Air Safe. Dispositivo respiratório para proteger profissionais de saúde à espera da certificação

O equipamento de proteção respiratória individual de pressão positiva contra as contaminações por via aérea poderia já estar a ser usado nos hospitais portugueses mas falta a certificação do Centro Tecnológico das Indústrias Têxtil e do Vestuário de Portugal (CITEVE).
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É uma invenção portuguesa, dispensa o uso de máscara, permite respirar sem constrangimentos de maior e garante a quem a usa proteção contra a covid-19 e não só. O dispositivo de proteção respiratória individual Air Safe utiliza o princípio da pressão positiva e é composto por uma unidade de propulsão que se carrega à cintura, dois filtros respiratórios hospitalares (com eficiência de filtragem de 99%) criados para reduzir a contaminação bacteriana e viral e um tubo de ligação ao capuz de proteção.

O aparelho, "aparentemente simples" - e visualmente semelhante à parte da cabeça de um fato de astronauta - é obra do engenho de Jorge Noras, presidente do grupo Noras, que desenhou o dispositivo quando a covid-19 ainda não tinha atingido os números dramáticos das últimas semanas.

"No início da pandemia tive um contacto, uma ligação mais próxima, com o hospital militar. E, em ambiente de hospital, apercebi-me da necessidade que os profissionais tinham de estarem protegidos e confortáveis", descreve.

"A ideia surgiu-me com a covid-19 mas o mercado é um mercado global" que vai muito para além da utilização no contexto da pandemia que atravessamos.

"Enviei protótipos para cientistas e hospitais portugueses e estrangeiros e neste momento tenho uma série de países à espera" que o processo de certificação termine "para começar a fornecer", avança.

Todos os componentes do dispositivo já estão certificados, exceto o capuz. "Estou à espera da certificação do capuz. Está a demorar mais tempo porque este capuz é ligeiramente diferente dos utilizados na indústria - tem as costuras seladas, o material está certificado para este tipo de utilizações, como está criado é para ser utilizado em ambientes bacterianos - e não há norma", refere Jorge Noras.

A lentidão no processo não se deve ao desempenho do equipamento nas situações para que foi criado mas à dificuldade em enquadrar o aparelho inovador nas regras que já existem.

"Ninguém tem dúvidas, nos testes, nas validações da segurança do equipamento, só que não há uma norma em que se enquadre. Porque como isto é um equipamento novo ainda não há norma feita", afiança o inventor.

"Tecnicamente houve uns ajustes que foram necessários fazer ao capuz, como a selagem das costuras, no caso, para poderem ser utilizados em contextos de covid-19. Mas já está tudo resolvido e ultrapassado", descreve o empresário que está confiante em que "a certificação já não irá demorar muito mais, só tem que ver com questões burocráticas, jurídicas - tentar enquadrar de alguma maneira nas normas que existem o capuz. Estou a fazer o caminho com o CITEVE, que é o organismo em Portugal validado para certificar este tipo de produtos". "Penso que dentro de pouco tempo estará disponível no mercado. Acredito que sim", frisa.

O dispositivo foi inicialmente concebido para dar resposta às necessidades dos profissionais de saúde na linha da frente contra a covid-19 e foi só durante o processo de criação dos protótipos do Air Safe que Jorge Noras se apercebeu do potencial da sua criação.

"Este dispositivo é muito mais do que para a covid-19", que "é temporária", diz. Os primeiros protótipos foram enviados para "hospitais públicos e privados, dentistas" para serem testados pelos profissionais de saúde e foi aí que soube que tinha uma ideia com mais valor do que o que inicialmente previra.

"O feedback de todos foi muito positivo", assegura. Jorge Noras não tem dúvidas de que tal se deve às características inovadoras do aparelho que combina "filtros com uma capacidade de filtragem de 99,99% - como segurança de filtragem de respiração não pode haver mais" - com o conforto de utilização.

"O capuz pesa menos de cem gramas e, por exemplo, se o utilizador usar óculos, não os embacia e não distorce a visão", explica.

Um dos locais onde o Air Safe pode vir a fazer parte do quotidiano de cirurgiões e outro pessoal médico é nos blocos operatórios onde todo o pessoal precisa de usar máscaras, viseiras - desde sempre, "antes da covid-19".

"Quando experimentaram isto - um só equipamento, leve, que não embacia, é confortável - até posso dizer que tive alguma dificuldade para me devolverem os equipamentos depois de os testarem", recorda Jorge Noras, reforçando que não pôde deixar de recuperar os protótipos "porque ainda não estão certificados".

