António Costa ignora ameaças de Cavaco Silva

Demitir o governo, vetar leis, pedir a sua fiscalização. Cavaco diz que quase todos os seus poderes permanecem intactos
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De rosto crispado, que nunca se abriu ao longo da cerimónia da tomada de posse, Cavaco Silva não abriu mão da prerrogativa dos seus poderes. De todos eles, exceto o da dissolução parlamentar, o único de que "se encontra cerceado".

O Presidente da República prometeu a sua "lealdade institucional" ao governo e ao recém-empossado primeiro-ministro no que for para a "salvaguarda dos superiores interesses nacionais". No entanto, nesses quatro parágrafos finais do seu discurso, Cavaco Silva sublinhou que não abdicava (o verbo é seu) "de nenhum dos poderes que a Constituição atribui ao Presidente da República", acrescentando que tem "a legitimidade própria que advém de ter sido eleito por sufrágio universal e direto dos portugueses".

Há um aviso: o Chefe do Estado vigiará todos os atos do executivo e Cavaco Silva disse que "tudo" fará "para que o país não se afaste da atual trajetória de crescimento económico e [da] criação de emprego e preserve a credibilidade externa".

[citacao:Tudo farei para que o país não se afaste da trajetória]

Pode ser por aqui que o Presidente entenda que pode usar todos os poderes que tem à mão, como "demitir o governo, ouvido o Conselho de Estado, quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas (o que significa que não o pode fazer simplesmente por falta de confiança política)", como se lê no site da Presidência, referindo-se aos poderes presidenciais inscritos na Constituição.

Cavaco Silva tem vários instrumentos ao seu dispor (ver caixa): vetos políticos ou constitucionais, pedidos de fiscalização da constitucionalidade de leis ou - sem poder lançar a bomba atómica da dissolução do Parlamento - mandar abaixo o governo.

Sobra pouco tempo para o executivo de António Costa tropeçar nas próprias pernas: no imediato, a aprovação do programa de governo socialista está garantida também pelos votos do BE, PCP e PEV; as eleições presidenciais acontecem a 24 de janeiro (e uma eventual segunda volta a 14 de fevereiro); e o Orçamento do Estado (sobre o qual ainda pairam algumas sombras) deverá ser discutido e votado até março. E Cavaco Silva deixa Belém a 9 desse mês de março.

As ameaças do Presidente podem cair em saco roto. O candidato a Belém da área política do PSD e CDS, Marcelo Rebelo de Sousa, disse ontem que já chega de discutir "se a crise deve continuar ou não, se há dissolução ou não, se o governo cai ou não. Não podemos brincar com coisas sérias", atirou. E lembrou a Cavaco que o seu tempo também chegou ao fim. "Entendo que hoje se virou uma página. Terminou um ciclo político no governo e na Presidência da República."

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Governo sem garantia de 4 anos

O Presidente da República não ouviu Marcelo - e duvida que António Costa se aguente para toda a legislatura. "Sendo o governo minoritário, e não resultando inteiramente claro dos documentos assinados entre os partidos a garantia de durabilidade no horizonte temporal da legislatura, a tomada de posse e entrada em funções do novo executivo constitui uma prova para a capacidade de diálogo não só com as demais forças políticas mas também com os parceiros sociais e as instituições da sociedade civil", alertou.

Costa notou, já como primeiro-ministro empossado, que "o governo provém da Assembleia da República - e é perante a Assembleia que responde politicamente". E sacudiu qualquer tutela de Belém ao programa de governo, dizendo que este só será discutido "no órgão de soberania que detém a competência exclusiva para a sua apreciação - a Assembleia da República".

Costa apontou ainda um horizonte de quatro anos para a sua governação, quando se referiu que, "através de um processo de diálogo político transparente e democrático, se formou uma maioria estável que assegura, na perspetiva da legislatura, o suporte parlamentar duradouro a um governo coerente".

Logo na parte inicial da sua intervenção, Cavaco Silva disse que as dúvidas que levantou aos acordos assinados entre o PS e os outros partidos de esquerda (BE, PCP e PEV) "não foram totalmente dissipadas". "Os referidos documentos são omissos quanto a alguns pontos essenciais à estabilidade política e à durabilidade do governo, suscitando questões que, apesar dos esforços desenvolvidos, não foram totalmente dissipadas", explicou-se.

Cavaco notou que este executivo nasceu "de uma solução inédita na história da nossa democracia, suportada por uma maioria parlamentar que se comprometeu a não inviabilizar a entrada em funções de um novo executivo".

"Desejo a vossa excelência, senhor primeiro-ministro, e aos membros do XXI Governo Constitucional, os maiores sucessos nas exigentes funções que agora iniciam", rematou o Presidente da República no seu discurso, apesar do rosto fechado e das palavras duras

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