O que têm em comum Rui Rio e Angela Merkel? Não será o entusiasmo da chanceler alemã pelas óperas de Wagner. Provavelmente também não o interesse de Rui Rio pela tese de doutoramento de Merkel sobre "O mecanismo das reações de decomposição e o cálculo das constantes de velocidade baseado em métodos quântico-químicos". Dizer que Rio e Merkel começaram as suas carreiras políticas na periferia dos centros de poder dos respetivos países (Rio no Porto, Merkel na ex-RDA) seria simplificar as coisas. E o facto de ambos terem frequentado escolas alemãs (Rio em regime de colégio privado no Porto, Merkel numa escola pública socialista numa cidade de província) também não acrescenta grande coisa..O que os une, enquanto líderes de grandes partidos do centro-direita (o PSD foi durante muitos anos financiado por fundações ligadas ao partido de Merkel), é o projeto de longo prazo para reduzir à insignificância o seu concorrente direto: o PS no caso de Rui Rio, o SPD no caso de Merkel. Só que Merkel leva quase década e meia de avanço. A estratégia para destruir o adversário é formar com ele uma grande coligação..Merkel formou o seu primeiro governo, já lá vão 13 anos ininterruptos como chanceler, depois de vencer o SPD nas eleições de 2005 por um ponto percentual. Essa margem ínfima bastou para fazer cair o seu antecessor. Nesse ano, Merkel formou a sua primeira grande coligação com o SPD. Nas eleições seguintes, em 2009, o desgaste do SPD fez aumentar a vantagem da CDU para dez pontos percentuais. Em 2013 a vantagem da CDU de Merkel sobre o SPD já ia em 16 pontos percentuais. E, nas últimas eleições, no final do ano passado, o resultado nacional do SPD voltou a cair cinco pontos..Como principais razões para esse desgaste do SPD, partido irmão do PS português (foi o SPD que patrocinou a fundação do PS em 1973, na Alemanha), são apontadas a perda de sentido de identidade dos trabalhadores alemães com o fim das indústrias pesadas, a colagem do centro-esquerda à agenda neoliberal e, sobretudo, a participação do SPD em duas grandes coligações com o partido liderado por Angela Merkel, caminhando neste momento a passos largos para a terceira GroKo (acrónimo de Große Koalition, em português Grande Coligação) como parceiro júnior da chanceler..Em 20 anos, o SPD alemão conseguiu reduzir a sua votação de quase 40% dos votos para menos de 20% nas últimas sondagens. Em Portugal, o PS caiu de 45% dos votos para 32%, em menos de dez anos. Mas, mesmo assim, António Costa conseguiu formar governo e fugir a um bloco central com o PSD. A decisão foi arrojada e trouxe resultados: as sondagens dão atualmente uma enorme vantagem ao PS. Mas até às próximas eleições, dentro de um ano e meio, muita, muita água correrá. Rio conta com isso..Por isso, Rui Rio foi estratega e merkeliano ao admitir uma grande coligação com o PS, um bloco central, como se diz em português. Até lá, pode ser que se adote a expressão alemã. O dia chegará em que Rio dirá a Costa o que Merkel disse a Schulz.."Ó António, porque é que não fazemos uma GraCo os dois?" "Uma GraCo?" "Sim, uma GraCo, uma grande coligação como a Merkel e o Schulz." GraCo soa melhor do que bloco central. Bloco central lembra doentes terminais. Tipo: o PSD e PS estão muito mal. Têm de ir de urgência ao bloco central..Conhecendo as manhas de António Costa, será perfeitamente capaz de aceitar a GraCo, mas de convencer Rui Rio a ser o parceiro júnior. Mais vale meia dúzia de ministérios do que mais quatro anos de oposição..Independentemente de saber se é o PS ou o PSD que fica à tona da água na chefia do governo daqui a um ano e meio, as consequências das grandes coligações são nefastas ao centro. A mensagem para os eleitores é "são todos iguais". É isso que tem estado a acontecer na Alemanha. Anos a fio de Grandes Coligações e cada vez mais gente se cansa do centro. Também por isso, o Afd, o partido da extrema-direita na Alemanha, racista e xenófobo, será o maior partido da oposição, quando a CDU e o SPD voltarem a coligar-se dentro de semanas ou meses, se tudo correr bem. Ou mal, conforme a perspetiva.