Primeiro, a terminologia. Rede social não é sujeito, é veículo. Sujeito é uma empresa, um Estado, uma agência de informações ou qualquer outro operador. Engana-se quem pensa que as redes sociais fazem e acontecem. Nada! Para o melhor e o pior, as empresas, os Estados e as organizações é que fazem e acontecem....Depois, o drama. Em poucos dias, milhões de aderentes do Facebook abandonaram a rede. Mas centenas de milhões ficaram e até aumentaram o seu uso, a fim de ver o que se passava. Milhares de accionistas deixaram de o ser, mas muitos milhões continuaram e até houve uns tantos que compraram acções na expectativa de vir a ganhar qualquer coisa. O valor da empresa na Bolsa diminuiu dois ou três mil milhões de dólares, mas ainda se eleva a centenas de milhares de milhões, várias vezes o PIB português..Sabia-se que empresas das redes inquiriam, agregavam informação, usavam o GPS, vigiavam pessoas e movimentos, interpretavam hábitos e costumes, detectavam preferências, construíam "narrativas" individuais e colectivas e finalmente vendiam. O que se passou foi uma confirmação, não uma novidade..Os utilizadores dão voluntariamente os dados e até gostam de ser seguidos. Uns sentem-se importantes. Outros gostam de se exibir. Outros ainda querem coscuvilhar e têm gosto em espreitar. Poucos são os inocentes, os que não sabem que os dados se vendem. Todos sabem que as redes não são uma dádiva desinteressada dos Estados e dos capitalistas..Toda a gente sabe que os dados dos cidadãos, crédulos e incrédulos, são comprados por quem tem dinheiro e interesses: comerciantes de tudo e fabricantes de qualquer coisa. Os publicitários e as agências de sondagens descobriram nestas redes fontes inesgotáveis de informação. Outras profissões e instituições se interessaram também: políticos, câmaras municipais, polícias, espiões e autoridades fiscais. Sem falar em máfias, seitas e clubes desportivos. Enfim! Quase toda a gente com poder. E quem não tem poder julga adquirir algum por esta via. Por isso, estas redes têm passado impunes sem que ninguém as incomode!.As redes deixam passar o que lá se coloca. O histórico da vida de cada um, as deslocações, os movimentos bancários, a navegação na net, tudo lá está e pode ser usado. Mas a vontade do próprio é o factor decisivo. Sem ela, nada a fazer. O indivíduo que se sente importante dá os seus dados. O que quer saber dos outros dá para a troca. O coscuvilheiro dá para receber. O curioso e o sôfrego querem estar ao corrente de tudo e dão o que têm para obter o que pretendem. As empresas que operam as redes perceberam estes instintos e fazem a colecta. Depois, articulam e fazem bases de dados. A partir de um certo momento, têm algo que vale milhões e é muito mais do que a soma das partes..Mais uma vez: a vontade e as decisões do utilizador estão na base de tudo. Ora, os próprios gostam do exibicionismo ou não se importam. Os likes, por exemplo, dão a muitos a sensação de estarem a votar, a dar uma opinião e a contar para alguma coisa. E estão, na verdade, a dar o nome, a localidade, as preferências, os hábitos, os segredos, as deslocações, as relações sociais, tudo!.As revelações recentes sobre o Facebook, a maior de todas as redes, comoveram muita gente. Os concorrentes lançaram-se ao ataque. Os adversários juntaram-se para denunciar e tirar algum proveito. Depressa surgiram propostas para corrigir, proibir, censurar, taxar, forçar o escrutínio, evitar os abusos... Há mesmo quem pense em vigiar tudo, como os americanos, ou censurar, como os chineses e os norte-coreanos. Uma obsessão: controlar! Uma hipótese: censurar ou proibir! Uma sugestão: nacionalizar! Um voto piedoso: regular!.Comum a estas emoções, às propostas insensatas que se ouvem e aos gemidos de escândalo que nos chegam, um fio condutor: as culpas são das redes, os cidadãos estão inocentes e foram enganados! Nada mais errado, como se verá..As minhas fotografias.A navegar na rede. .Na Praça D. João I, no Porto, um grupo de jovens procura Pokémons... Ou Pokémons Go, como alguém me corrigiu logo. Ou lá o que seria! Verdade é que, em toda esta praça, umas dezenas de jovens passavam a sua tarde em grande animação..Se procurassem gambozinos, seriam rapidamente considerados rústicos. Ou pior. Mas, sendo Pokémons, são vistos como pequenos génios, entretidos com jogos de elevado teor cerebral e com reminiscências culturais indiscutíveis. Alguns dos presentes contactavam directamente Snorlax e Picachu. Enquanto outros, mais sofisticados, preferiam Kabutops e Pinsir. Para um laico, qualquer tentativa de perceber o que ali se passava era inútil. Era como se falassem em aramaico. fotografia de antónio barreto