Os dentistas também têm de usar uma série de equipamentos de proteção diariamente e durante longas horas e Jorge Noras espera que o seu dispositivo passe a fazer parte da mobília nos consultórios dos médicos estomatologistas - um mercado "no qual nem sequer tinha pensado inicialmente".

A grande diferença em relação à utilização da máscara a que todos já nos habituámos é o conforto que pudemos comprovar durante a nossa visita à fábrica da Noras Performance em Torres Vedras onde experimentámos o dispositivo.

O capuz é leve, fácil de ajustar à cabeça mas suficientemente amplo para permitir a sensação de que se está a respirar livremente. Outra das vantagens é permitir ver a expressão facial do utilizador - um elemento fundamental da relação entre profissionais de saúde e doentes.

No nosso teste rápido detetámos apenas dois inconvenientes: o peso do módulo de ventilação do ar (onde se encontra a bateria) que se transporta à cintura através de uma cinta ajustável e que ronda os 800 gramas - algo que se pode tornar desconfortável ao fim de algumas horas de utilização; e o processo de colocação do dispositivo que implica algum treino inicial para garantir que os filtros estão montados de forma correta.

O equipamento completo tem "um valor de referência de mais ou menos 500 euros" mas o preço pode baixar ligeiramente com a otimização futura da produção, analisa o inventor que admite que o dispositivo "não é especialmente direcionado" para o "utilizador comum no dia-a-dia".

Profissionais de saúde e todos os que desempenham funções fundamentais que impliquem o contacto com outras pessoas - como condutores de transportes públicos, funcionários de supermercados, operários de fábricas, entre outros - são os principais potenciais clientes.

"Um dentista ou outro profissional que experimente o Air Safe com o conforto que lhe dá para sempre... O preço é o preço de um equipamento tecnológico com este tamanho, esta autonomia, esta capacidade de ventilação - este equipamento tem muita tecnologia", justifica.

O maior mercado deste dispositivo "são os dentistas, não tenho dúvida nenhuma". O outro grande mercado são os blocos operatórios e os hospitais em geral e muito para além desta pandemia - no fundo, em "todos os ambientes onde possa haver alguma contaminação".

Jorge Noras, de 59 anos, é "engenhocas" desde que se lembra. Para além do Air Safe, Jorge Noras já tem outro dispositivo de segurança no mercado. Trata-se da boia telecomandada U-Safe que veio tornar os salvamentos marítimos mais rápidos e eficazes. A boia pode ser acionada por controlo remoto e guiada por GPS até ao náufrago e a fábrica de Torres Vedras está a produzir 500 unidades por mês, maioritariamente para exportação.

O inventor e self made man justifica esta tendência "para a segurança" com a fase da vida que atravessa. "A idade leva-nos a repensar sobre o que andamos aqui a fazer", reflete. "E, se temos capacidade de fazer alguma coisa para ajudar os outros, para melhorar a qualidade de vida das outras pessoas, acho que é esse o caminho."

Jorge Noras desvenda que já tem outras ideias a fervilhar e garante que "enquanto cá andar neste planeta" o seu principal objetivo "é ajudar pessoas" mas frisa que "é preciso ter condições para ajudar pessoas".

"Costumo dizer aos amigos e às pessoas que me estão mais próximas que estou a deparar-me com o mesmo problema da boia U-Safe. Não é um bom exemplo, mas é uma coincidência. Também era uma coisa que não existia nada parecido - era um drone ou era uma boia? Mas não era uma boia porque as boias que conhecíamos não se movimentavam com autonomia. Também não era um drone e eu tive muita dificuldade em certificar a boia. E agora estou a passar pelo mesmo com o Air Safe", desabafa.

Com uma invenção certificada em carteira e outra em vias de o ser, qual é maior desafio de um inventor português? "É ter um produto que ninguém imaginava, ninguém conhecia e que muitos punham em causa: mas é possível nunca ninguém se ter lembrado disto? E tem de se mostrar às pessoas que é possível, que existe", defende.

E, em Portugal, "é especialmente difícil - apesar de eu gostar muito do nosso país e de ser português". É muito difícil porque "nós não crescemos, não fomos habituados, a fazer coisas para o mundo, para vender em todo o lado", afirma.

"Temos ideias mas não estamos onde tudo acontece, pelo menos na Europa, que é no centro da Europa", acrescenta. "E quando chegamos a um banco para nos financiar, por exemplo, ou quando discutimos a nossa ideia, as pessoas não valorizam porque inconscientemente - não é por mal - acham que não é possível concretizá-la. Isso é muito difícil de ultrapassar", conclui.

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