Foi esta semana aprovado pelo governo o diploma que altera os estatutos de 12 ordens profissionais, adaptando-os ao estipulado no regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais. Mas a proposta de lei, aprovada em Conselho de Ministros - e que será submetida ao Parlamento -, está longe de ser pacífica. Na prática, altera os estatutos, entre outras, das Ordens dos Médicos Dentistas, Médicos, Engenheiros, Notários, Enfermeiros, Economistas, Arquitetos, Engenheiros Técnicos, Farmacêuticos, Advogados, Revisores Oficiais de Contas e Solicitadores e Agentes de Execução..Ao longo das últimas semanas várias vozes representativas destas associações criticaram o que consideram "ingerência" e "um ataque violento" por parte do governo às ordens profissionais..Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros, disse ao DN que em causa está sobretudo "uma questão muito ideológica", por parte do governo, que "não gosta das ordens profissionais". Apesar de entender que "nenhum governo gosta, este em particular mostra muito mais tiques ditatoriais, que se notam mais depois da maioria absoluta"..As alterações acontecem na sequência de um alerta da Comissão Europeia relativamente ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). A coberto dessa alteração, "o governo aproveitou para introduzir uma série de coisas que lhe permitem confortavelmente controlar as ordens, nomeadamente o órgão de supervisão, que será uma espécie de PIDE", acusa Ana Rita Cavaco.."Esse órgão de supervisão, a ficar com as competências que estão a definir neste conjunto de estatutos, tem mais poderes do que o próprio conselho diretivo", considera a bastonária. "São pessoas externas, que ainda por cima têm de ser pagas com o dinheiro dos profissionais. Pessoas que não percebem nada, do ponto de vista técnico, científico, deontológico, do que são as regras que se aplicam à profissão, e ainda vamos ter de lhes pagar para estarem ali a fazer de polícias políticos.".No caso da Ordem dos Enfermeiros, a convicção foi sempre de que "as negociações com o governo não iam dar em nada. Até podiam correr muito bem, mas o PS tem maioria absoluta e vai sempre aprovar aquilo que entender"..Num comunicado emitido na quinta-feira (dia em que foi aprovada a alteração legislativa), a Presidência do Conselho de Ministros afirma que o diploma visa "eliminar restrições de acesso às profissões e melhorar as condições de concorrência, processo iniciado com a entrada em vigor da lei", publicada em março, que altera o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais e o regime jurídico da constituição e funcionamento das sociedades de profissionais que estejam sujeitas a associações públicas profissionais. No documento salienta-se que foram auscultadas "todas as entidades relevantes para o processo"..Para além da Ordem dos Enfermeiros, também as dos Médicos, Economistas e Advogados contestaram as alterações aos estatutos propostas pelo governo. Entretanto, o Conselho de Ministros decidiu ainda juntar numa proposta de lei única as alterações agora aprovadas e as que já o tinham sido anteriormente (em maio), apreciadas em leitura final, na quinta-feira, relativas às restantes oito ordens profissionais - Biólogos, Contabilistas Certificados, Despachantes Oficiais, Fisioterapeutas, Nutricionistas, Psicólogos, Médicos Veterinários e Assistentes Sociais..O diploma único do governo será agora remetido ao Parlamento, que o irá apreciar e votar, tendo em conta as alterações propostas aos estatutos das 20 ordens profissionais..Os novos estatutos foram aprovados um dia depois de ser conhecida a demissão do coordenador da Comissão para a Reforma da Saúde Pública, Mário Jorge Neves, em desacordo quanto aos novos estatutos da Ordem dos Médicos. Na carta de demissão enviada na terça-feira, dia 13 de junho, à secretária de Estado da Promoção da Saúde, o médico considerou que os novos estatutos propostos pelo governo são uma "violenta e escandalosa tentativa de liquidação de elementares competências legais da Ordem dos Médicos e de ingerência política e governativa na autonomia e independência técnico-científica da profissão médica"..Para o Ministério da Saúde, a proposta legislativa não altera o modelo de formação médica, não modifica o papel central do Serviço Nacional de Saúde e não muda a especificidade da intervenção dos médicos e da sua ordem profissional. Já o bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes -- que, questionado pelo DN, não respondeu até ao fecho desta edição --, dissera anteriormente que aquela "precisa de ser uma instituição autónoma e independente do poder político", por forma a cumprir na plenitude a sua missão de "garantir a segurança dos utentes e oferecer os melhores cuidados de saúde"..Uma das vozes que mais se fez ouvir antes da aprovação do diploma foi a de Fernanda de Almeida Pinheiro, bastonária da Ordem dos Advogados. Aquela entidade invoca que as alterações propostas pelo governo não salvaguardam o sigilo profissional, o regime de conflito de interesses e outros princípios éticos e deontológicos. "O governo ultrapassou a linha vermelha", afirmou a responsável máxima dos advogados..O DN sabe que chegou a estar marcado um protesto conjunto das Ordens dos Advogados e dos Médicos, mas que acabou por não avançar..dnot@dn.pt