O senhor Dijsselbloem provocou uma onda de irritação nacional - mostrando, afinal, que há vida para além das redes sociais - com um breve comentário sobre pretensos hábitos dos países do Sul da Europa alvos, ou vítimas, de resgate financeiro. "Mulheres e álcool", disse o holandês presidente do Eurogrupo, ele próprio, recorde-se, com um genezinho de uma certa portugalidade que gosta de empolar as qualificações académicas [teve de retirar do currículo a menção a um mestrado em Economia Empresarial, que não tinha, e substituí-la por uma investigação em Economia Empresarial]. Mas não é isso que interessa. A questão que se coloca é: os portugueses gostam mesmo de mulheres e uma boa vinhaça? A jurisprudência pode ajudar a responder, sobretudo porque fornece preciosos indicadores de uma sociologia subterrânea habitualmente ausente dos grandes inquéritos..No processo 1099/04, o Tribunal da Relação de Coimbra negou o recurso a um homem apanhado a conduzir um veículo com 1,72g/l. Este alegou que quando foi fiscalizado, encontrava-se parado na berma da estrada, juntamente com seis companheiros de trabalho, a saborear um garrafão de vinho que lhes tinha sido oferecido. Uma versão que os juízes desembargadores não engoliram: "Não se compreende que um grupo de trabalhadores, depois de um dia inteiro de trabalho, a cortar madeira - no mês de agosto -, findo o dia de trabalho, tendo recebido um garrafão de vinho (que só o arguido refere) tivessem percorrido cerca de 70 km em direção às suas casas e só quando se encontravam a cerca de 5 km das suas residências, se tivessem lembrado de encostar à beira da estrada para beber. Não para uma simples "prova", mas para emborcar todo o conteúdo do garrafão - cinco litros - de vinho. A seco, antes do jantar!". Ou seja, para os juízes, quando se recebe uma vinhaça daquelas, o melhor é beber logo e não andar 70 km com ela no carro, não vá o líquido fermentar ainda mais com a trepidação..E o que dizer de um trabalhador, carpinteiro, que um dia se apresentou ao trabalho com 2,4g/ de álcool no sangue? É motivo para despedimento? Em primeira instância considerou-se ter existido uma "manifesta desproporção" entre o facto de o trabalhador se apresentar com uma grande bebedeira e o despedimento, sendo que a empresa ainda foi condenada a pagar-lhe uma indemnização de quase dois mil euros. Porém, o Tribunal da Relação de Lisboa (2011), alterou a decisão, considerando que o trabalhador "ao desempenhar a sua atividade de carpinteiro a 18 metros de altura, com uma taxa de alcoolemia de 2,4g/l, configura um comportamento altamente temerário, pondo em risco não só a sua integridade física como a dos demais trabalhadores que ali desempenhavam funções"..No caso do apetite pelo sexo feminino, este está bem explanado em vários acórdãos. Nos idos de 1992, uma mulher alegou como fundamento do pedido de divórcio o facto de o marido "não fazer vida com ela, de lhe chamar ordinária e fressureira, de se embriagar, de acompanhar com mulheres de mau porte". Mesmo que não tenha explicado o conceito de "mau porte", a mulher conseguiu uma decisão favorável..O local de trabalho, além de servir para, mantendo a venerável expressão, emborcar uns valentes copos, também, dando razão ao ministro das Finanças holandês, funciona como afrodisíaco. Em 1994, por exemplo, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu ser motivo para justa causa de despedimento o facto de um trabalhador ter "pelo menos, durante seis sábados" e nas instalações da empresa mantido "cópula com uma mulher de limpeza que - embora de outra empresa - ali se deslocava em serviço de limpeza". Apesar de "zeloso e dedicado ao serviço", o homem, concluíram os desembargadores, "quebrou a confiança existente" com a empresa..É difícil contrariar Dijsselbloem quando os exemplos continuam. E se os bons, começam na escola, os maus também podem ter o ensino como ponto de partida..É que não é só no estrangeiro que os professores se envolvem sexualmente com alunos. Corria o ano de 2002 quando um professor de um liceu em Lisboa resolveu levar uma colega e dois alunos para a sua casa, onde, segundo os autos, "fizeram sexo em grupo". No dia seguinte, começaram a correr mensagens na escola com o sucedido. O professor em causa foi aposentado compulsivamente (12806/03, Tribunal Central Administrativo do Sul)..Só mais um exemplo para o senhor Dijsselbloem ficar bem ciente da capacidade predatória do homem português. Não, não é o clássico da "coutada do macho" latino, mas sim um acórdão de 1993 do Supremo Tribunal de Justiça que, na sequência de uma errada decisão de outros tribunais, teve de precisar que "comete o crime de profanação de cadáver e não o crime de violação, aquele que introduz o seu pénis na vagina de mulher que acabou de matar, bem sabendo que ela estava morta".