Ameaça nuclear não trava sanções à Rússia

Nato, Estados Unidos e UE condenam "retórica perigosa e conduta irresponsável" de Putin. União Europeia, pela primeira vez, financia compra de armas para ajudar um país sob ataque e reforça sanções. Tentativas russas de ocupar Kiev e Kharkiv foram travadas por resistência ucraniana. Nas próximas horas pode haver negociações, na Bielorrússia, entre delegações da Rússia e da Ucrânia.
Publicado a
Atualizado a

E ao quarto dia surgiu a ameaça nuclear. "Ordeno ao ministro da Defesa e ao chefe de estado-maior que ponham a força dissuasora [nuclear] do exército russo em alerta especial de combate", disse Putin.

A explicação para esta ordem é linear: "declarações agressivas" e "medidas hostis" contra a Rússia. A frase de Vladimir Putin, na integra, revelado pela televisão russa é esta: "os países ocidentais não só estão a tomar medidas hostis contra o nosso país na esfera económica, como também altos funcionários dos principais membros da NATO fizeram declarações agressivas em relação ao nosso país".

Quase de imediato, a porta-voz da Casa Branca acusou o presidente russo de "fabricar ameaças que não existem".

"É um padrão repetido", disse Jen Psaki, "que temos visto do Presidente Putin durante este conflito, que consiste em fabricar ameaças que não existem para justificar uma agressão contínua. Em momento algum a Rússia foi ameaçada pela NATO ou pela Ucrânia (...) Resistiremos a isto. Temos a capacidade de nos defender".

"Esta é uma retórica perigosa. É uma conduta irresponsável", disse Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, à norte-americana CNN.

"Não estão apenas a ameaçar a Ucrânia, mas também os aliados da NATO e exigem", explicou, "que retiremos todas as nossas forças armadas do flanco oriental da Aliança".

Entrevistado pela BBC, Stoltenberg foi mais longe nas palavras e avisou que "a nossa mensagem é muito clara: os países da NATO defendem-se e protegem-se uns aos outros. A NATO não quer guerra com a Rússia, não estamos à procura de confrontação (...) somos uma aliança defensiva, mas que não haja mal-entendidos ou erros de cálculo sobre a nossa capacidade de defender aliados" face a possíveis ataques.

Culpas e responsabilidades da NATO? Stoltenberg recusa por completo as acusações de Moscovo: "Foi a Rússia que iniciou a guerra, que está a conduzir uma invasão militar em larga escala de uma nação soberana e pacífica, por isso não há dúvida de que a Rússia é responsável. O presidente Putin é responsável por este conflito (...) O que estamos a fazer é simplesmente ajudar a Ucrânia ajudando-os a fazer valer o seu direito à autodefesa".

Em 2008, na cimeira de Bucareste, a NATO prometeu à Ucrânia e à Geórgia que se tornariam membros da Aliança.

Por seu lado, o chefe da diplomacia ucraniana foi enfático na resposta: "Não nos vamos render, não vamos capitular, não vamos ceder um único centímetro do nosso território".

"É uma tentativa de pressionar a delegação ucraniana" [que estará a caminho da fronteira com a Bielorússia para negociações com representantes de Moscovo], mas essa ameaça [nuclear] não nos quebrará", assegura Dmytro Kuleba.

A Suécia também ontem quebrou essa regra, um protocolo em vigor desde que a URSS invadiu a Finlândia em 1939.

Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, revelou horas depois novas sanções. "O encerramento do espaço aéreo da UE a aeronaves de propriedade russa, registadas ou controladas pela Rússia", incluindo os jatos privados dos oligarcas, que "não poderão aterrar, descolar ou sobrevoar o território da UE".

Outras das medidas são "proibir os oligarcas russos de utilizarem os seus ativos financeiros nos mercados europeus", banir do espaço da UE "a máquina mediática do Kremlin (...) a desinformação tóxica e nociva". Ou seja, "A Rússia Today e a Sputnik [detidas pelo Estado russo], bem como as suas filiais, já não poderão espalhar as suas mentiras para justificar a guerra de Putin".

Moscovo impôs a censura aos órgãos de comunicação social russos proibindo o uso de expressões como "invasão", "ofensiva" ou "declaração de guerra" nas notícias sobre o que é descrito oficialmente como uma "operação militar especial" destinada à "manutenção da paz".

Ursula von der Leyen anunciou ainda outra medida: sancionar "o outro agressor nesta guerra [a bielorussia], o regime de Lukashenko", que é "cúmplice neste ataque vicioso contra a Ucrânia" e que será alvo de um "novo pacote de sanções".

O Alto Representante da UE para a Política Externa, Josep Borrell, sublinhou o inédito de "mais um que tabu caiu: o de que a UE não fornecia armas numa guerra. Sim, estamos a fazê-lo, porque esta guerra exige o nosso compromisso de forma a apoiar o exército ucraniano. Porque vivemos tempos sem precedentes (...) é a primeira vez na história que o bloco europeu vai fornecer equipamento letal a um país terceiro".

"A guerra de Putin não é apenas contra Ucrânia. Temos que compreender a gravidade da situação para nós, europeus, e para a segurança global", alertou.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskyy, acrescentou um novo pedido para mais sanções: a expulsão da Rússia do Conselho de Segurança da ONU.

"A Rússia tomou o caminho do mal e o mundo deveria vir a privá-la do seu lugar no Conselho de Segurança das Nações Unidas", afirmou.

A Rússia impediu, na sexta-feira, o Conselho de Segurança da ONU de aprovar uma resolução a condenar a invasão da Ucrânia pelas suas tropas, a segunda desde 2014, quando anexou a Crimeia.

A resolução recebeu 11 votos a favor e as abstenções de China, Índia e Emirados Árabes Unidos, mas o veto russo bastou para inviabilizar a iniciativa.

No terreno, poucas são as alterações conhecidas. A cidade de Kharkiv continua sob controlo da Ucrânia apesar dos anúncios russos de que tinham tomado a cidade - a "intensa batalha" foi travado com a ajuda de reservistas ucranianos; Kiev resistiu aos ataques das últimas 48 horas; em Dnipro, pela primeira vez, soaram as sirenes de alarme; mísseis balísticos foram lançados contra a Ucrânia a partir da Bielorússia que atingiram o aeroporto da cidade de Zhytomyr; e pela primeira vez Moscovo admite que há soldados russos mortos em combatem, mas não revela números.

A Ucrânia fala em 4.300 baixas nas tropas russas.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt