Dia mundial para a sensibilização para a perda gestacional e neonatal assinalado com encontro de pais."Poucas experiências se comparam ao trauma de perder um bebé. Aqui, no Amor para além da Lua, pretendemos oferecer informação, apoio e compreensão durante o tempo que precisar nesta altura tão difícil e desconcertante". Começa assim o texto de apresentação do site amorparaalemdalua.com, onde pais que perderam bebés podem encontrar ajuda para ultrapassar o luto. E é isso mesmo que Renata Silva e Cláudia Caetano, as responsáveis pelo projeto, têm feito nos últimos dois anos..A vontade de ajudar surgiu quando Renata Silva teve de interromper a gravidez e não encontrou o apoio que precisava. "Tive de interromper às 22 semanas, em 2020. O bebé tinha várias malformações e uma restrição de crescimento grande", recorda..Após a decisão, Renata procurou perceber a causa dos problemas do bebé. Passou muitas horas pesquisar na internet e a fazer exames médicos para ter a certeza de que o mesmo não aconteceria numa gravidez futura, o que se confirmou. Renata tem hoje um filho de dois meses, o Gonçalo, um bebé arco-íris (bebés que nascem após uma gestação sem sucesso)..Renata recorda a falta de ajuda e de respostas quando soube que teria de abortar e após o procedimento. "Não tive muito apoio. Não conhecia ninguém que tivesse passado pelo mesmo e pesquisava no google as respostas às minhas dúvidas. Sabia que tinha de interromper a gravidez, mas não fazia ideia do que ia acontecer, de como era o procedimento e quase que ofendia os médicos pelas perguntas que fazia. Sentia-me desamparada", recorda..Nessa altura, reencontrou nas redes sociais uma amiga de longa data, Cláudia Caetano, a viver em Londres. As duas tinham acabado de passar pela perda gestacional, mas a experiência do luto era "diferente". "A Cláudia perdeu a bebé dela às 25 semanas e fez um desabafo no Facebook sobre o que estava a passar. Entrei em contacto com ela. Começamos a falar e nunca mais paramos. A Cláudia , ao contrário de mim, tinha muito apoio em Inglaterra", conta..Cláudia recorda essa fase, fevereiro de 2020, o mês em que ambas as amigas perderam os bebés, ressalvando as diferenças no "acompanhamento". "Em Inglaterra a mentalidade das associações é diferente. Quando o coração da Charlie parou de bater, sem se perceber porquê, tive apoio de associações e fundações de caridade, que pagam desde caixinhas de memória, funerais, dão panfletos de informação. Ainda quando estava no hospital deram-me um livrinho que dizia o que estava a acontecer. O livro explicava todos os passos. Explicavam como se organizava o funeral, como dar a notícia à família ou aos outros filhos. Havia muita informação e, além disso, encaminham as mães para círculos de partilha, o que ajudou muito", conta..Esta diferença de experiências entre as duas levou-as a criar o projeto "Amor Para Além da Lua". "Achamos que não era justo ir para casa após uma perda sem ter com quem partilhar a dor ou sem saber que exames devem ser realizados. A vida continua, mas o luto tem de ser feito", sublinha..Desde que as amigas se juntaram e criaram a página no Facebook (facebook.com/amorparaalemdalua), milhares de pais juntaram-se à rede. "Estamos a apoiar, nas redes sociais, para lá de 7 mil pessoas. Temos os círculos online com cerca de 25 mães em rotação, com uma psicóloga, uma enfermeira e mães que passaram pela perda gestacional ou neonatal", explicam Renata e Cláudia..Quem também se juntou ao projeto foi Ana Santos, após ter perdido a sua bebé, às 40 semanas, em dezembro do ano passado. "Já sabia que a bebé ia nascer sem vida e nas horas seguintes após o parto, senti que havia muito pouca conexão connosco e precisava de apoio. Foi aí que encontrei o Amor para Além da Lua e foi ali que encontrei o apoio que precisava", afirma..Após ter participado nos encontros online, surgiu a ideia de fazer um evento presencial "para sensibilizar as pessoas e mostrar que estes pais não estão sozinhos", explica. Para Ana Santos, estes processos de luto são "penosos e traumáticos" e a ajuda de quem "já passou pela mesma dor é essencial". "No meu caso, tornou o processo de luto mais fácil e o facto de poder ajudar alguém torna o processo mais completo. Consigo ajudar-me a mim e aos outros. Fazer este evento, mesmo que seja custoso por reavivar a memória, é gratificante", conclui..Rita Cruz, enfermeira do Centro Materno Infantil do Norte (CMIN) também sentiu necessidade de fazer mais e abraçou a missão do "Amor para além da lua". "Trabalhei sete anos em Gaia, em cirurgia, e quando cheguei ao CMIN, que é um centro de referência, tinha a ideia de que era tudo felicidade. Fui parar a um serviço de ginecologia, onde há muitas gravidezes de risco e mães que sabem que vão ter bebés prematuros. Lidava com muitas perdas gestacionais. Não fazia ideia de que existiam tantas porque são muito abafadas", recorda..A enfermeira começou a dar apoio aos casais, disponibilizando o seu contacto pessoal. As chamadas e SMS multiplicaram-se e percebeu que "tinha de fazer mais". "Os casais ficam muito sozinhos e o mesmo acontece às mães com bebés prematuros. Sentem-se perdidas e pedem para não ter alta. Nessa parte, há uma falha muito grande no apoio aos pais", sublinha..O evento "Amor Infinito nas Estrelas" tem lugar este sábado, no Parque da Cidade, no Porto (zona junto ao Pavilhão da Água), pelas 15h00, e contará com vários momentos de partilha, de convívio e de homenagem. Serão, por exemplo, lançados balões com o nome dos bebés que partiram.."Os objetivos do encontro são reforçar o espírito de comunidade entre as famílias que enfrentam esta realidade, por norma de forma tão isolada, proporcionando um espaço seguro e de apoio, de convívio e de partilha, homenagear os bebés que partiram cedo demais, e consciencializar a sociedade para a perda gestacional e neonatal", referem as organizadoras. Recorde-se que, em Portugal, 10% a 15% das gravidezes conhecidas terminam em aborto espontâneo. Em cerca de 1% a 5% dos casais, a perda de gravidez é recorrente.