Antes de Cavaco Silva os aplausos vinham de todos
Sentados e sem aplaudir: primeiro durante o juramento da posse do novo Presidente da República e depois durante todo o discurso do Presidente da República. Os deputados do BE, do PCP e do PEV, todos os deputados da esquerda à esquerda do PS, quase nunca aplaudiram nem se levantaram, uma única vez, ao ouvir as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa.
Este é um gesto recente, inaugurado com os mandatos de Cavaco Silva (ver caixa). Em 2006 - já com o BE sentado na Assembleia da República -, o Presidente da República prometia "cooperação estratégica" ao governo socialista de José Sócrates, mas as mãos dos deputados comunistas e bloquistas não se mexeram para os aplausos.
A bancada do PS aplaudiu Cavaco Silva, mas cinco anos depois, a 9 de março de 2011, o Chefe do Estado pedia "limites" para os "sacrifícios" a impor aos portugueses e também os socialistas se impunham um limite à mensagem presidencial: quieta, sentada e sem qualquer assomo de palmas. Escassas semanas depois, Sócrates pedia a demissão.
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Com Marcelo, apesar do discurso que ensaiou "pontes", como admitiu ontem a porta-voz bloquista, Catarina Martins, só por uma vez as bancadas do BE, PCP e PEV aplaudiram o parágrafo em que o Chefe do Estado se referiu ao 25 de Abril.
Depois de falar de umas Forças Armadas "sempre fiéis a Portugal", Rebelo de Sousa recordou em quatro linhas: "Assim foi, também, em 25 de Abril de 1974, com os jovens capitães, resgatando a liberdade, anunciando a democracia, permitindo converter o império colonial em comunidade de povos e estados independentes, prometendo a paz, o desenvolvimento e a justiça para todos." E, aqui sim, os 36 deputados do BE, PCP e PEV bateram tímidas palmas a Marcelo.
Estas bancadas voltariam a aplaudir só mesmo no final da cerimónia, quando fechou o pano da sessão: de pé, entoou-se o hino e todos os deputados bateram palmas.
Nos Passos Perdidos, Catarina Martins explicou que o discurso de Marcelo "tem, em boa medida, uma visão conservadora do país, mas que tenta fazer pontes para todos os setores", lembrando que o consenso é próprio de um "centrão", político e económico. Já o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, também disse que prefere esperar para ver: "Não basta ter boas intenções, é preciso uma prática."
Mas o silêncio da esquerda não foi exclusivo de Marcelo. O elogio do socialista Ferro Rodrigues a Cavaco Silva foi recebido com frieza, sem palmas, também na esmagadora maioria da bancada do PS.