A Direção-Geral do Ensino Superior (DGES) não recebeu nenhuma denúncia relativa a praxes abusivas nos primeiros dias deste ano letivo, que coincidem com a receção aos novos alunos. Depois da diminuição do número de queixas registadas nos últimos anos, a primeira semana chega ao fim sem denúncias. Para os representantes dos alunos e responsáveis pelas instituições de ensino superior, podemos estar perante uma mudança de paradigma, relacionada com a imagem negativa que a praxe ganhou nos últimos anos..No ano passado, a linha de denúncias de praxes abusivas e violentas recebeu nove queixas relativas a agressões entre alunos. Criado há cinco anos, este serviço tem vindo a receber cada vez menos denúncias. No primeiro ano, começou com 80, passando para 18 no ano seguinte. Em 2017-2018 registaram-se dez e, no ano letivo passado, baixou para nove..Segundo os dados do ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, este ano ainda não foi relatado nenhum caso de abusos. Para Pedro Dominguinhos, presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), "há um movimento, uma cultura de maior controlo social e um maior envolvimento de todos os atores no sentido de terminar com os comportamentos abusivos". Nos últimos anos, sublinha, "houve um trabalho muito forte que favoreceu este ambiente". Seja através de comunicados ou ações presenciais, "os próprios reitores e presidentes têm tido uma ação mais interventiva nos últimos anos"..Embora os programas de acolhimento das universidades existam há muito tempo, este responsável considera que "não existiam de forma articulada em todas as instituições de ensino superior" como existem atualmente. Agora, prossegue, há um trabalho articulado entre as direções e as associações académicas. "Passaram a ter mais relevância, mais visibilidade institucional." Destacando que o abandono do ensino superior acontece sobretudo no primeiro ano, Pedro Dominguinhos reforça a importância do acolhimento feito pelos pares. "Se houver articulação entre todos os atores, favorecemos a integração", realça..É difícil saber o que estará na origem da diminuição do número de queixas relacionadas com a praxe, diz António Cruz Serra. "Estou convencido de que pode ter que ver com o discurso que todos temos feito relativamente a situações intoleráveis na praxe, que parece estar a passar para dentro da academia", atira o reitor da Universidade de Lisboa. Se há menos queixas, diz, "é porque as coisas estão a correr melhor"..Na opinião de Cruz Serra, existe um "repúdio generalizado na academia em relação à praxe abusiva". Contudo, ressalva, "corremos o risco de a situação de repente mudar e aparecer uma notícia menos agradável"..Maior controlo e alternativas.A linha de denúncias de praxes abusivas nasceu depois do caso que ocorreu na praia do Meco, onde um grupo de estudantes morreu, em 2013, ao que tudo indica enquanto participava numa praxe. Na sequência desse caso, e de outros que pontualmente eram relatados, também foram sendo criadas alternativas à integração dos estudantes, de norte a sul do país, com eventos musicais, projetos solidários e outros, que podem ser encontrados no portal Exarp, lançado em 2017..Pelo segundo ano consecutivo, a Universidade de Aveiro (UA) organizou nesta semana um piquenique académico para promover o acolhimento de novos estudantes. No relvado da Alameda, estenderam 800 toalhas de mesa para receber 2000 caloiros da academia..Ao DN, António Alves, presidente da Associação Académica da UA, diz que há um trabalho feito em articulação com a universidade que permite elaborar um "programa de acolhimento distanciado da praxe, mas que possibilita a integração dos novos estudantes na universidade e da cidade". Os quatro dias de concertos que se estendiam pela madrugada, por exemplo, foram substituídos por um mês "de concertos, workshops, aulas de surf", entre outras atividades..Embora a AA não tenha qualquer ligação à praxe, António Alves diz que "foram desenvolvidos mecanismos contra os episódios mais infelizes, para evitar que aconteçam". Dentro da estrutura da praxe, adianta, há um grupo que fiscaliza as atividades, pelo que, em Aveiro, "as queixas nunca foram muito numerosas e até estão a diminuir"..Para o presidente da AA aveirense, "a imagem da praxe não se tem conseguido dignificar", o que leva a um "afastamento dos estudantes das atividades da praxe". Segundo o representante dos alunos, "o número de praxados e de praxantes está a diminuir". Além disso, "os estudantes praxistas têm cada vez mais preocupação com as atividades que fazem, até pela ressonância que isso tem na comunicação social"..Já João Pedro Videira, presidente da Federação Académica do Porto, defende que "o que motiva a diminuição do número de denúncias sobre a praxe é, sobretudo, um olhar muito mais atento da sociedade a essas situações, um olhar condenatório". Na opinião de João Videira, "as situações abusivas estão efetivamente a diminuir", não só porque muitas pessoas "não aderem" como também porque "quem promove a praxe percebeu que, se queria continuar a fazê-lo, tinha de mudar comportamentos. As coisas não podiam continuar como estavam"..A diminuição do fenómeno deve-se também, no entender de João Videira, ao facto de terem começado a existir "pequenas consequências para quem comete esses atos [abusivos]. Isso serviu de exemplo"..Como alternativas à praxe, o presidente da FAP refere a iniciativa P.PORTO Desde o 1.º Dia, que pretende facilitar a integração dos alunos das escolas do Instituto Politécnico do Porto, promovendo "um programa intensivo de desenvolvimento de soft skills para os novos estudantes se conhecerem e estarem integrados".