"Alqueva já foi responsável por Portugal ter passado de importador a exportador líquido de azeite"
O regadio é a solução para a agricultura dos países da Europa do Sul, com zero riscos ambientais, ou esse cenário ideal não existe?
O nosso clima mediterrâneo tem duas características fundamentais - grande irregularidade (intra e interanual) e no período de temperaturas mais altas não há qualquer precipitação. Quando as plantas têm sol e temperatura ótima de desenvolvimento a natureza não providencia a água que precisam. Podemos viver com estas condições e temos que o fazer na maior parte do território, adaptando os sistemas produtivos a esta realidade - por exemplo, privilegiando as culturas que se desenvolvem no outono/inverno ou melhorando as características do solo (um solo rico em matéria orgânica é um enorme reservatório de água e fertilidade e há ainda muito por fazer neste tema). Mas um hectare regado em Portugal pode produzir 10 ou 20 vezes mais riqueza do que em sequeiro porque produz muito mais nas mesmas culturas e viabiliza outras de elevado valor acrescentado, cria mais emprego e fixa população no espaço rural. Numa exploração agrícola esta capacidade produtiva do regadio pode significar a diferença entre a ruína e a sobrevivência, mesmo utilizando apenas 10% da superfície. Não existem atividades com risco zero mas hoje sabemos como podemos minimizar dramaticamente os impactos do regadio, aplicando os princípios da agricultura de precisão, da agroecologia criando bolsas naturalizadas e criando corredores ecológicos junto das culturas agrícolas, salvaguardando habitats sensíveis e o património cultural, produzindo localmente toda a energia necessária a partir de fontes renováveis e valorizando todos os resíduos agrícolas e agroindustriais para devolver fertilidade aos solos.
A barragem de Alqueva trouxe uma verdadeira revolução para a agricultura do Alentejo?
Sem dúvida! É um caso de sucesso na velocidade da adesão ao regadio e na instalação de projetos inovadores com modelos de negócio e com uma escala nunca antes vista no país. Alqueva já foi responsável, por exemplo, pelo facto do país ter passado de importador a exportador líquido de azeite, a amêndoa segue o mesmo caminho e há potencial para muitas outras "revoluções" com outras culturas. Alqueva permitiu ainda a viabilidade de vários regadios mais pequenos que, face à sua menor capacidade de regularização hídrica, tinham problemas crónicos de fornecimento de água. Os regadios do Roxo, de Odivelas, da Vigia ou do Alto Sado estão hoje ligados à grande mãe-de-água de Alqueva e passaram a funcionar sem as restrições do passado.
Tantos anos para ser concluída. Dificuldades técnicas ou falta de vontade política, o que atrasou a conclusão da barragem de Alqueva?
Não houve atrasos! De facto, no (re)início das obras em 1995 previa-se a conclusão de todo o empreendimento em 2025 o que veio a acontecer em 2016, quase uma década antes do previsto. É importante relembrar que Alqueva é muito mais do que uma barragem. O empreendimento inclui outras 69 barragens e reservatórios de regularização, 45 grandes estações elevatórias, uma rede de canais e, principalmente, grandes condutas enterradas com 2000 km de extensão. Foram precisam muitas dezenas de empreitadas em que houve algumas dificuldades técnicas, como em todas as grandes obras, mas os ligeiros atrasos parciais que foram acontecendo foram mais vezes devidos aos cuidados com a salvaguarda ambiental e patrimonial do que à construção civil. Demorámos, talvez, muito tempo desde a primeira conceção do projeto, nos anos 50, até ao retomar inequívoco da sua construção. Mas essa demora permitiu que o projeto se modernizasse e incorporasse as tecnologias do século XXI, o que veio a ditar o seu sucesso.
Quais são as principais culturas que beneficiam do regadio na área de influência da barragem?
A maior parte da área beneficiada é hoje ocupada por Olival, Amendoal, Vinha e Milho. Existem, no entanto, dezenas de diferentes culturas que são regadas por Alqueva e algumas, mesmo ocupando apenas centenas de hectares, têm enorme importância relativa.
Há culturas que não são aconselháveis mesmo quando o regadio tem água em abundância ou não deve haver tabus sobre o que plantar?
Não há culturas boas ou más - só há boas e más práticas culturais! A bondade de uma cultura num determinado local deve ser medida pela capacidade de ali gerar valor sustentadamente. Em Portugal existe total liberdade para a instalação de culturas em área agrícolas e, de facto, apenas a vinha para vinho e as plantas que produzem substâncias psicotrópicas estão sujeitas a licenciamento prévio. Julgo que não devem existir tabus sobre qualquer espécie, mas antes que os sistemas tarifários sejam indutores do uso eficiente da água, sem penalizar nenhuma cultura, e que o direito de utilização da água seja atribuído em volume (variável em função das disponibilidades anuais) de modo a conferir estabilidade e previsibilidade dos consumos no longo prazo.
Password: 495364
Meeting ID: 854 1795 0070
leonidio.ferreira@dn.pt