Não é necessário nenhuma medição nem conhecimentos científicos para verificar que o nível do mar tem subido ao longo da costa portuguesa. Em Ofir, uma zona costeira e turística do concelho de Esposende, é fácil essa constatação. "Quando era miúda era uma alegria vir para aqui. O areal era enorme, para mim era quase um quilómetro. Hoje o mar está aqui a poucos metros, o areal é reduzido. Perdeu a piada", diz Lurdes Silva, hoje com 46 anos mas fortes recordações do tempo em que era miúda no final da década de 1970, época em que o pai adquiriu uma fração no bloco A das conhecidas Torres de Ofir, três enormes edifícios com mais de 200 apartamentos construídos na primeira linha de praia..É um dos casos em que a subida do nível do mar ameaça o património edificado junto à costa atlântica provocado pelas alterações climáticas que a partir desta segunda-feira estão em discussão em Nova Iorque numa cimeira convocada por António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas..Pelo litoral há várias faixas de território que estão a ser afetadas, o que obrigará a tomar medidas. De acordo com o estudo "Cartografia de risco costeiro associado à subida do nível do mar como consequência das alterações climáticas", elaborado por uma equipa da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, em 2018, a zona de risco litoral compreende 11 concelhos e distritos com cerca de 146 mil habitantes. Em causa estarão 60 mil edifícios. Em 2050, estas áreas estarão diferentes, com uma subida média de um metro do nível do mar. Os autores, Carlos Antunes, Cristina Catita e Carolina Rocha, não traçam um cenário catastrofista, antes alertam para a realidade. Para que as consequências não sejam graves, apontam que há medidas, com inevitável deslocalização de pessoas, para minorar os efeitos..A água do mar está a ganhar terreno na costa, dizem os cientistas, devido, entre outras causas, ao aumento da temperatura global, o que provoca degelo e origina um maior caudal no mar. Em Ofir, Lurdes Silva diz não saber exatamente os motivos da subida do mar. Lembra-se de "não existir nenhum paredão", agora são dezenas. O paredão é uma estrutura longitudinal de proteção da costa, e os esporões têm o mesmo objetivo mas de forma perpendicular ao mar. Há muitos ao longo da costa..As Torres de Ofir são um exemplo de más práticas na construção na linha da costa. Foram erguidas antes do 25 do Abril e desde cedo geraram polémica devido à sua localização e volumetria. Em 2002, José Sócrates, então ministro do Ambiente, anunciou um plano de demolição que nunca chegou a avançar. "Falou-se mais do que uma vez em demolir, mas nos últimos tempos já se esqueceu. Seria preciso indemnizar todos estes proprietários", diz a residente em Guimarães que foi a Ofir por "estar de férias". Já lá vai o tempo em que a família gostava de Ofir. "Nestes dias nublados, isto fica deserto. O areal já não encanta. Pouco resta", justifica, convencida de que, com o tempo, os prédios irão abaixo. "Um dia o mar leva isto. No inverno a água anda ali pelas esplanadas."."A culpa é dos esporões".A ideia de demolição parece estar afastada, com os custos de milhões a serem a principal razão. No ano passado, foi anunciado um novo Plano de Ordenamento da Orla Costeira da zona norte, entre Caminha e Espinho, afetando sete municípios e que prevê a demolição de 34 edifícios e centenas de casas de 14 núcleos habitacionais, sete dos quais de origem piscatória. Isto de acordo com o documento inicial da Agência Portuguesa do Ambiente, que já foi a consulta pública, desconhecendo-se agora quando será apresentada a versão definitiva..Na localidade de Cedovém, em Apúlia (Esposende), está prevista a demolição de 34 edifícios, incluindo habitações e estabelecimentos de restauração. Tal como as vizinhas Pedrinhas, Suave Mar e Ofir Sul, é considerada uma área crítica exposta a fenómenos extremos e ao risco de erosão e de inundações. Adriano Ribeiro, 55 anos, pescador desde os 14 anos, discorda. "Não é a demolir casas que vão resolver o problema", defende, enquanto insiste em denunciar o que está acontecer na praia. "É só godes [pedras]. São montes e montes de pedra. Isto é inédito, nunca tinha visto nada como neste ano", afiança. "Isto acontece por falta de areia na praia, por causa dos esporões", diz ao lado das barracas que sete embarcações de pesca usam como armazém. "Deviam era defender a costa, na linha dos rochedos colocavam pés-de-galinha [estrutura de betão, com quatro pés, usada como quebra-mar] e o mar já chegava às dunas com menos força." Reconhece, contudo, que a zona "precisa de requalificação"..Mais velho, já com 75 anos, Isidro Silva é proprietário de uma habitação a cem metros da praia. Está prevista a sua demolição. "Estou a favor. Sou dos poucos por aqui mas isto assim não pode continuar. Precisa de uma limpeza", diz ao DN. Assegura que a sua casa está legal. "Era um barraco de madeira, meti tijolo e fiz dali uma casa. Mas foi legalizada." Para sair apenas quer "uma casa perto ou uma indemnização". Depois "é preciso convencer a mulher, que não quer sair"..Fausto Miranda diz que são apenas dez os habitantes que podem ficar sem casa. "A maioria é de segunda habitação", garante. Diz que "o mar não subiu, a areia é que desapareceu". Está convencido de que os esporões geraram o desassoreamento da praia e a progressão do mar. E, de facto, em Cedovém todos lembram que, em 2009, os tribunais Administrativo e da Relação deram provimento a uma queixa de um proprietário local, condenando o Estado por ser culpado da erosão da costa com a construção de um esporão de pedra com 300 metros. O Estado foi condenado a pagar 60 mil euros depois de o Tribunal Administrativo do Porto concluir que a construção do esporão pela Direção-Geral de Portos em 1987 originou o desassoreamento da praia e a progressão do mar..Carlos Moreira, 72 anos, pensa o mesmo e é um dos que garantem não querer sair. Tem ali a sua casa desde 1975, com 33 poemas escritos nas paredes exteriores. "Isto não vem nada abaixo. Tenho licença da casa e não quero dinheiro. Deviam era limpar estes barracos, pôr isto bonito, fazer saneamento."