mundo das artes, como atriz e realizadora, filha do maestro António Victorino de Almeida e irmã de Maria de Medeiros, também atriz, a autarca conseguiu, em 2017, ganhar a Câmara de Almada pelo PS, que há anos pertencia à CDU, e também já fora liderada por uma mulher, Maria Emília de Sousa. Quando questionada se por ser mulher e não ser política de carreira teve mais dificuldades na sua afirmação como presidente da câmara, graceja e diz: "Tive a sorte de Almada já estar habituada a ter uma mulher na liderança." E acrescenta: "Não vale a pena iludirmo-nos, as mulheres têm de demonstrar mais por serem mulheres. Há ainda uma tendência de paternalismo, mas acredito que a mentalidade está a mudar, e este é um movimento imparável."

Ana Ribeiro afirma, a propósito, que um dos entraves que as mulheres sentem no poder local é a prevalência de regras e hábitos masculinos no funcionamento dos partidos políticos. "Por exemplo, as longas reuniões em horário noturno, muitas vezes pouco produtivas. Algumas mulheres também referem que o agendamento das reuniões tem em conta conveniências peculiares, como não coincidirem com os jogos de futebol. Consideram, portanto, desmotivante que os partidos funcionem como "clubes de homens", acrescenta a investigadora. Contudo, também há mulheres que ultrapassam bem esta questão, como assume Carla Tavares, que diz ser muito masculina na forma de fazer política e conseguir conciliar perfeitamente os seus vários papéis na sociedade, como o de autarca e de mãe.

Já Fernanda Asseiceira, 59 anos, presidente da Câmara Municipal de Alcanena, atualmente no seu terceiro mandato nesta autarquia, dedicou toda a sua vida à causa política e social, sacrificando até a vida pessoal, como nos confessa. Iniciou o seu percurso profissional como professora primária, seguindo-se a certificação para o segundo ciclo, e no seu horizonte de vida não fazia parte o desafio político. Porém, foi convidada para integrar funções regionais na área da educação, esteve ligada ao Inatel e, ao conhecer bem a região de Santarém, acabou por sentir que reunia condições para ser deputada pelo distrito. Já era militante do PS, e acabou por assumir, por sentido de responsabilidade, o que chama de vazio político e candidatou-se à Câmara de Alcanena, no distrito de Santarém. Perdeu em 2005, mas venceu em 2009, em 2013 e em 2017. Curiosamente, esta equipa executiva é liderada por duas mulheres, Fernanda Asseiceira e Maria João Gomez, a vice-presidente.

Concorda que estas funções são muito exigentes, mas é fundamental existir um saudável equilíbrio de género. "Há mulheres muito capazes, mas tem havido maior predisposição dos homens para estes cargos. O poder local implica um exercício de maior proximidade, que tem de ser exercido em pleno, sem horários", afirma. Como tem uma vida familiar menos estruturada, não tem marido nem filhos, acabou por se dedicar quase em exclusividade a esta função. Sem querer falar do futuro, afirma que termina o seu mandato com alguma tristeza, pois a gestão da pandemia tem sido muito exigente e acaba por deixar alguns projetos por concluir.

Os obstáculos na ascensão das mulheres ao poder local ainda são alguns e o equilíbrio entre a vida profissional e a vida familiar tem o seu peso. "De facto, as mulheres continuam a carregar a dupla e a tripla jornada de trabalho e, por essa razão, por vezes, acabam por se dedicar menos à política do que os homens, sobretudo quando têm crianças pequenas", remata Maria Helena Santos.

Luísa Salgueiro
Uma advogada de causas

Luísa Salgueiro, 53 anos, presidente de um dos maiores concelhos nacionais, o de Matosinhos, é uma mulher de armas e vai à luta para defender os seus sonhos. Foi, aliás, por isso que se tornou advogada, e a motivação subjacente ao seu percurso político é a mesma de então. Natural de Matosinhos, vê na política local uma forma de estar próxima das pessoas, intervir e melhorar assim as suas vidas. Ainda hoje mantém a profissão que exerceu entre 1991 e 1999, embora suspensa, mas pelo caminho foi vereadora, deputada em três legislaturas, diretora do Centro de Novas Oportunidades, presidente da Comissão de Proteção de Menores de Matosinhos, entre muitas outras.

Casada, com uma filha, admite que nem sempre é fácil gerir a vida familiar, mas que se sentiu sempre apoiada neste aspeto. "A minha filha tinha 3 anos quando fui deputada em Lisboa. Isto só foi possível porque tive muito apoio familiar", revela. Afirma ainda que "tenho o meu tempo muito organizado, pois também sou dona de casa, sou mãe e sou filha". Quanto à sua continuidade na autarquia de Matosinhos, e uma vez que está ainda no primeiro mandato, afirma que pretende recandidatar-se. "Se puder, claro que pretendo continuar na presidência da câmara", remata.


Maria das Dores Meira
Almada à vista?



A presidente da Câmara Municipal de Setúbal, Maria das Dores Meira, 61 anos, eleita pela CDU, está no seu último mandato. Desde muito jovem que desenvolve atividade política e partidária. "Se se pode falar de apelo, diria que esse apelo me surgiu após o 25 de Abril de 1974, tinha 17 anos, altura em que constitui uma comissão de moradores, mas já antes disso sentia a necessidade de combater as injustiças, a pobreza e a repressão das ideias. A motivação para entrar na vida autárquica vem precisamente daqui", explica. Porém, assume que esta surgiu por acaso. Licenciou-se em Direito, após ter tirado o curso de Solicitadora, enquanto conciliava os estudos com a vida empresarial. Como agente oficial de marcas e patentes, geria uma empresa, negócio para o qual poderá voltar quando der por encerrada a vida autárquica.

Sobre a questão das mulheres no poder, entende que "precisam sempre de trabalhar mais e mais depressa, e é evidente que, quando assumi a presidência da Câmara de Setúbal, senti isso com maior intensidade". Acredita que a lei da paridade é necessária para "forçar" a entrada das mulheres na vida política, e confessa que se sente com energia para continuar o projeto autárquico com a CDU. "Não será surpresa para ninguém que afirme que vejo Almada, a cidade onde nunca deixei de viver, como um desafio muito interessante", remata.


Anabela Freitas
Tomar as rédeas da cidade


Na família sempre se discutiu muita política, e este era o tema normal das conversas ao jantar. Por isso, quando, em 1998, Anabela Freitas se inscreveu no PS de Tomar, foi visto como um processo natural. "Penso que temos a obrigação de contribuirmos para a comunidade, seja pela via do voluntariado, do associativismo ou da política. Escolhi a política", afirma Anabela Freitas, 54 anos, atual presidente da câmara municipal. Licenciou-se em Gestão de Recursos Humanos e Comportamento no Instituto Politécnico de Tomar, e fez o seu percurso profissional no IEFP, no qual ainda é quadro.

Dentro do partido, começou como membro da comissão política concelhia, depois na comissão política distrital e foi presidente do Departamento Federativo das Mulheres Socialistas de Santarém, integrou listas candidatas à autarquia de Tomar, foi membro da Assembleia Municipal de Tomar, deputada na Assembleia da República e finalmente chegou a presidente de câmara. Diz que a questão das quotas pode ser discutível, mas são úteis. "Recordo-me que quando começaram a ser aplicadas as mulheres só podiam ir nos terceiros, sextos e nonos lugares. Agora as coisas estão diferentes", remata. Está no seu segundo mandato e afirma que se vai recandidatar a um terceiro, após o qual regressará às suas funções do IEFP.

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