Animais selvagens e humanos: os inimigos invisíveis
No início deste ano a humanidade quase parou por causa da Covid- 19, doença provocada por um novo coronavírus que alegadamente terá saltado para a espécie humana através do morcego e/ou do pangolim. Da mesma forma que os animais podem transmitir doenças às pessoas, também as pessoas podem infetar animais com agentes patogénicos que lhes podem ser fatais.
Em 2018, um estudo realizado pelo professor de Zoologia da Universidade de Barcelona, Jacob González- Solis, deixava o alerta: várias espécies na Antártida estão ameaçadas de extinção por agentes patogénicos transmitidos por humanos. Os autores do estudo encontraram duas bactérias responsáveis por diarreia em humanos, uma delas resistente a antibióticos, em aves migratórias colocando em risco a vida no ecossistema polar.
Os exemplos multiplicam-se. Em 2009 foram detetados casos de infeção em porcos pelo vírus da gripe H1N1 transmitido pelos seres humanos. Em mabecos, também conhecidos como Cão - Selvagem- Africano, foi detetado um protozoário que terá sido transmitido aos animais através de fezes humanas. Num Santuário de vida selvagem no Congo, seis bonobos, uma espécie de primata, morreram com gripe. Em elefantes já foi diagnosticada tuberculose.
A destruição dos ecossistemas, as alterações climáticas, as viagens, a intensificação da criação de animais para o nosso consumo, o crescimento do mercado de animais de companhia, a intromissão humana em habitats selvagens e a introdução deliberada ou acidental de espécies exóticas são algumas das razões que explicam a crescente proximidade entre pessoas e animais.
Por causa da elevada taxa de contágio da Covid- 19, também o novo coronavírus causador da doença, SARS- CoV-2, tem sido alvo da atenção de vários cientistas.
Joana Damas é investigadora na Universidade da Califórnia e participou num estudo que tinha como objetivo analisar o genoma de várias espécies para perceber quais as mais suscetíveis à infeção. No topo da tabela, com elevado risco surgem várias espécies de primatas como o chimpanzé, o bonobo e o gorila das planícies ocidentais, alvos prioritários de vigilância. O veado, o hamster chinês, o papa-formigas e algumas espécies de baleias e golfinhos estão incluídos na categoria de alto risco.
Já na de risco médio encontramos os animais domésticos e o gado. Cães, gatos, cavalos, ovelhas, porcos estão nesta categoria. O mais surpreendente para a investigadora portuguesa foi perceber que veados, baleias, golfinhos e alguns roedores são animais que surgem em categorias mais elevadas. Furões e visons, espécies onde já foi diagnosticada infeção por SARS- CoV-2 e com sintomas severos, integram a classe com a suscetibilidade mais baixa. Será que o vírus utiliza outros recetores nestas espécies? Mas Joana Damas deixa o alerta, tratou-se de um estudo que pretendia identificar as espécies mais suscetíveis para fazer a sua monitorização. O passo seguinte será a investigação experimental para confirmar essa suscetibilidade. Até porque é importante relembrar que a infeção por SARS-CoV -2 depende de muitos fatores, vários ainda desconhecidos, e não só da vulnerabilidade das espécies.
Mas a preocupação existe. Aliás a IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza) emitiu algumas orientações para quem estuda animais selvagens com o objetivo de diminuir o risco de transmissão do vírus. A utilização de equipamento de proteção e evitar o maneio dos animais são algumas das recomendações.
A proteção de animais e pessoas sempre foi uma das preocupações da loja Alvespets que, durante o confinamento evitou, apesar da enorme procura, vender animais de forma a minimizar as compras por impulso. Cobras, aves, tartarugas, lagartos, furões são alguns dos animais disponíveis nesta loja que desde o inicio da pandemia apenas permite a entrada a quem pensa em adquirir um animal. Os restantes clientes são atendidos à porta. A existência de pedilúvios, recipientes com desinfetante para lavar as solas dos sapatos, e o reforço das medidas de higiene foram outras medidas implementadas. E conforme explica Sandra Silva, "apesar de todos os nossos animais terem vigilância veterinária, resolvemos retirar os morcegos da loja para não criar mais receios".
O encontro com um animal selvagem é sempre um momento de grande emoção. Para segurança de todos o melhor é ficar pela mera observação conservando as devidas distâncias e nunca dar alimento, o que acarreta vários riscos, como por exemplo, a contaminação dos ecossistemas. E se o animal estiver em apuros? Élio Vicente, biólogo marinho e diretor do Porto d"Abrigo, centro de reabilitação de animais do Zoomarine, aconselha a alertar as autoridades, a seguir as instruções dadas e a não esquecer que o animal, já em stress, poderá ser agressivo. Se o contacto for inevitável é bom ter em mente que nos estamos a contaminar e a levar para casa, para os nossos animais de companhia, para as crianças e idosos, eventuais agentes patogénicos.