Quando um casal se separa a primeira preocupação é minimizar o sofrimento dos filhos. Devia ser assim. Mas nem sempre é. Há quem deixe o desejo de vingança sobrepor-se o bem-estar e superior interesse das crianças. Os danos e os traumas podem ser enormes. O que é a alienação parental e como combatê-la? Foi o que tentámos perceber, junto de especialistas. E de quem a viveu..Joana, que prefere não dar o verdadeiro nome, só descobriu o termo «alienação» quando os filhos (adolescentes) foram de férias com o pai e não voltaram. Mas lembra-se bem do que lhe disse o advogado: «não podemos usar esse termo em tribunal». Dez anos depois de uma guerra que a desgastou emocionalmente e deixou «danos irreparáveis na personalidade dos filhos», não tem dúvidas do longo caminho já percorrido..Hoje vive com os três filhos, mas na bagagem traz todo o processo que a impediu de ver as crianças durante meses, ao ponto de não reconhecer um deles, quando o reencontrou. «Tinha mudado o corte de cabelo, os gestos e as atitudes eram outras. A manipulação tem efeitos tremendos numa criança». E, no entanto, haviam passado («apenas») quatro meses, período durante o qual nada soube do paradeiro dos filhos..«Deixaram de me atender o telefone. O pai atendia, mas só me dizia que estava tudo bem, que eles estavam bem e não me queriam ver. Convenci-me que estavam no estrangeiro. Afinal estiveram sempre em Lisboa. Quando voltei a vê-los eram miúdos completamente alienados. Dois deles recuperaram bem, mas a menina (mais nova) ainda hoje tem dificuldade em distinguir a verdade da mentira, o que foi real ou fantasia, não tem noção do interior e do exterior. E nisso é que o sistema deveria pensar: o mal que um processo de alienação causa na vida de uma criança»..A psicóloga Eva Delgado Martins, que se tem dedicado a esta matéria, ajuda a pensar nisso. A alienação parental, explica, «resulta da obrigação que um filho sente em desqualificar o progenitor "alienado" e emerge da combinação de uma série de atitudes e comportamentos de crítica de um dos pais em relação ao outro. Os pais alienantes enfrentam o divórcio como uma guerra a vencer a qualquer custo, muitas vezes não estando conscientes das consequências deste combate para a saúde emocional do filho, utilizado como arma de arremesso, na agressão entre pai e mãe. Em consequência da alienação, os filhos interagem menos tempo com o pai ou a mãe alienados, impedindo-os de criar condições para que possam defender-se com sucesso das falsas acusações». .Foi para lutar contra isso, apesar do desgaste indizível, que Joana procurou ajuda. Encontrou-a na Associação Para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos (APIPDF), mas sentia necessidade de um apoio mais técnico, que a ajudasse a superar tamanha dor, a de se ver rejeitada pelos filhos..Foi assim que se cruzou com Eva Delgado Martins - que defende a existência de um «gestor de família», que nos processos de responsabilidade parental consiga servir de mediador entre todos os técnicos, desde a psicologia ao direito..«Ela foi-me guiando, e isso foi uma ajuda sem preço», sublinha Joana, certa de que, em Portugal, «nem todos os pais alienados têm essa sorte». Aproveitando «todos os acordos» - contrariamente à estratégia do próprio advogado -, Joana conseguiu retomar o contacto com os filhos, que aos poucos foram voltando, e hoje vivem com ela. «Mas eu sei que o meu caso é a exceção e não a regra», diz..Não se conhecem os números da alienação parental, mas o que se sabe, empiricamente, é que esta, felizmente, também é uma exceção. Não afeta mais homens do que mulheres, segundo Ricardo Simões, presidente da APIPDF, e não acontece só quando os pais se separam ou divorciam. Embora seja mais comum nesses processos, pode verificar-se também quando o casal se mantém, em relações de elevada conflitualidade, configurando, sempre, uma forma de abuso e violência contra as crianças, com consequências desastrosas para o seu bem-estar psicológico, comportamento e desenvolvimento..Instabilidade, sentimentos de culpa, conflito de lealdades, agressividade, mudanças de humor repentinas, sentimento de abandono, alterações nos padrões de sono e alimentação, dificuldade de concentração, mau desempenho escolar, no imediato, propensão para depressão, ansiedade, pânico, baixa autoestima, dificuldade em estabelecer relações com os