Alegre recorda poema para Niemeyer

Após Óscar Niemeyer revelar numa entrevista que tinha no seu atelier um poema de Manuel Alegre emoldurado, a "Trova do Vento que passa", o poeta enviou-lhe um poema inspirado na obra e na pessoa do mítico arquiteto brasileiro. Alegre e Niemeyer não se ficaram por esta troca poética, ainda trocaram recordações e combinaram projetos em que ambos participariam, uma revista que o arquiteto queria editar.
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POEMA PARA OSCAR NIEMEYER

Gostava de estabelecer entre as palavras e o silêncio

aquelas proporções que Oscar Niemeyer consegue

entre volumes e não volumes

entre cheios e vazios.

Gostava de inventar linguagem dentro da linguagem

como Niemeyer inventa espaço dentro do espaço.

Mas como criar na escrita o nunca escrito?

Gostava meu caro Oscar Niemeyer

de pegar na caneta e fabricar um pouco de infinito

fazer com sílabas e fonemas

o que você faz com traços e com esquemas.

Mas eu não posso meu caro eu não posso ou não sei

construir uma cidade com poemas.

Tão pouco sei se Deus tem mão e se desenha

não sei sequer se existe ou simplesmente

deixou para Oscar Niemeyer

o oitavo dia da criação.

Mas é o que parece quando você faz um croqui

e depois é Brasília

uma catedral um museu uma mulher

ou uma casa em Canoas.

Com Oscar Niemeyer o Brasil é mais Brasil

o mundo se refaz se reinventa se revoluciona

contra a injustiça contra a opressão contra a fealdade.

Cada projecto seu é um acto de harmonia

traço a traço você subverte o espaço

e semeia a beleza na desordem estabelecida.

Consigo é possível a utopia

consigo a arquitectura é outra vida.

Manuel Alegre

4/08/2003

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