outros, personalidade manipuladora, comportamentos de risco ou consumos problemáticos, a longo prazo..Foi para evitar que as filhas sofressem estas consequências que Luís Couto se juntou à Associação para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos, onde faz agora atendimento aos pais que vão chegando, em situação idêntica. Até há uns meses, nunca ouvira falar de alienação parental..No inverno de 2017, aconteceu-lhe a tempestade. Saiu de casa e, durante os primeiros meses, conseguia ver as filhas (a mais velha tem agora dois anos e meio, a mais nova apenas 14 meses), em casa da mãe, em cada fim de semana. As coisas começaram a mudar, quando Luís propôs a residência alternada. A «condescendência» da mãe, nos meses seguintes à separação, mudou radicalmente..Luís começou à procura de respostas para lidar com a situação, com as recusas de visita que começaram a acontecer, com os impedimentos que apareciam quando queria falar ao telefone com as meninas, com o afastamento que sentia galopar. «Foi quando descobri que estava a tornar-me num pai alienado, que isto era mais comum do que poderia supor. Porque a alienação vai acontecendo, aos poucos», diz, meses depois de ter comprado uma guerra que não queria [conheça na fotogaleria acima alguns Sinais de Alienação Parental]..A 19 de março, no Dia do Pai, finalmente conseguiu passar o dia com elas, ao cabo de cinco meses «a negociar». Foi a primeira pequena batalha ganha, embora Luís saiba que a contenda não tem fim à vista..«O frustrante de tudo isto é que parece que estamos a jogar um jogo que já sabemos que vamos perder», diz o pai, que entretanto se viu no meio de vários processos judiciais, nomeadamente acusado de violência doméstica, situação comum em casos de alienação parental..O mesmo aconteceu a Joana, que quase se tornou especialista em Direito da Família. «O objetivo é sempre o mesmo: atrasar o processo de regulação de responsabilidades parentais», diz..Como Joana, Luís não desiste. «São as minhas filhas e tenho um vínculo muito forte com elas», diz, contando como continua a fazer videochamadas e telefonemas para a creche, todos os dias, para impedir que esse vínculo se perca, o que é fácil nestas idades..Como forma de prevenir a alienação parental, a Associação para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos defende o modelo de residência alternada. Ricardo Simões, presidente da direção, acredita que esse caminho começou com a chegada à Assembleia da República da petição que advoga a presunção jurídica deste modelo..Defende, no entanto, que «a abordagem de longo prazo tem que ser a diferentes níveis. Por um lado, coordenada e multidisciplinar por parte das instituições ligadas à Justiça e por outro lado uma maior consciencialização da sociedade para o fenómeno, ao ponto de existir uma maior censura social a estes comportamentos»..Luís Couto trabalha no Porto, as filhas moram na região centro com a mãe, de acordo com a decisão judicial provisória. A sentença permitiu-lhe estar com elas às quartas-feiras e dois fins-de-semana por mês. Faz centenas de quilómetros para estar três horas com elas. E depois vêm as dúvidas, o labirinto que é a educação..«É claro que quando se está apenas esse tempo, é grande a tentação de fazer todas as vontades, para que sejam um tempo só de mimos, sem contrariedades. O paradoxo é que há pais que vivem felizes com isso, que lhes basta. Mas quem é pai tem de ser a tempo inteiro. Eu tenho de ter tempo para estar com as minhas filhas. Não sou uma visita, nem um parente ou amigo com quem passam alguns períodos», diz..À porta da APIPDF (com sede em Lisboa, mas com grupos de mútua ajuda em Évora, Paço de Arcos, Leiria, Santa Maria da Feira e Porto) batem cada vez mais pais e mães, mas também avós e avôs. Patrícia Mendes, vogal da direção, sublinha como é importante «perceber-se que a alienação parental é um comportamento extremo. Que existe, é dramático, e de difícil gestão. Mas mais importante ainda é que tenhamos a noção de que o conflito continuado e prolongado, por si só, é prejudicial para o normal e saudável crescimento e desenvolvimento da criança ou adolescentes envolvidos»..Não são os pais que querem sempre o melhor para os filhos?.O conteúdo Alienação parental: Os filhos não são coisas que se usem como arma aparece primeiro em DN Life..Para saber mais clique aqui: life.dn.pt